Poemas e poetas
Tia, aqui estão algumas... lembra-se de alguma?
http://arcadenoe.sapo.pt/forum/viewtopic.php?t=80641
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Dedico esta assinatura a quem lhe "acentar" a carapuça :
"Quem nasce lagartixa, nunca chega a jacaré, por muito que se inche .... " By , um amigo muito querido ...
"Dogs are better than human beings because they know but do not tell."
— Emily Dickinson
À espera que os frangos que o Terug, o Paulo Santos e o Zefe andam a virar, fiquem prontos.
... e já agora tambem das courgettes da LuMaria!;)
"Quem nasce lagartixa, nunca chega a jacaré, por muito que se inche .... " By , um amigo muito querido ...
"Dogs are better than human beings because they know but do not tell."
— Emily Dickinson
À espera que os frangos que o Terug, o Paulo Santos e o Zefe andam a virar, fiquem prontos.
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Nunca mais abro um tópico coltural, vós sois umas... umas... umas...







«Ninguém cometeu maior erro do que aquele que nada fez, só porque podia fazer muito pouco.» Edmund Burke
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Tem razão nicasxi, eu até acompanhei este tópico, mas já não me lembrava dele, ao ver estas séries as recordações fantásticas da minha infãncia vieram cá para cima e foi ver as emoções aos turbilhõesnicasxi Escreveu:Tia, aqui estão algumas... lembra-se de alguma?
http://arcadenoe.sapo.pt/forum/viewtopic.php?t=80641


Tive a sorte de ter uma infância e uma adolescência fantásticas e são estas séries que me trazem à memória a vida fantástica que tenho tido
está-me a dar para o sentimento



Obrigado por me fazerem recordar



PASSEANDO NO MUNDO
Passeando no mundo
Eu vi faltar papel para livros de paz
Enquanto circulavam jornais de crime
Eu vi as sobras de um banquete no lixo
E um homem morrendo de fome debaixo da ponte
Eu vi um bonito envelope de pagamento
Cheio de vales e vazio de justiça
Eu vi um cristão cruxificado na língua de alguém
E vi esse mesmo alguém estendendo a língua numa
comunhão
Eu vi a máquina falhar de repente
E um homem perder o emprego por causa de um parafuso
Eu vi um defensor dos direitos humanos pedindo aumento para operários
Com uma garrafa de Whisky escoçês debaixo do braço
Eu vi deixarem um cheque violento numa boite
e no outro dia, de esmola, dois cruzeiros a um orfanato
Eu vi duas estrelas com brilho no céu
Enquanto dois olhos ao meu lado perdiam o seu brilho
Eu vi um homem com as duas mãos nos bolsos
Enquanto um irmão pedia uma delas para se levantar
Eu vi um pai levar o seu filho para uma noite de farra
E não vi levar a filha da mesma idade para a boémia
Eu vi uma moça nua no calendário do laboratório médico
Enquanto seus dias, de Janeiro a Dezembro, eram de dor
Eu vi a falta de diálogo e a distância da orientação
Provocar o ódio na retina de uma simples menina
Eu vi o tóxico entrar em casa
E seu pai, de desgosto, sair dela num caixão
Eu vi um homem morto de cansaço
E seu filho esbanjando cada gota do seu suor
Eu vi gente acendendo velas ao diabo
E soprando as velas de Deus
Eu vi uma legião de puxa-sacos pendurada na radiografia da mediocridade
Eu ouvi um homem dizer "bom-dia"!
E depois de meia hora despedir dez funcionários sem dizer porauê
Eu ouvi o relincho de um valente burro judiado
E não ouvi o sinal do cobarde que se omitiu
Passeando no mundo....passeando no mundo
Eu vi os remanescentes dos fariseus e o sangue de Cristo no quotidiano
E o bafo de Judas no ouvido da nossa gente
Raça de víboras!
Sepulcros caiados!
Geração adúltera!
Neimar de Barros
Passeando no mundo
Eu vi faltar papel para livros de paz
Enquanto circulavam jornais de crime
Eu vi as sobras de um banquete no lixo
E um homem morrendo de fome debaixo da ponte
Eu vi um bonito envelope de pagamento
Cheio de vales e vazio de justiça
Eu vi um cristão cruxificado na língua de alguém
E vi esse mesmo alguém estendendo a língua numa
comunhão
Eu vi a máquina falhar de repente
E um homem perder o emprego por causa de um parafuso
Eu vi um defensor dos direitos humanos pedindo aumento para operários
Com uma garrafa de Whisky escoçês debaixo do braço
Eu vi deixarem um cheque violento numa boite
e no outro dia, de esmola, dois cruzeiros a um orfanato
Eu vi duas estrelas com brilho no céu
Enquanto dois olhos ao meu lado perdiam o seu brilho
Eu vi um homem com as duas mãos nos bolsos
Enquanto um irmão pedia uma delas para se levantar
Eu vi um pai levar o seu filho para uma noite de farra
E não vi levar a filha da mesma idade para a boémia
Eu vi uma moça nua no calendário do laboratório médico
Enquanto seus dias, de Janeiro a Dezembro, eram de dor
Eu vi a falta de diálogo e a distância da orientação
Provocar o ódio na retina de uma simples menina
Eu vi o tóxico entrar em casa
E seu pai, de desgosto, sair dela num caixão
Eu vi um homem morto de cansaço
E seu filho esbanjando cada gota do seu suor
Eu vi gente acendendo velas ao diabo
E soprando as velas de Deus
Eu vi uma legião de puxa-sacos pendurada na radiografia da mediocridade
Eu ouvi um homem dizer "bom-dia"!
E depois de meia hora despedir dez funcionários sem dizer porauê
Eu ouvi o relincho de um valente burro judiado
E não ouvi o sinal do cobarde que se omitiu
Passeando no mundo....passeando no mundo
Eu vi os remanescentes dos fariseus e o sangue de Cristo no quotidiano
E o bafo de Judas no ouvido da nossa gente
Raça de víboras!
Sepulcros caiados!
Geração adúltera!
Neimar de Barros
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Na senda da malandrice...
Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"

