terça jul 05, 2005 7:36 pm
Bem, na verdade os 8 dias de prazo apenas se completam amanhã (vejo que a matemática também não é o seu forte...), mas atendendo à ansiedade demonstrada e à extrema educação (grande progresso!) com que me faz o pedido, antecipo o prazo num dia...
Antes devo dizer que a sua dificuldade em compreender o conceito provém da sua teimosia em considerar que os cães o veem como mais um da espécie canina. Isso é falso. Como já lhe disse antes, isso é menosprezar a inteligência canina (não, não é igual à nossa nem pode ser aferida pelos mesmos parâmetros - essa é uma avaliação demasiado primária) e obriga-o, para ser aceite como líder, a integrar-se na sua hierarquia específica o que, entre outros inconvenientes, o vai sujeitar a periódicas disputas de liderança (com os inconvenientes que isso pode ter tratando-se de cães de médio porte...).
Que tipo de superioridade devemos então impôr aos nossos cães? A do "dá cá e acabou-se" porque eu sou o cão alfa e tu és o beta? Essa é a solução que você preconiza. Estava errada nos jogos de tracção, como penso que compreendeu pelas explicações que lhe dei na minha última mensagem, e está também errada como estratégia geral de dominância.
O nosso trabalho deve ser usar a nossa inteligência superior e convencer o cão da superioridade da nossa espécie. O cão apercebe-se que você não é mais um cão, assim como se olhar para um porco ou para uma galinha sabe perfeitamente que não está a ver cães... Então o correcto é fazê-lo compreender, desde cachorro (era de cachorros que estávamos a falar) que somos de uma espécie superior, mais forte e poderosa.
Temos vários aspectos a nosso favor que podemos explorar para afirmação de superioridade - o nosso bipedismo; o facto de sermos provedores de recursos; o facto de os protegermos; o facto de com eles passearmos; o facto de sermos nós a assegurarmos a sua eficácia genética, etc. Todos estes factos, utilizados adequadamente no dia a dia, levam o cão a compreender-nos como pertencentes a uma espécie superior, para além de membros da parte humana da sua "matilha".
Para além disto, podemos reforçar esse sentido de submissão interespecífica com pequenos truques, que vão impondo subtilmente ao cão a nossa superioridade. Entre eles contam-se as carícias de contenção.
O que são, então, essas misteriosas carícias de contenção? Nada de especial... apenas manifestações de força introduzidas entre estímulos positivos e sempre de intensidade inferior a estes.
Como possivelmente não percebeu muito bem a definição, passo a um exemplo prático - precisamente os jogos com corda, bola ou churro:
Penso já ter demonstrado que o "dá cá e acabou-se " é completamente errado. Como introduzimos as carícias de contenção então neste jogo de "luta"? Eu vou-lhe dizer o que faço:
1. Normalmente, quando o cachorro está em acesa disputa pela bola (e portanto com o instinto de presa a funcionar a 100%) é normal dar-lhe pequenas palmadas e fazer-lhe festas na cabeça com a mão livre (não sei se você faz isso, ou sequer se brinca com os cachorros, mas é o que eu faço).
2. Ora, tendo o cachorro a morder com o máximo entusiasmo, se aumentar a intensidade das palmadas até as tornar bem fortes (mas sempre menos fortes que a vontade dele delutar pela posse do churro) você vai-lhe transmitindo sem o frustrar quem é que é o mais forte fisicamente, compreende? Isto é uma carícia de contenção a utilizar em jogos de tracção com cachorros, e é muito mais eficaz que tirar-lhe o churro deixá-lo frustrado...
Eu não sei com que outros métodos é que você quer que eu compare, mas vou comparar apenas com o seu, que é, desculpe que lhe diga, apenas o da força bruta...
- não frustra o cão, porque a intensidade do estímulo de presa é maior do que a do estímulo aversivo que você aplica;
- constitui uma manifestação de força que é apropriada pelo cão sem lhe diminuir o instinto de presa;
- promove no cão uma maior dureza e capacidade de recuperação de estímulos negativos;
- é uma introdução ao trabalho do bastão e às cargas a que o cão será sujeito mais tarde.
- não prejudica a relação cão/dono e mantém no cão a alegria pelo jogo.
Bem, esta é, pela rama, a explicação que você pedia. Espero ter satisfeito a sua curiosidade.
Agora o que lhe peço é que, se quiser experimentar o conceito, o compreenda primeiro e não o aplique às cegas e sem raciocinar, que, pelos vistos, é o que faz com as leis de Mendel...
Isto é, não pegue num cachorro muito sensivel e não se ponha a mandar-lhe murros ou palmadas que o partam ao meio... Há que ir gradualmente e sempre tendo em consideração que tipo de temperamento tem o cachorro com quem brincamos...
Espero ter sido útil. Longo sei que fui... mas este é um dos temas em que não se pode ficar por resumos...
José Carlos