Como Sobreviver à Crise
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Isto, o melhor, é perguntar a quem passou por elas. O Brasil, por exemplo. Temos de pôr os olhos nele! Desde há uma década que este pequeno país, o "pai", tem vindo a assemelhar-se ao seu gigante "filho". Vieram os dentistas, os jogadores "da bola", os analistas informáticos, as prostitutas, a Crise e agora até o sol!
E o que nos resta? Festa! Pobretes mas alegretes.
"(...) "Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo ( além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora... (...) Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa,
Mas meu peito se desabotoa.
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa"
(Fado Tropical) http://letras.terra.com.br/chico-buarque/71165/
E o que nos resta? Festa! Pobretes mas alegretes.
"(...) "Sabe, no fundo eu sou um sentimental. Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo ( além da sífilis, é claro). Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora... (...) Quando me encontro no calor da luta
Ostento a aguda empunhadora à proa,
Mas meu peito se desabotoa.
E se a sentença se anuncia bruta
Mais que depressa a mão cega executa,
Pois que senão o coração perdoa"
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Acredito na Paciência, na Persistência, no Pai Natal e no Poder do Fiambre!
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Charlie2 Escreveu:vocês ainda me hão-de dizer onde é que eu disse que antes do 25 de Abril se vivia melhor que agora....![]()
o 25 de Abril abanou mentalidades, eu não vivi antes mas viveram os meus pais e os meus avós. Eu tenho uma ideia do que eles passaram, pode não ser a vossa, mas a minha geração também tem problemas e não vamos entrar num despique absurdo de quem sofreu mais.
O problema não foi o 25 de Abril porque as coisas precisavam mesmo de mudar, foi o que descambou daí... até hoje. Espero ter-me feito entender.



Eu acho sempre imensa graça aos ditos e argumentações da Charlie2.
Talvez seja melhor ir certificar-se do significado do verbo «descambar».

«Ninguém cometeu maior erro do que aquele que nada fez, só porque podia fazer muito pouco.» Edmund Burke
Pode ter abanado algumas (muitissimo poucas) mentalidades. Agora se as mudou, tenho as minhas dúvidas. A grande maioria dos portugueses continua a desresponsabilizar-se da tomada de decisões, continua a furar as regras para seu próprio proveito, continua a cultura do desenrascanço e da falta de planeamento a médio e longo prazo...Charlie2 Escreveu:(...) o 25 de Abril abanou mentalidades, eu não vivi antes mas viveram os meus pais e os meus avós. Eu tenho uma ideia do que eles passaram, pode não ser a vossa, mas a minha geração também tem problemas e não vamos entrar num despique absurdo de quem sofreu mais.
O problema não foi o 25 de Abril porque as coisas precisavam mesmo de mudar, foi o que descambou daí... até hoje. Espero ter-me feito entender.
Estão-se marimbando para o bem do país, mas quando lhes cheira que há alguma coisa de graça aí estão todos batidos... mas quando toca a pagar ou então quando se lhes pede que façam algo mais que o seu mísero trabalho então é um ver quem foje mais depressa...
E então as frases que se ouve com mais frequência:
Os outros que decidam, os outros que façam, para que é que me hei-de chatear? Que remédio, tem que ser, eles é que sabem.... etc, etc ....
Somos um povo de coitadinhos e de improvisações, deixamos que os outros decidam por nós, só pensamos nos nossos direitos e os deveres de cidadania, responsabilidade ficaram para trás, e é por isso que Portugal não passa da cepa torta.
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não lhe tiro a razão. Mas será que somos "desenrascados" porque sempre tivemos maus governantes, ou temos sempre maus governantes por causa do desenrascanço?
é que nem sequer temos a oportunidade de tentar chegar aos píncaros, já nos satisfazemos se conseguimos sair dos buracos... 
E somos uns optimistas sem emenda! Cá esperamos por D. Sebastião. Sentados, pois claro. Ele volta. Volta sempre.


