" Uma das coisas mais legais da nossa infância é que tínhamos um quintal cheio de bichos. Vou começar pela tartaruga. Era domingo, sol escaldante, e meu pai estava voltando da feira. A sacola muito pesada e o sol quentíssimo o fizeram andar bem mais devagar do que gostaria. Talvez por isso ele tenha notado a “pedra” que se movia na rua sem asfalto por conta própria. Não teve dúvidas, colocou a tartaruga no bolso e a trouxe para casa. Examinando o casco da pobrezinha, todo irregular e cheio de buraquinhos, constatamos que ela devia ter passado maus bocados na boca de algum gato, ou mesmo cachorro. Fizemos uma festa. Ela viveu muitos anos conosco.
Antigamente, sempre passavam na rua com uma Kombi velhinha uns caras que trocavam pintinhos por garrafa. Trocamos por volta de meia dúzia mas sobreviveram dois. Estes viraram uns galos velhos e rabugentos que viviam correndo atrás da gente quando nos distraíamos e bicavam muito as nossas canelas. Os dois infelizes também brigavam por qualquer motivo. Outra coisa que eles gostavam de fazer era suspender no bico os porquinhos da índia pelo cangote. E ainda cacarejavam meio que gargalhando os debochados.
Tínhamos porquinhos da índia. Eram dois, mas desataram a se multiplicar e chegamos a ter mais de trinta em casa. Pois bem, naquele tempo não tinha PET SHOP em toda esquina e não se comprava ração em super mercado. Alimentávamos os porquinhos da índia com capim. Minha mãe achava que os bichinhos nos manteriam ocupadas e não teríamos tempo para ficar brincando na rua, sua maior preocupação. Ela trabalhava fora e não tinha quem ficasse com a gente em casa. Então, sempre nos recomendava que arrancássemos o capim com a mão e nunca nos afastássemos de casa, visto que no fim da rua havia um campinho.
No fim da rua, depois do campinho tinha também a linha do trem. Nossa rua fica exatamente entre as estações de São Miguel e Itaim Paulista. As margens dos trilhos são cheias de mato até hoje. As ruas da periferia eram vermelhas, poeirentas e felizes. Eram as ruas da minha infância. Logicamente não arrancávamos capim com a mão, dava muito trabalho. O facão da cozinha era bem mais prático. Pegávamos o facão, a sacola de feira do meu pai e, se havia crianças em casa (e sempre havia) íamos em bando para o campinho, ou melhor, para a linha do trem. Ficávamos ali brincando e nos revezando no corte do mato. Brincávamos de saltar os dormentes, nos equilibrávamos na linha. Era nosso parque de diversão. O trem nunca pegou ninguém. Sempre tinha um que via e avisava os demais. Saltávamos dos trilhos como um bando de sapinhos.
Os bichos aos poucos foram saindo da nossa vida. A tartaruga morreu exatamente por causa de um cachorro, acho que era destino dela. Meu pai soltou no mato os porquinhos da índia por que já estava de saco cheio com a bagunça que eles faziam e os galos também se foram. Um deles inclusive morreu por minha causa. Ele estava me perseguindo pela casa e divertindo-se com meu desespero. Para escapar das bicadas eu fui me esconder no quarto e matei o infeliz enforcado quando bati a porta. O pescoço dele estava lá. Uma vizinha nossa ainda teve a pachorra de cozinhar o bicho. ARRRRRRRGH. Depois disso ainda tivemos uns cachorros mas eles sempre ficavam doentinhos e morriam. "
retirado de:http://vivasp.com/texto.asp?tid=4022&sid=1






