As maravilhas da cozinha soviética :)
Enviado: domingo ago 26, 2012 7:08 pm
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CRUZES
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Muito bem Floripes3Floripes3 Escreveu:O que o opinoso, ingrato e má língua do Milhazes devia contar é que lá na satalovaia da Faculdade em que tirou o seu cursozeco de História aparecia caviar, imagine-se! Eu detesto caviar, embora goste de ovas de peixe, mas os estudantinhos que se penduravam na minha casa de Moscovo regalavam-se.
O peixe era mau? Não sei como, quando o comprava e cozinhava ficava com a casa a cheirar a mar. De facto, as diebuskas que nos atendiam nas lojas não tinham qualquer técnica a separar os blocos de peixe congelado, chegavam ali com a machadinha e vai disto, cortavam a direito e saía o que saía. Apareciam com frequência lulas, sim, e outros peixes que desconhecemos de todo por cá. Mas as maiores sardinhas que alguma vez comprei, foi lá. E que boas eram! Pescadas por barcos soviéticos no Mar do Norte.
Os pacotes triangulares do leite furavam os sacos e arranhavam-nas as pernas? Que drama alimentar, de facto! Estava-se no princípio das embalagens Tetrapack, cá também eram assim dois ou três anos antes. Os produtos lácteos eram em grande número e de grande qualidade, como foi falado entre mim e a Teffie, no primeiro tópico do kefir.
Nunca encontrou bananas à venda? Eu encontrei, algumas vezes, vindas de Cuba. Os pilménhis eram maus e tinham de ser separados à martelada? Pudera, estavam congelados e colados pelo gelo. Bastava metê-los em água a ferver que eles logo descolavam.
Nas lojas do Estado não havia hortaliças nem legumes frescos durante o Inverno, de facto. Mas se fosse ao Rinok, o mercado em que os camponeses vendiam os produtos das suas hortas privadas, de certeza que arranjaria alguma coisa. Também encontraria carne, aves e fruta. E peixe de rio.
Os frangos tinham realmente mau aspecto, pois não lhes retiravam as patas e a cabeça e muitas vezes até vinham com as tripas. E todos se precipitavam a comprar os frangos importados da Bélgica, de França e da Alemanha. Os piores eram os da Bélgica, autênticos pedaços de algo artificial, sem sabor e mole em formato de frango. Mas a partir do dia em que comprei um frango "soviético" numa barraquinha junto ao metro, nunca mais quis outros. Frangos a sério, senhores, tenros, saborosos, mais saborosos do que os melhores frangos do campo dos nossos belos e bem abastecidos supermercados maravilhosamente capitalistas.
Claro que aquele país tinha sérios problemas de abastecimento, um sistema que propiciava a corrupção. Claro que que as cidades estavam classificadas como de primeira e não de primeira, sistema baseado e originado pelas mazelas da guerra que depois se perpetuou por desmazelo e deixa-andar. Moscovo, e outras grandes cidades em que se concentravam as indústrias mais importantes, era uma cidade com primazia neste aspecto. Beneficiada, em suma. Mas trata-se de uma cidade no meio de um país, sem mar, e que está sete meses por ano debaixo de neve e gelo. Uma cidade que tem (tinha naquela época) de população fixa mais gente do que Portugal inteiro e recebia um milhão de visitantes internos por dia.
Enfim, agora é fácil falar e ficar à espera que ninguém se lembre já do que lá viveu. E para que fique esclarecido: não, nunca tive acesso às lojas das elites, fiz exactamente a mesma vida que qualquer comum cidadão, estrangeiro ou não.
mmmhhhh borsch.... e as salsichas eram mesmo muito boas, os meus pais ainda estao para encontrar aqui em portugal, umas salsichas possiveis de comer (as do intermache comem-se bem )Floripes3 Escreveu:Essa chamada mortadela, que era bem diferente da mortadela que cá consumimos e que é de estilo italiano, era muito boa, sim. Havia tanta fartura dela que cheguei a aborrecê-la. E as salsichas? Aquelas que se descascavam do celofane que as envolvia e que eu via as mães, paradas a um canto, a dar aos filhos pequenos que as tinham acompanhado às compras. Porque fazer compras naquela cidade gigantesca era mesmo uma tarefa e tanto, cansativa...