Ternura
Desvio dos teus ombros o lençol,
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do sol,
quando depois do sol não vem mais nada...
Olho a roupa no chão: que tempestade!
Há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
onde uma tempestade sobreveio...
Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...
Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!
David Mourão-Ferreira, in "Infinito Pessoal"
«Ninguém cometeu maior erro do que aquele que nada fez, só porque podia fazer muito pouco.» Edmund Burke
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Aqui vai um prosa linda para todos vos.
Perdi uma caneta lá para os lados da várzea.
Se lá fores e a vires trázia
Perdi uma caneta lá para os lados da várzea.
Se lá fores e a vires trázia

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nao so gosto como adoro 
Minha mãe fez um bolo de geleia, pedi-lhe um bocado e ela deu-me uma fateia

Minha mãe fez um bolo de geleia, pedi-lhe um bocado e ela deu-me uma fateia

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Fiel
Na luz do seu olhar tão lânguido, tão doce,
Havia o que quer que fosse
Dum íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre cão vadio
Que não tinha coleira e não pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado ao frio,
Percorria de noite os bairros da miséria
À busca dum jantar.
E ao ver surgir da lua a palidez etérea,
O velho cão uivava uma canção funérea,
Triste como a tristeza oceânica do mar.
Quando a chuva era grande e o frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos portais;
E mandando-o partir, partia humildemente,
Com a resignação nos olhos virginais.
Era tranquilo e bom como as pombinhas mansas;
Nunca ladrou dum pobre à capa esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas crianças,
As crianças então corriam-no a pedrada.
Uma vez casualmente, um mísero pintor
Um boémio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão;
O artista era uma alma heróica e desgraçada,
Vivendo numa escura e pobre água furtada,
Onde sobrava o gênio e onde faltava o pão.
Era desses que têm o rubro amor da glória,
O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto do hospital.
E ao ver por sobre o lodo o magro cão plebeu,
Disse-lhe: - "O teu destino é quase igual ao meu:
Eu sou como tu és, um proletário roto,
Sem família, sem mãe, sem casa, sem abrigo;
E quem sabe se em ti, ó velho cão de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro amigo!..."
No céu azul brilhava a lua etérea e calma;
E do rafeiro vil no misterioso olhar
Via-se o desespero e ânsia de uma alma,
Que está encarcerada, e sem poder falar.
O artista soube ler naquele olhar em brasa
A eloquente mudez dum grande coração;
E disse-lhe: - "Fiel, partamos para casa:
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão.-"
E viveram depois assim por longos anos,
Companheiros leais, heróicos puritanos,
Dividindo igualmente as privações e as dores.
Quando o artista infeliz, exausto e miserável,
Sentia esmorecer o génio inquebrantável
Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudia às vezes a lembrança
Partir com uma bala a derradeira esperança,
Pôr um ponto final no seu destino atroz;
Nesse instante do cão os olhos bons, serenos,
Murmuravam-lhe: - Eu sofro, e a gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém por nós.
Mas um dia a Fortuna, a deusa milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse alegremente :
"Um génio como tu, vivendo como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre corrente!
Eu devia fazer-te há muito esta surpresa,
Eu devia ter vindo aqui pra te buscar;
Mas moravas tão alto! E digo-o com franqueza
Custava-me subir até ao sexto andar.
Acompanha-me; a glória há de ajoelhar-te aos pés!..."
E foi; e ao outro dia as bocas das Frinés
Abriram para ele um riso encantador;
A glória deslumbrante iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida, nascida
A toques de clarim e a rufos de tambor!
Era feliz. O cão
Dormia na alcatifa à borda do seu leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe a mão,
Ganindo com um ar alegre e satisfeito.