E somos uns optimistas sem emenda! Cá esperamos por D. Sebastião. Sentados, pois claro. Ele volta. Volta sempre.
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somos um país de desenrascados porque nunca se fazem planos a longo prazo. Até os governantes não são capazes de seguir um planeamento sem fazerem logo alterações mesmo se esse plano seja bom e tenha dado provas de que resulta. E o resultado dessa emenda torna-se pior que o soneto.
Se não vejamos as medidas que vão sendo tomadas pelos sucessivos governos, não são elas todas tomadas a conta gotas, vindas ao sabor dos problemas, sem haver uma intervenção de fundo que erradique o problema de vez.
Se não o que é os cortes que têm havido nos vencimentos dos trabalhadores e a subida das taxas e dos impostos senão uma improvisação para tentar tapar um buraco, mas que a longo prazo não resolve o problema.
Correndo a tentação de cair na repetição, o problema do país não será estrutural? E no meio disto tudo não há ninguém que dê um brutal murro da mesa, que tome o touro pelos cornos e mude o sistema todo (que se encontra podre e corrupto) doa a quem doer?
Se não vejamos as medidas que vão sendo tomadas pelos sucessivos governos, não são elas todas tomadas a conta gotas, vindas ao sabor dos problemas, sem haver uma intervenção de fundo que erradique o problema de vez.
Se não o que é os cortes que têm havido nos vencimentos dos trabalhadores e a subida das taxas e dos impostos senão uma improvisação para tentar tapar um buraco, mas que a longo prazo não resolve o problema.
Correndo a tentação de cair na repetição, o problema do país não será estrutural? E no meio disto tudo não há ninguém que dê um brutal murro da mesa, que tome o touro pelos cornos e mude o sistema todo (que se encontra podre e corrupto) doa a quem doer?
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"(...) E Reinaldo, pisando com um pé nervoso o esparto do corredor:- O transtorno nacional! Descarrilou tudo! Estamos aqui por milagre! Abjeto país!... - E desabafava a sua cólera com o criado: tê-la-ia desabafado com as pedras da rua, tanto era oexcesso da bílis: - Há um ano que a minha oração é esta: "Meu Deus, manda-lhe outra vez oterramoto!" Pois todos os dias leio os telegramas a ver se o terramoto chegou... e nada! Algum ministro que cai, ou algum barão que surge. E de terramoto nada! (...)
Eça de Queirós, O Primo Basílio
Eça de Queirós, O Primo Basílio
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haja quem entendaambv Escreveu:Pode ter abanado algumas (muitissimo poucas) mentalidades. Agora se as mudou, tenho as minhas dúvidas. A grande maioria dos portugueses continua a desresponsabilizar-se da tomada de decisões, continua a furar as regras para seu próprio proveito, continua a cultura do desenrascanço e da falta de planeamento a médio e longo prazo...Charlie2 Escreveu:(...) o 25 de Abril abanou mentalidades, eu não vivi antes mas viveram os meus pais e os meus avós. Eu tenho uma ideia do que eles passaram, pode não ser a vossa, mas a minha geração também tem problemas e não vamos entrar num despique absurdo de quem sofreu mais.
O problema não foi o 25 de Abril porque as coisas precisavam mesmo de mudar, foi o que descambou daí... até hoje. Espero ter-me feito entender.
Estão-se marimbando para o bem do país, mas quando lhes cheira que há alguma coisa de graça aí estão todos batidos... mas quando toca a pagar ou então quando se lhes pede que façam algo mais que o seu mísero trabalho então é um ver quem foje mais depressa...
E então as frases que se ouve com mais frequência:
Os outros que decidam, os outros que façam, para que é que me hei-de chatear? Que remédio, tem que ser, eles é que sabem.... etc, etc ....
Somos um povo de coitadinhos e de improvisações, deixamos que os outros decidam por nós, só pensamos nos nossos direitos e os deveres de cidadania, responsabilidade ficaram para trás, e é por isso que Portugal não passa da cepa torta.