O autor do blogue faria melhor se contivesse as suas críticas ingratas. Foi para lá, fugindo ao destino de meia-tigela que cá o esperava, foi alojado, recebeu uma bolsa de estudos que era "só" o quádruplo da que recebiam os estudantes do país: 80 rublos os estrangeiros, 20 os da União. Dava para comer, dentro e fora das stalovaias. E depois de terminar o curso ficou por lá, deve ter sido mesmo por a comida ser tão má...
Resta acrescentar que a Rússia não tem uma culinária tradicional: antes do chamado poder soviético, os servos da gleba morriam de fome e os aristocratas e os ricos contratavam cozinheiros franceses. A camada remediada das cidades, a burguesia, imitava-os e ia comendo conforme as modas. E depois havia também a culinária judia, que todos adaptaram.
Ah, que saudades tenho de um borsch...
muito obrigada pela partilha, ás vezes nada como uma experiência de vida para perceber a realidade das coisasFloripes3 Escreveu:O que o opinoso, ingrato e má língua do Milhazes devia contar é que lá na satalovaia da Faculdade em que tirou o seu cursozeco de História aparecia caviar, imagine-se! Eu detesto caviar, embora goste de ovas de peixe, mas os estudantinhos que se penduravam na minha casa de Moscovo regalavam-se.
O peixe era mau? Não sei como, quando o comprava e cozinhava ficava com a casa a cheirar a mar. De facto, as diebuskas que nos atendiam nas lojas não tinham qualquer técnica a separar os blocos de peixe congelado, chegavam ali com a machadinha e vai disto, cortavam a direito e saía o que saía. Apareciam com frequência lulas, sim, e outros peixes que desconhecemos de todo por cá. Mas as maiores sardinhas que alguma vez comprei, foi lá. E que boas eram! Pescadas por barcos soviéticos no Mar do Norte.
Os pacotes triangulares do leite furavam os sacos e arranhavam-nas as pernas? Que drama alimentar, de facto! Estava-se no princípio das embalagens Tetrapack, cá também eram assim dois ou três anos antes. Os produtos lácteos eram em grande número e de grande qualidade, como foi falado entre mim e a Teffie, no primeiro tópico do kefir.
Nunca encontrou bananas à venda? Eu encontrei, algumas vezes, vindas de Cuba. Os pilménhis eram maus e tinham de ser separados à martelada? Pudera, estavam congelados e colados pelo gelo. Bastava metê-los em água a ferver que eles logo descolavam.
Nas lojas do Estado não havia hortaliças nem legumes frescos durante o Inverno, de facto. Mas se fosse ao Rinok, o mercado em que os camponeses vendiam os produtos das suas hortas privadas, de certeza que arranjaria alguma coisa. Também encontraria carne, aves e fruta. E peixe de rio.
Os frangos tinham realmente mau aspecto, pois não lhes retiravam as patas e a cabeça e muitas vezes até vinham com as tripas. E todos se precipitavam a comprar os frangos importados da Bélgica, de França e da Alemanha. Os piores eram os da Bélgica, autênticos pedaços de algo artificial, sem sabor e mole em formato de frango. Mas a partir do dia em que comprei um frango "soviético" numa barraquinha junto ao metro, nunca mais quis outros. Frangos a sério, senhores, tenros, saborosos, mais saborosos do que os melhores frangos do campo dos nossos belos e bem abastecidos supermercados maravilhosamente capitalistas.
Claro que aquele país tinha sérios problemas de abastecimento, um sistema que propiciava a corrupção. Claro que que as cidades estavam classificadas como de primeira e não de primeira, sistema baseado e originado pelas mazelas da guerra que depois se perpetuou por desmazelo e deixa-andar. Moscovo, e outras grandes cidades em que se concentravam as indústrias mais importantes, era uma cidade com primazia neste aspecto. Beneficiada, em suma. Mas trata-se de uma cidade no meio de um país, sem mar, e que está sete meses por ano debaixo de neve e gelo. Uma cidade que tem (tinha naquela época) de população fixa mais gente do que Portugal inteiro e recebia um milhão de visitantes internos por dia.