Mas ai! O dono ingrato, o ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos, em delícias,
Já pouco tolerava as festivas carícias
Do seu leal rafeiro.
Passou-se mais um tempo; o cão, o desgraçado,
Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e castigado
Pela simples razão de acompanhar seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do salão.
Meteram-no depois num frio quarto escuro,
E davam-lhe a jantar um osso branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes doutro cão.
E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés:
Se se punha a ganir, chorando o seu destino,
Os criados brutais davam-lhe pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
Das moscas das gangrenas.
Até que um dia, enfim, sentindo-se morrer,
Disse "Não morrerei ainda sem o ver;
A seus pés quero dar meu último gemido..."
Meteu-se-lhe no quarto, assim como um bandido.
E o artista ao entrar viu o rafeiro imundo,
E bradou com violência:
"Ainda por aqui o sórdido animal !
É preciso acabar com tanta impertinência,
Que esta besta está podre, e vai cheirando mal!"
E, pousando-lhe a mão cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom amigo:
"Ó meu pobre Fiel, tão velho e tão doente,
Ainda que te custe anda daí comigo."
E partiram os dois. Tudo estava deserto.
A noite era sombria; o cais ficava perto;
E o velho condenado, o pobre lazarento,
Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um pressentimento
O fundo soluçar monótono das águas.
Compreendeu enfim! Tinha chegado à beira
Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lha na coleira,
Friamente cantando uma canção de amor.
E o rafeiro sublime, impassível, sereno,
Lançava o grande olhar às negras trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de Judas.
Dizia para si : "É o mesmo, pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua porta:
Morrerei, se lhe dou com isso algum prazer."
Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.
E ao recolher a casa ele exclamava irado:
"E por causa do cão perdi o meu tesouro!
Andava bem melhor se o tinha envenenado!
Maldito seja o cão! Dava montanhas de oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objecto,
Doce recordação daquele amor tão puro."
E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta! Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,
Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
O gorro do pintor!
Guerra Junqueiro, in «A Musa em Férias» (1879)
Na luz do seu olhar tão lânguido, tão doce,
Havia o que quer que fosse
Dum íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre cão vadio
Que não tinha coleira e não pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado ao frio,
Percorria de noite os bairros da miséria
À busca dum jantar.
E ao ver surgir da lua a palidez etérea,
O velho cão uivava uma canção funérea,
Triste como a tristeza oceânica do mar.
Quando a chuva era grande e o frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos portais;
E mandando-o partir, partia humildemente,
Com a resignação nos olhos virginais.
Era tranquilo e bom como as pombinhas mansas;
Nunca ladrou dum pobre à capa esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas crianças,
As crianças então corriam-no a pedrada.
Uma vez casualmente, um mísero pintor
Um boémio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão;
O artista era uma alma heróica e desgraçada,
Vivendo numa escura e pobre água furtada,
Onde sobrava o gênio e onde faltava o pão.
Era desses que têm o rubro amor da glória,
O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto do hospital.
E ao ver por sobre o lodo o magro cão plebeu,
Disse-lhe: - "O teu destino é quase igual ao meu:
Eu sou como tu és, um proletário roto,
Sem família, sem mãe, sem casa, sem abrigo;
E quem sabe se em ti, ó velho cão de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro amigo!..."
No céu azul brilhava a lua etérea e calma;
E do rafeiro vil no misterioso olhar
Via-se o desespero e ânsia de uma alma,
Que está encarcerada, e sem poder falar.
O artista soube ler naquele olhar em brasa
A eloquente mudez dum grande coração;
E disse-lhe: - "Fiel, partamos para casa:
