As orelhas do Serra da Estrela

Este é o fórum dedicado exclusivamente à raça Cão Da Serra Da Estrela! Troque ideias e tire dúvidas sobre esta raça.

Moderador: CindelP

Responder
TitvsLivivs
Membro Veterano
Mensagens: 959
Registado: domingo nov 18, 2007 4:11 pm
Localização: «Tomai-nos por escravos mas sustentai-nos.»

quinta jan 31, 2008 2:07 pm

Boa tarde.

Peço desculpa por estar a fazer um tópico com o único propósito de satisfazer uma pequena curiosidade minha, mas talvez este tópico possa servir no futuro para outras pessoas colocarem outras dúvidas relacionadas com o Serra da Estrela.

Então a minha pequena curiosidade é esta: pelo que vejo os Serras da Estrela possuem as orelhas sempre juntas à cabeça, isso deve-se a uma característica defensiva criada pela Natureza, ou pelo Homem, ao longo dos séculos para que, durante as possíveis lutas com lobos, estas não fossem dilaceradas, ou é só uma impressão minha que não corresponde à realidade?

Obrigado.
CindelP
Membro Veterano
Mensagens: 2892
Registado: segunda jan 01, 2001 12:00 am
Contacto:

quinta jan 31, 2008 10:11 pm

Boas,

As orelhas do CSE são efectivamente pequenas e repuxadas junto à cabeça.

Têm sem duvida alguma funcionalidade, pois ao serem pequenas e mantidas junto à cabeça, ficam muito mais protegidas contra o ataque de predadores.
Convem no entanto não esqueçar que esta é uma "falsa questão" pois antigamente grande parte dos CSE tinham orelhas cortadas.

Por outro, juntamente com o factor funcionalida, foi uma caracteristica que foi mantida na raça durante seculos e que se tornou extremamente representativa da mesma, tal como, pe, o gancho na cauda.

N
TitvsLivivs
Membro Veterano
Mensagens: 959
Registado: domingo nov 18, 2007 4:11 pm
Localização: «Tomai-nos por escravos mas sustentai-nos.»

sexta fev 01, 2008 4:36 pm

E sabe se as orelhas pequenas e puxadas para trás são uma característica representativa da raça que surgiu independentemente de poderem ter ou não a vantagem na auto-defesa , ou foi o Homem que propositadamente foi seleccionando esses cães porque se apercebeu que, desse modo, o CSE não sofria tantos danos. Ou será que surgiram por selecção natural, ou seja, no passado existiram uns que tinham umas orelhas maiores e outros que as tinham menores e juntinhas à cabeça; os que as tinham maiores foram morrendo devido aos ferimentos, os que as tinham mais pequenas sobreviveram porque não sofriam tantos danos. Foi assim, ou não?
SeaLords
Membro Veterano
Mensagens: 3417
Registado: segunda jan 01, 2001 12:00 am
Localização: Bobtail-aholic

sexta fev 01, 2008 5:58 pm

As seculares rotas de transumância dos rebanhos até Trás-os-Montes ou até ao Alentejo, e mesmo a Espanha, permitiram a mestiçagem dos cães que acompanhavam os rebanhos com outros que encontravam pelo caminho. Como resultado, verificou-se a influência de diversos tipos de cães de gado, o que dificultou a distinção desta de outras raças. A primeira tentativa de descrição do Cão da Serra da Estrela foi publicada em 1922, mas apenas na década seguinte foram efectuados estudos com vista à definição do tipo racial, com a publicação do estalão em 1934 separando definitivamente o Cão da Serra da Estrela do Rafeiro do Alentejo. Isto foi conseguido nomeadamente através da determinação de uma cabeça alongada, com orelhas repuxadas, para o Cão da Serra da Estrela, enquanto o Rafeiro do Alentejo teria uma cabeça mais curta com um crâneo mais arredondado e orelhas placadas. Também foi determinado que o gancho na cauda seria uma característica do “Serra”, apesar de nem todos a apresentarem e de ter sido considerado, anteriormente, de pouca importância para a raça.
In: http://www.alpetratinia.net/origem.htm
CindelP
Membro Veterano
Mensagens: 2892
Registado: segunda jan 01, 2001 12:00 am
Contacto:

sexta fev 01, 2008 6:35 pm

TitvsLivivs Escreveu:E sabe se as orelhas pequenas e puxadas para trás são uma característica representativa da raça que surgiu independentemente de poderem ter ou não a vantagem na auto-defesa , ou foi o Homem que propositadamente foi seleccionando esses cães porque se apercebeu que, desse modo, o CSE não sofria tantos danos. Ou será que surgiram por selecção natural, ou seja, no passado existiram uns que tinham umas orelhas maiores e outros que as tinham menores e juntinhas à cabeça; os que as tinham maiores foram morrendo devido aos ferimentos, os que as tinham mais pequenas sobreviveram porque não sofriam tantos danos. Foi assim, ou não?
Tal como o processo de selecção da raça indica, a conjungação de ambas as condicionantes.