Enfim, agora é fácil falar e ficar à espera que ninguém se lembre já do que lá viveu. E para que fique esclarecido: não, nunca tive acesso às lojas das elites, fiz exactamente a mesma vida que qualquer comum cidadão, estrangeiro ou não.
Sobre a qualidade da comida, não me posso pronunciar, mas também tenho que agradecer a partilha, gostei muito de ler estes bocados de vida.Charlie3 Escreveu:muito obrigada pela partilha, ás vezes nada como uma experiência de vida para perceber a realidade das coisasFloripes3 Escreveu:O que o opinoso, ingrato e má língua do Milhazes devia contar é que lá na satalovaia da Faculdade em que tirou o seu cursozeco de História aparecia caviar, imagine-se! Eu detesto caviar, embora goste de ovas de peixe, mas os estudantinhos que se penduravam na minha casa de Moscovo regalavam-se.
O peixe era mau? Não sei como, quando o comprava e cozinhava ficava com a casa a cheirar a mar. De facto, as diebuskas que nos atendiam nas lojas não tinham qualquer técnica a separar os blocos de peixe congelado, chegavam ali com a machadinha e vai disto, cortavam a direito e saía o que saía. Apareciam com frequência lulas, sim, e outros peixes que desconhecemos de todo por cá. Mas as maiores sardinhas que alguma vez comprei, foi lá. E que boas eram! Pescadas por barcos soviéticos no Mar do Norte.
Os pacotes triangulares do leite furavam os sacos e arranhavam-nas as pernas? Que drama alimentar, de facto! Estava-se no princípio das embalagens Tetrapack, cá também eram assim dois ou três anos antes. Os produtos lácteos eram em grande número e de grande qualidade, como foi falado entre mim e a Teffie, no primeiro tópico do kefir.
Nunca encontrou bananas à venda? Eu encontrei, algumas vezes, vindas de Cuba. Os pilménhis eram maus e tinham de ser separados à martelada? Pudera, estavam congelados e colados pelo gelo. Bastava metê-los em água a ferver que eles logo descolavam.
Nas lojas do Estado não havia hortaliças nem legumes frescos durante o Inverno, de facto. Mas se fosse ao Rinok, o mercado em que os camponeses vendiam os produtos das suas hortas privadas, de certeza que arranjaria alguma coisa. Também encontraria carne, aves e fruta. E peixe de rio.
Os frangos tinham realmente mau aspecto, pois não lhes retiravam as patas e a cabeça e muitas vezes até vinham com as tripas. E todos se precipitavam a comprar os frangos importados da Bélgica, de França e da Alemanha. Os piores eram os da Bélgica, autênticos pedaços de algo artificial, sem sabor e mole em formato de frango. Mas a partir do dia em que comprei um frango "soviético" numa barraquinha junto ao metro, nunca mais quis outros. Frangos a sério, senhores, tenros, saborosos, mais saborosos do que os melhores frangos do campo dos nossos belos e bem abastecidos supermercados maravilhosamente capitalistas.
Claro que aquele país tinha sérios problemas de abastecimento, um sistema que propiciava a corrupção. Claro que que as cidades estavam classificadas como de primeira e não de primeira, sistema baseado e originado pelas mazelas da guerra que depois se perpetuou por desmazelo e deixa-andar. Moscovo, e outras grandes cidades em que se concentravam as indústrias mais importantes, era uma cidade com primazia neste aspecto. Beneficiada, em suma. Mas trata-se de uma cidade no meio de um país, sem mar, e que está sete meses por ano debaixo de neve e gelo. Uma cidade que tem (tinha naquela época) de população fixa mais gente do que Portugal inteiro e recebia um milhão de visitantes internos por dia.
Enfim, agora é fácil falar e ficar à espera que ninguém se lembre já do que lá viveu. E para que fique esclarecido: não, nunca tive acesso às lojas das elites, fiz exactamente a mesma vida que qualquer comum cidadão, estrangeiro ou não.