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão.-"
E viveram depois assim por longos anos,
Companheiros leais, heróicos puritanos,
Dividindo igualmente as privações e as dores.
Quando o artista infeliz, exausto e miserável,
Sentia esmorecer o génio inquebrantável
Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudia às vezes a lembrança
Partir com uma bala a derradeira esperança,
Pôr um ponto final no seu destino atroz;
Nesse instante do cão os olhos bons, serenos,
Murmuravam-lhe: - Eu sofro, e a gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém por nós.
Mas um dia a Fortuna, a deusa milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse alegremente :
"Um génio como tu, vivendo como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre corrente!
Eu devia fazer-te há muito esta surpresa,
Eu devia ter vindo aqui pra te buscar;
Mas moravas tão alto! E digo-o com franqueza
Custava-me subir até ao sexto andar.
Acompanha-me; a glória há de ajoelhar-te aos pés!..."
E foi; e ao outro dia as bocas das Frinés
Abriram para ele um riso encantador;
A glória deslumbrante iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida, nascida
A toques de clarim e a rufos de tambor!
Era feliz. O cão
Dormia na alcatifa à borda do seu leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe a mão,
Ganindo com um ar alegre e satisfeito.
Mas ai! O dono ingrato, o ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos, em delícias,
Já pouco tolerava as festivas carícias
Do seu leal rafeiro.
Passou-se mais um tempo; o cão, o desgraçado,
Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e castigado
Pela simples razão de acompanhar seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do salão.
Meteram-no depois num frio quarto escuro,
E davam-lhe a jantar um osso branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes doutro cão.
E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés:
Se se punha a ganir, chorando o seu destino,
Os criados brutais davam-lhe pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
Das moscas das gangrenas.
Até que um dia, enfim, sentindo-se morrer,
Disse "Não morrerei ainda sem o ver;
A seus pés quero dar meu último gemido..."
Meteu-se-lhe no quarto, assim como um bandido.
E o artista ao entrar viu o rafeiro imundo,
E bradou com violência:
"Ainda por aqui o sórdido animal !
É preciso acabar com tanta impertinência,
Que esta besta está podre, e vai cheirando mal!"
E, pousando-lhe a mão cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom amigo:
"Ó meu pobre Fiel, tão velho e tão doente,
Ainda que te custe anda daí comigo."
E partiram os dois. Tudo estava deserto.
A noite era sombria; o cais ficava perto;
E o velho condenado, o pobre lazarento,
Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um pressentimento
O fundo soluçar monótono das águas.
Compreendeu enfim! Tinha chegado à beira
Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lha na coleira,
Friamente cantando uma canção de amor.
E o rafeiro sublime, impassível, sereno,
Lançava o grande olhar às negras trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de Judas.
Dizia para si : "É o mesmo, pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua porta:
Morrerei, se lhe dou com isso algum prazer."
Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.
E ao recolher a casa ele exclamava irado:
"E por causa do cão perdi o meu tesouro!
Andava bem melhor se o tinha envenenado!
Maldito seja o cão! Dava montanhas de oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objecto,
Doce recordação daquele amor tão puro."
E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta! Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,
Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
O gorro do pintor!
Guerra Junqueiro, in «A Musa em Férias» (1879)
«Ninguém cometeu maior erro do que aquele que nada fez, só porque podia fazer muito pouco.» Edmund Burke
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- Localização: Orfeu - Pastor alemão *
Hilly - Bull Terrier *
Lucas - Europeu comum
O anel que me deste
não o dei nem o vendi
atirei-o da ponte abaixo
atirava-te também a ti!!