A "selecção natural": exemplares com orelhas mais pendentes, grandes ou tipo dumbos eram frequeentemente feridos, e como se sabe, um ferida na orelha é algo muito doloroso e dificil de tratar. Especialmente se volta e meia é ragada. Como tal, tais cães ou eram vitimas da propria selecção ou os proprios pastores os despachavam. Um cão doente ou debilitado não serve para nada.
Claro que sendo isto uma falsa questão, devido à possibilidade do corte de orelhas, remete-nos para:

Por outro lado, como referi no meu primeiro post, foi uma caracteristica que surgiu na raça e que ficou, sendo preservada pelo seu valor funcional tb. Ao ser preservada, foi-se estabelecendo sendo hoje em dia uma das "imagens de marca" da raça.

Edit para adicionar dois pequenos excertos, de Roger Pye:

"A powerfull mouth with long punishing jaw and large strong theeth, were essential requirements in his war against predators (...) Any loose skin, particularly about the throat or mouth, which might afford the wolf a hold, would clearly be a disadvantage. In most of the family of herd-dogs breed we are considering fairly common for individual dogs to carry their ears back from time to time and it may well be that comparatively small ears, carried back and out of the way, would be valued and sought after the Estrela shepherd for the same reason. Indeed if the dog had rather long pendulours ears the shepherd would often crop them.
There are pictures of Chivac, Trata, Kuvasz, Karst and Sparplas with their ears turned back, when for all but the last wo this is not the correct carriage. The CPC, Caes Portugueses 3rd edition, the dogs in the main coloured plates illustrating the Castro Laboreiro and Alentejo herd-dog both have their ears turned beautifully back, when it's totally inconrrrect for their standard. "

Para acabar, não sei se alguem terá por aí um fotografia do Landru, primeiro Ch de Portu (DoB: 1927), que perfeitamente ilustra a orelha repuxada e o tipo de cabeça tão tipico da raça.

N
TitvsLivivs
Membro Veterano
Mensagens: 959
Registado: domingo nov 18, 2007 4:11 pm
Localização: «Tomai-nos por escravos mas sustentai-nos.»

sexta fev 01, 2008 8:49 pm

Obrigado pelas respostas.

Agora vou afastar-me das orelhas para debater o comportamento.
Estava agora ler o estalão do CSE e ao ler esta rubrica
COMPORTAMENTO / CARÁCTER: Inseparável companheiro do pastor e guarda fiel do rebanho que, com valentia, defende contra os predadores e roubadores de gado. Magnífico guarda de quintas e habitações, sendo dissuasor para os estranhos e de uma docilidade característica junto do dono.
uma dúvida surgiu: como foi possível que o cão se tornasse num nosso ajudante, chegando ao ponto de guardar o que é nosso, em vez de o comer (falo de ovelhas, cbras, etc...). Pelo que me dá a entender, os cães de guarda guardam uma propriedade, ou um rebanho porque o que guardam é sua propriedade; mas sendo assim, não seria essa sua propriedade domínio exclusivo seu não deixando ninguém apoderar-se desses bens? Nesse caso iriam reconhecer o dono como um estranho.
O que aconteceu para se passar do lobo agressivo e predador ao cão fiel? O cão verá o dono também como sua propriedade? Ou ele foi tão alterado psicológicamente que tem noção de que está subordinado ao Homem e que faz o trabalho que só ao ser humano compete? Eu não conheço gatos que guardem os periquitos do dono, mas os cães guardam gado. O que tem o cão de tão diferente? Terá uma plasticidade psicológica tão grande que permtiu que lhe gravassemos instintos, instintos esses que se não houvessem cães achariamos que para um predador seriam impensáveis?
Última edição por TitvsLivivs em domingo fev 03, 2008 12:52 pm, editado 1 vez no total.
TitvsLivivs
Membro Veterano
Mensagens: 959
Registado: domingo nov 18, 2007 4:11 pm
Localização: «Tomai-nos por escravos mas sustentai-nos.»

domingo fev 03, 2008 12:41 pm

TitvsLivivs Escreveu:Obrigado pelas respostas.