«None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe they are free»
já as suas passam-me ao lado.Tassebem Escreveu:Charlie2 Escreveu:vocês ainda me hão-de dizer onde é que eu disse que antes do 25 de Abril se vivia melhor que agora....![]()
o 25 de Abril abanou mentalidades, eu não vivi antes mas viveram os meus pais e os meus avós. Eu tenho uma ideia do que eles passaram, pode não ser a vossa, mas a minha geração também tem problemas e não vamos entrar num despique absurdo de quem sofreu mais.
O problema não foi o 25 de Abril porque as coisas precisavam mesmo de mudar, foi o que descambou daí... até hoje. Espero ter-me feito entender.![]()
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Eu acho sempre imensa graça aos ditos e argumentações da Charlie2.
Talvez seja melhor ir certificar-se do significado do verbo «descambar».
«None are more hopelessly enslaved than those who falsely believe they are free»
brilhante, como sempre.Chamarrita Escreveu:"(...) E Reinaldo, pisando com um pé nervoso o esparto do corredor:- O transtorno nacional! Descarrilou tudo! Estamos aqui por milagre! Abjeto país!... - E desabafava a sua cólera com o criado: tê-la-ia desabafado com as pedras da rua, tanto era oexcesso da bílis: - Há um ano que a minha oração é esta: "Meu Deus, manda-lhe outra vez oterramoto!" Pois todos os dias leio os telegramas a ver se o terramoto chegou... e nada! Algum ministro que cai, ou algum barão que surge. E de terramoto nada! (...)
Eça de Queirós, O Primo Basílio
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É a língua... o problema é a língua portuguesa. O (des)Acordo Ortográfico é só um reflexo: o que não se lê não se ouve, olhos que não vêem, coração que não sente. Não há um país em que se fale o Português que não tenha graves problemas de gestão. Seja PALOP, PALOP ou PALOP (sendo o A, respe(c)tivamente, de Africano, Americano e Asiático). E, para além da língua, há também o fa(c)to da o(m)nipresença lusitana: estivemos e estamos em todo o lado. Isso tem de afe(c)tar o planeta, por muito que nos custe admitir... 

Acredito na Paciência, na Persistência, no Pai Natal e no Poder do Fiambre!
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O problema não pode ser da língua portuguesa, a menos que enveredássemos por caminhos como o «génio» de um povo, e de que forma génio e língua se influenciam mutuamente ou são o reflexo um do outro.
Não pode ser mesmo. Pois, já que citaram o Eça, foi com ela que ele pensou e escreveu linhas como estas, no caso do primeiro capítulo d'«A Ilustre Casa de Ramires», um livro que, felizmente, descobri já tarde, mas cuja (re)leitura aconselho vivamente, por tudo e mais alguma coisa -- sendo o mais alguma coisa o divertido (rimos para não chorar) que é e porque já lá está tudo há este tempo todo. A parte do «não chorar» é porque, aparentemente, não aprendemos nadinha desde então.
«Gonçalo Mendes Ramires (como confessava esse severo genealogista, o morgado de Cidadelhe), era certamente o mais genuíno e antigo fidalgo de Portugal. Raras famílias, mesmo coevas, poderiam traçar a sua ascendência, por linha varonil e sempre pura, até aos vagos Senhores que entre Douro e Minho mantinham castelo e terra murada, quando os barões francos desceram, com pendão e caldeira, na hoste do Borguinhão. E os Ramires entroncavam limpidamente a sua casa, por linha pura e sempre varonil, no filho do Conde Nuno Mendes, aquele agigantado Ordonho Mendes, senhor de Treixedo e de Santa Ireneia, que casou em 967 com Dona Elduara, Condessa de Carrion, filha de Bermudo o Gotoso, Rei de Leão. Mais antigo na Espanha que o Condado Portucalense, rijamente, como ele, crescera e se afamara o Solar de Santa Ireneia, resistente como ele às fortunas e aos tempos. E depois, em cada lance forte da História de Portugal, sempre um Mendes Ramires avultou grandiosamente pelo heroísmo, pela lealdade, pelos nobres espíritos.
