quinta set 08, 2011 2:17 pm
Pois, riam-se. Riam-se muito.
Não há nada mais hilariante do que a ignorância. Esta ignorância de alguem que tem 9 anos de escolaridade, não do pobre aldeão que nunca foi à escola, porque os pais não deixaram, mas que, mesmo assim, é capaz de compreender a diferença entre um papel e outro papel. Riam-se que este é um país de anedotas. Da Cara Alegre e do Mundo Ri.
Lamento muito não me conseguir rir. Apenas me sinto tão indignada, tão irada, que nem consigo consigo expressar-me. Não choro, porque não sou de chorar nem nas tragédias de fazer levantar e chorar as pedras de calçadas, aquelas pesadas da calçada à portuguesa, de estrelinhas nos céus, portões de arco-iris a franquearem-se como se tivessem automatismos e outras coisas lamechas e sentimentais.
Tinha uma tia que era analfabeta. Não sabia ler, mas era um génio a aritmética e ninguém a enganava em contas. Isto não era nada de estranho. Havia muita gente assim. Sabia soletrar as gordas num jornal, assinava o nome nos documentos necessários com grande esforço e tinha uma sede inesgotável de aprender. Nunca tinha frequentado a escola, porque, como mulher e a mais velha dos irmãos, tinha tido que ficar em casa para tomar conta deles, que eram muito machos, mesmo sendo uma menina pequena. Mais tarde, depois de casada, felizmente com um homem de excepção, como não sabia ler, pedia ao marido e aos sobrinhos (não teve filhos) que lhe lessem livros em voz alta. Do Zola, de Dumas, etc. Lembro-me de lhe ler, por volta dos meus 7 anos, já o marido tinha morrido com os rins destruídos por ter sido gaseado na I Grande Guerra, e ela se vestia de crepes da cabeça aos pés com véu e tudo, que nunca largou durante os trinta anos seguintes, Os Miseráveis, em português antigo com phs nas palavras que agora começam por "f", zês, em vez de ésses, e duas laudas na mesma página para aproveitar ao máximo o papel que, nesses recuados tempos, era um bem precioso. Devo ter ficado com algum trauma após tal proeza (nem devia perceber o que estava a ler, todas aquelas vicissitudes e misérias do Jean Valjean, nem me recordo se consegui levar a tarefa a bom termo), porque só voltei a ler Os Miseráveis, bastante mais tarde, em fascículos de banda desenhada, para atenuar o choque. Com bonecos era mais fácil. Tenho cá o livro, mas nem me atrevo.
Era uma mulher com ânsia de aprender, e é aí que quero chegar.
Não sabia, mas queria saber. Agora, não sabem nem querem saber.
Sentem-se supinamente felizes por não distinguir os "papeis". E um dia destes, mas. felizmente, já cá não estarei, talvez sejam os Primeiros Ministros de Portugal. Se os que temos agora são o que são, nem quero imaginar o que serão os próximos, que não sabem destrinçar um papel de outro.
<p>Au début, Dieu créa l'homme. Mais en le voyant si faible, il lui fit don du chien. (Toussenel)</p>