não o dei nem o vendi
atirei-o da ponte abaixo
atirava-te também a ti!!


"Uso os animais para instruir os homens" Jean de La Fontaine
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- Registado: terça fev 24, 2009 8:50 pm
- Localização: Orfeu - Pastor alemão *
Hilly - Bull Terrier *
Lucas - Europeu comum
Eu tenho uma veia poética como se pode constatarenolamai Escreveu:Tassebem.... isto de escrever coisas emocionantes tem de acabarque eu assim não ganho para lenços de papel! muito lindo o poema do Fiel.
Marcia.... bela quadra!!! nada ameaçadora![]()
![]()
![]()

Á entrada da tua porta
plantei um raminho de hortelã
o que achas desta quadra
Ããããhhhhhhhhh??????
"Uso os animais para instruir os homens" Jean de La Fontaine
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Retrato de Guerra Junqueiro
As palavras são cascos. A pátria é uma égua
quem na sabe montar leva à arreata
este país de espera este luar de prata
esta secreta mula que desata
mondegos de erva e arraiais de nata.
És a guerra dos versos. O rafeiro
o estrumado poeta és o primeiro
filho da pata que se pôs em todos.
Tens de juncar de cardos o canteiro
parir os simples primeiros
e depois torná-los godos.
Assim malandro. Assim maldito. Assim canção
levantas o poema até ao gume
e cortas a cabeça da nação
enquanto a pões ao lume.
Neste lugar se morre a fogo lento.
Neste poema as rimas se entreodeiam.
É preciso cobrir o desalento;
Ah macho das palavras que escouceiam!
Ary dos Santos
As palavras são cascos. A pátria é uma égua
quem na sabe montar leva à arreata
este país de espera este luar de prata
esta secreta mula que desata
mondegos de erva e arraiais de nata.
És a guerra dos versos. O rafeiro
o estrumado poeta és o primeiro
filho da pata que se pôs em todos.
Tens de juncar de cardos o canteiro
parir os simples primeiros
e depois torná-los godos.
Assim malandro. Assim maldito. Assim canção
levantas o poema até ao gume
e cortas a cabeça da nação
enquanto a pões ao lume.
Neste lugar se morre a fogo lento.
Neste poema as rimas se entreodeiam.
É preciso cobrir o desalento;
Ah macho das palavras que escouceiam!
Ary dos Santos
«Ninguém cometeu maior erro do que aquele que nada fez, só porque podia fazer muito pouco.» Edmund Burke
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- Registado: quarta jun 16, 2010 5:30 pm
- Localização: Yuri (cão srd) e Petra (schnauzer miniatura)
Rafaelmelo Escreveu:Aqui vai um prosa linda para todos vos.
Perdi uma caneta lá para os lados da várzea.
Se lá fores e a vires trázia



<p> Sou responsável pelo que digo, não pelo que os outros entendem - By Ziggyma</p>
<p>Quer lutar comigo pela Net? Força... ESCREVA TUDO EM MAIÚSCULAS ATÉ QUE ME CONSIGA MATAR!!!</p>
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<p>Quer lutar comigo pela Net? Força... ESCREVA TUDO EM MAIÚSCULAS ATÉ QUE ME CONSIGA MATAR!!!</p>
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