Um dos mais esforçados da linhagem, Lourenço, por alcunha o Cortador, colaço de Afonso Henriques (com quem na mesma noite, para receber a pranchada de cavaleiro, velara as armas na Sé de Zamora), aparece logo na batalha de Ourique, onde também avista Jesus Cristo sobre finas nuvens de ouro, pregado numa cruz de dez côvados. No cerco de Tavira, Martim Ramires, freire de Santiago, arromba a golpes de acha um postigo da Couraça, rompe por entre as cimitarras que lhe decepam as duas mãos, e surde na quadrela da torre albarrã, com os dois pulsos a esguichar sangue, bradando alegremente ao Mestre: -- «D. Paio Peres, Tavira é nossa! Real, Real por Portugal!» O velho Egas Ramires, fechado na sua Torre, com a levadiça erguida, as barbacãs eriçadas de frecheiros, nega acolhida a El -Rei D. Fernando e Leonor Teles que corriam o Norte em folgares e caçadas -- para que a presença da adúltera não macule a pureza estreme do seu solar! Em Aljubarrota, Diogo Ramires o Trovador desbarata um troço de besteiros, mata o adiantado-mor de Galiza, e por ele, não por outro, cai derribado o pendão real de Castela, em que ao fim da lide seu irmão de armas, D. Antão de Almada, se embrulhou para o levar, dançando e cantando, ao Mestre de Avis. Sob os muros de Arzila combatem magnificamente dois Ramires, o idoso Soeiro e seu neto Fernão, e diante do cadáver do velho, trespassado por quatro virotes, estirado no pátio da Alcáçova ao lado do corpo do Conde de Marialva -- Afonso V arma juntamente cavaleiros o Príncipe seu filho e Fernão Ramires, murmurando entre lágrimas: «Deus vos queira tão bons como esses que aí jazem!...» Mas eis que Portugal se faz aos mares! E raras são então as armadas e os combates do Oriente em que se não esforce um Ramires -- ficando na lenda trágico-marítima aquele nobre capitão do Golfo Pérsico, Baltasar Ramires, que, no naufrágio da Santa Bárbara, reveste a sua pesada armadura, e no castelo de proa, hirto, se afunda em silêncio com a nau que se afunda, encostado à sua grande espada. Em Alcácer Quibir, onde dois Ramires sempre ao lado de El-Rei encontram morte soberba, o mais novo, Paulo Ramires, pajem do Guião, nem leso nem ferido, mas não querendo mais vida pois que El-Rei não vivia, colhe um ginete solto, apanha uma acha-de-armas, e gritando: -- «Vai -te, alma, que já tardas, servir a de teu senhor!» entra na chusma mourisca e para sempre desaparece. Sob os Filipes, os Ramires, amuados, bebem e caçam nas suas terras. Reaparecendo com os Braganças, um Ramires, Vicente, Governador das Armas de Entre Douro e Minho por D. João IV, mete a Castela, destroça os Espanhóis do Conde de Venavente, e toma Fuente Guinal, a cujo furioso saque preside da varanda dum Convento de Franciscanos, em mangas de camisa, comendo talhadas de melancia. Já, porém, como a nação, degenera a nobre raça... Álvaro Ramires, valido de D. Pedro II, brigão façanhudo, atordoa Lisboa com arruaças, furta a mulher dum vedor da Fazenda que mandara matar a pauladas por pretos, incendeia em Sevilha, depois de perder cem dobrões, uma casa de tavolagem, e termina por comandar uma urca de piratas na frota de Murad o Maltrapilho. No reinado do Sr. D. João V, Nuno Ramires brilha na Corte, ferra as suas mulas de prata, e arruína a casa celebrando sumptuosas festas de Igreja, em que canta no coro vestido com o hábito de Irmão Terceiro de S. Francisco. Outro Ramires, Cristóvão, Presidente da Mesa de Consciência e Ordem, alcovita os amores de El-Rei D. José I com a filha do prior de Sacavém. Pedro Ramires, provedor e feitor-mor das Alfândegas, ganha fama em todo o Reino pela sua obesidade, a sua chalaça, as suas proezas de glutão no Paço da Bemposta com o arcebispo de Tessalónica. Inácio Ramires acompanha D. João VI ao Brasil como reposteiro-mor, negoceia em negros, volta com um baú carregado de peças de ouro que lhe rouba um administrador, antigo frade capuchinho, e morre no seu solar da cornada de um boi. O avô de Gonçalo, Damião, doutor liberal dado às Musas, desembarca com D. Pedro no Mindelo, compõe as empoladas proclamações do Partido, funda um jornal, o Antifrade, e depois das Guerras Civis arrasta uma existência reumática em Santa Ireneia, embrulhado no seu capotão de briche, traduzindo para vernáculo, com um léxico e um pacote de simonte, as obras de Valerius Flaccus. O pai de Gonçalo, ora Regenerador, ora Histórico, vivia em Lisboa no Hotel Universal, gastando as solas pelas escadarias do Banco Hipotecário e pelo lajedo da Arcada, até que um Ministro do Reino, cuja concubina, corista de S. Carlos, ele fascinara, o nomeou (para o afastar da Capital), Governador Civil de Oliveira. Gonçalo, esse, era bacharel formado com um R no terceiro ano.»
Até fico com vontade de publicar este livro aqui em fascículos, tal como o foi originalmente. É magnífico.
Não pode ser mesmo. Pois, já que citaram o Eça, foi com ela que ele pensou e escreveu linhas como estas, no caso do primeiro capítulo d'«A Ilustre Casa de Ramires», um livro que, felizmente, descobri já tarde, mas cuja (re)leitura aconselho vivamente, por tudo e mais alguma coisa -- sendo o mais alguma coisa o divertido (rimos para não chorar) que é e porque já lá está tudo há este tempo todo. A parte do «não chorar» é porque, aparentemente, não aprendemos nadinha desde então.
«Gonçalo Mendes Ramires (como confessava esse severo genealogista, o morgado de Cidadelhe), era certamente o mais genuíno e antigo fidalgo de Portugal. Raras famílias, mesmo coevas, poderiam traçar a sua ascendência, por linha varonil e sempre pura, até aos vagos Senhores que entre Douro e Minho mantinham castelo e terra murada, quando os barões francos desceram, com pendão e caldeira, na hoste do Borguinhão. E os Ramires entroncavam limpidamente a sua casa, por linha pura e sempre varonil, no filho do Conde Nuno Mendes, aquele agigantado Ordonho Mendes, senhor de Treixedo e de Santa Ireneia, que casou em 967 com Dona Elduara, Condessa de Carrion, filha de Bermudo o Gotoso, Rei de Leão. Mais antigo na Espanha que o Condado Portucalense, rijamente, como ele, crescera e se afamara o Solar de Santa Ireneia, resistente como ele às fortunas e aos tempos. E depois, em cada lance forte da História de Portugal, sempre um Mendes Ramires avultou grandiosamente pelo heroísmo, pela lealdade, pelos nobres espíritos.
Um dos mais esforçados da linhagem, Lourenço, por alcunha o Cortador, colaço de Afonso Henriques (com quem na mesma noite, para receber a pranchada de cavaleiro, velara as armas na Sé de Zamora), aparece logo na batalha de Ourique, onde também avista Jesus Cristo sobre finas nuvens de ouro, pregado numa cruz de dez côvados. No cerco de Tavira, Martim Ramires, freire de Santiago, arromba a golpes de acha um postigo da Couraça, rompe por entre as cimitarras que lhe decepam as duas mãos, e surde na quadrela da torre albarrã, com os dois pulsos a esguichar sangue, bradando alegremente ao Mestre: -- «D. Paio Peres, Tavira é nossa! Real, Real por Portugal!» O velho Egas Ramires, fechado na sua Torre, com a levadiça erguida, as barbacãs eriçadas de frecheiros, nega acolhida a El -Rei D. Fernando e Leonor Teles que corriam o Norte em folgares e caçadas -- para que a presença da adúltera não macule a pureza estreme do seu solar! Em Aljubarrota, Diogo Ramires o Trovador desbarata um troço de besteiros, mata o adiantado-mor de Galiza, e por ele, não por outro, cai derribado o pendão real de Castela, em que ao fim da lide seu irmão de armas, D. Antão de Almada, se embrulhou para o levar, dançando e cantando, ao Mestre de Avis. Sob os muros de Arzila combatem magnificamente dois Ramires, o idoso Soeiro e seu neto Fernão, e diante do cadáver do velho, trespassado por quatro virotes, estirado no pátio da Alcáçova ao lado do corpo do Conde de Marialva -- Afonso V arma juntamente cavaleiros o Príncipe seu filho e Fernão Ramires, murmurando entre lágrimas: «Deus vos queira tão bons como esses que aí jazem!...» Mas eis que Portugal se faz aos mares! E raras são então as armadas e os combates do Oriente em que se não esforce um Ramires -- ficando na lenda trágico-marítima aquele nobre capitão do Golfo Pérsico, Baltasar Ramires, que, no naufrágio da Santa Bárbara, reveste a sua pesada armadura, e no castelo de proa, hirto, se afunda em silêncio com a nau que se afunda, encostado à sua grande espada. Em Alcácer Quibir, onde dois Ramires sempre ao lado de El-Rei encontram morte soberba, o mais novo, Paulo Ramires, pajem do Guião, nem leso nem ferido, mas não querendo mais vida pois que El-Rei não vivia, colhe um ginete solto, apanha uma acha-de-armas, e gritando: -- «Vai -te, alma, que já tardas, servir a de teu senhor!» entra na chusma mourisca e para sempre desaparece. Sob os Filipes, os Ramires, amuados, bebem e caçam nas suas terras. Reaparecendo com os Braganças, um Ramires, Vicente, Governador das Armas de Entre Douro e Minho por D. João IV, mete a Castela, destroça os Espanhóis do Conde de Venavente, e toma Fuente Guinal, a cujo furioso saque preside da varanda dum Convento de Franciscanos, em mangas de camisa, comendo talhadas de melancia. Já, porém, como a nação, degenera a nobre raça... Álvaro Ramires, valido de D. Pedro II, brigão façanhudo, atordoa Lisboa com arruaças, furta a mulher dum vedor da Fazenda que mandara matar a pauladas por pretos, incendeia em Sevilha, depois de perder cem dobrões, uma casa de tavolagem, e termina por comandar uma urca de piratas na frota de Murad o Maltrapilho. No reinado do Sr. D. João V, Nuno Ramires brilha na Corte, ferra as suas mulas de prata, e arruína a casa celebrando sumptuosas festas de Igreja, em que canta no coro vestido com o hábito de Irmão Terceiro de S. Francisco. Outro Ramires, Cristóvão, Presidente da Mesa de Consciência e Ordem, alcovita os amores de El-Rei D. José I com a filha do prior de Sacavém. Pedro Ramires, provedor e feitor-mor das Alfândegas, ganha fama em todo o Reino pela sua obesidade, a sua chalaça, as suas proezas de glutão no Paço da Bemposta com o arcebispo de Tessalónica. Inácio Ramires acompanha D. João VI ao Brasil como reposteiro-mor, negoceia em negros, volta com um baú carregado de peças de ouro que lhe rouba um administrador, antigo frade capuchinho, e morre no seu solar da cornada de um boi. O avô de Gonçalo, Damião, doutor liberal dado às Musas, desembarca com D. Pedro no Mindelo, compõe as empoladas proclamações do Partido, funda um jornal, o Antifrade, e depois das Guerras Civis arrasta uma existência reumática em Santa Ireneia, embrulhado no seu capotão de briche, traduzindo para vernáculo, com um léxico e um pacote de simonte, as obras de Valerius Flaccus. O pai de Gonçalo, ora Regenerador, ora Histórico, vivia em Lisboa no Hotel Universal, gastando as solas pelas escadarias do Banco Hipotecário e pelo lajedo da Arcada, até que um Ministro do Reino, cuja concubina, corista de S. Carlos, ele fascinara, o nomeou (para o afastar da Capital), Governador Civil de Oliveira. Gonçalo, esse, era bacharel formado com um R no terceiro ano.»
Até fico com vontade de publicar este livro aqui em fascículos, tal como o foi originalmente. É magnífico.
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Hmmm... está visto, então, que a culpa é dos Ramires!



Acredito na Paciência, na Persistência, no Pai Natal e no Poder do Fiambre!
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"As conquistas de Abril! Eram só paleio a partir do momento que tas começaram a tirar e tu ficaste quietinho, né filho? E tu fizeste como o avestruz, enfiaste a cabeça na areia, não é nada comigo, não é nada comigo, né? E os da frente que se lixem... E é por isso que a tua solução é não ver, é não ouvir, é não querer ver, é não querer entender nada, precisas de paz de consciência, não andas aqui a brincar, né filho? Precisas de ter razão, precisas de atirar as culpas para cima de alguém e atiras as culpas para os da frente, para os do 25 de Abril, para os do 28 de Setembro, para os do 11 de Março, para os do 25 de Novembro, para os do... que dia é hoje, ah?
Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta m*rda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta m*rda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer-se dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular!"

Não há português nenhum que não se sinta culpado de qualquer coisa, não é filho? Todos temos culpas no cartório, foi isso que te ensinaram, não é verdade? Esta m*rda não anda porque a malta, pá, a malta não quer que esta m*rda ande, tenho dito. A culpa é de todos, a culpa não é de ninguém, não é isto verdade? Quer-se dizer, há culpa de todos em geral e não há culpa de ninguém em particular!"

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"piramiza, filho, piramiza!"
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"Consolida, filho, consolida!"
A propósito. Recuso-me a ver praticamente tudo o que é televisão nacional, mas acabou de passar pelo meu facebook um excerto da Casa dos Segredos, em que é pedido a uma concorrente que diga nomes de países da América do Sul. A sua resposta... África. ÁFRICA?????!...
Dá vontade de lhe dar um tiro nos cornos, à criatura e às criaturinhas que dão audiência a este tipo de programa.
Este país não anda para a frente porque tal como nos tempos do Estado Novo, o povo continua sereno... analfabeto, estúpido que nem uma porta, e sereno na consciência da sua estupidez. É feliz assim, estúpido.
"Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti.
(...)
Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti..."
A propósito. Recuso-me a ver praticamente tudo o que é televisão nacional, mas acabou de passar pelo meu facebook um excerto da Casa dos Segredos, em que é pedido a uma concorrente que diga nomes de países da América do Sul. A sua resposta... África. ÁFRICA?????!...
Dá vontade de lhe dar um tiro nos cornos, à criatura e às criaturinhas que dão audiência a este tipo de programa.
Este país não anda para a frente porque tal como nos tempos do Estado Novo, o povo continua sereno... analfabeto, estúpido que nem uma porta, e sereno na consciência da sua estupidez. É feliz assim, estúpido.
"Entretém-te meu anjinho, entretém-te, que eles são inteligentes, eles ajudam, eles emprestam, eles decidem por ti, decidem tudo por ti.
(...)
Quanto menos souberes a quantas andas melhor para ti..."