Agora vou afastar-me das orelhas para debater o comportamento.
Estava agora ler o estalão do CSE e ao ler esta rubrica
COMPORTAMENTO / CARÁCTER: Inseparável companheiro do pastor e guarda fiel do rebanho que, com valentia, defende contra os predadores e roubadores de gado. Magnífico guarda de quintas e habitações, sendo dissuasor para os estranhos e de uma docilidade característica junto do dono.
uma dúvida surgiu: como foi possível que o cão se tornasse num nosso ajudante, chegando ao ponto de guardar o que é nosso, em vez de o comer (falo de ovelhas, cbras, etc...). Pelo que me dá a entender, os cães de guarda guardam uma propriedade, ou um rebanho porque o que guardam é sua propriedade; mas sendo assim, não seria essa sua propriedade domínio exclusivo seu não deixando ninguém apoderar-se desses bens? Nesse caso iriam reconhecer o dono como um estranho.
O que aconteceu para se passar do lobo agressivo e predador ao cão fiel? O cão verá o dono também como sua propriedade? Ou ele foi tão alterado psicológicamente que tem noção de que está subordinado ao Homem e que faz o trabalho que só ao ser humano compete? Eu não conheço gatos que guardem os periquitos do dono, mas os cães guardam gado. O que tem o cão de tão diferente? Terá uma plasticidade psicológica tão grande que permtiu que lhe gravassemos instintos, instintos esses que se não houvessem cães achariamos que para um predador seriam impensáveis?

Ninguém faz ideia do porque do cão ser assim :?:
CindelP
Membro Veterano
Mensagens: 2892
Registado: segunda jan 01, 2001 12:00 am
Contacto:

domingo fev 03, 2008 3:11 pm

Boas,

Sobre a segunda parte do seu post, sobre a etologia do cão, não poderei me pronunciar por não possuir bases suficientes para tal. Esse comportamente está intimamente ligado ao sentido de hierquia do cão (e consequeentemente ao de sobrevivencia) que fez com que o cão, ao longo deste todo processo de selecção, passasse a ver o dono como o seu chefe e como tal, a obedecer ou a viver sobre a suas regras.

Os comportamentos tipicos dos cães de trabalho (guarda/defesa/pastoreio/caça) são comportamentos normais e presentes no lobo. Apenas foram transferidos e exarcebados pelo homem.

Sobre gatos, de certeza que não conhece gatos que guardem casas, mas de certeza que conhece gatos que convivem pacificamente com coelhos ou porquinhos da india ;)
TitvsLivivs Escreveu: Pelo que me dá a entender, os cães de guarda guardam uma propriedade, ou um rebanho porque o que guardam é sua propriedade; mas sendo assim, não seria essa sua propriedade domínio exclusivo seu não deixando ninguém apoderar-se desses bens? Nesse caso iriam reconhecer o dono como um estranho.
Aqui voltamos ao paragrafo anterior. O cão - neste caso o CSE - possui um elevado sentido de territorio, sendo muito possessivo perante o mesmo.
Esse territorio pode ser uma quinta, um estabulo, um rebanho ou uma familia. Tudo o que o cão achar (ou lhe for "permitido achar"), será tido como seu e como tal sujeito à sua guarda.

Sendo uma raça naturalmente chegada ao Homem, a questão de ser agressivo para o dono não se põe. Até porque este, estará sempre presente no seu dia-a-dia.

Agora, numa situação hipotetica, se colocarmos um CSE dentro de uma quinta, sendo alimentado via comedouro automatico, sem presença alguma de um dono, aí não há duvidas nenhum que atacará quem se chegar, como será logico.

N
TitvsLivivs
Membro Veterano
Mensagens: 959
Registado: domingo nov 18, 2007 4:11 pm
Localização: «Tomai-nos por escravos mas sustentai-nos.»

domingo fev 03, 2008 4:23 pm

CindelP Escreveu: Boas,

Os comportamentos tipicos dos cães de trabalho (guarda/defesa/pastoreio/caça) são comportamentos normais e presentes no lobo. Apenas foram transferidos e exarcebados pelo homem.
Interessante... Exacerbou-se o comportamento, tal como a morfologia.
Pensava que nós tinhamos moldado o comportamento do cão, ensinando-o a desempenhar essas tarefas.




CindelP Escreveu:Sobre gatos, de certeza que não conhece gatos que guardem casas, mas de certeza que conhece gatos que convivem pacificamente com coelhos ou porquinhos da india ;)
Conheço gatos assilvestrados que convivem bem com galinhas, e não tocam se quer nos pintos, mesmo não estando a mãe deles ao pé.
Agora, gatos que guardem os bichos do dono, não.
lgdport
Mensagens: 4
Registado: sexta mai 04, 2007 11:37 am

terça abr 08, 2008 8:21 pm

Ora bem, cá voltamos a um tema que, ainda mais que o anterior, é da minha especialidade! :D E uma vez mais, este é um dos temas das minhas últimas palestras!

Os cães são so animais que se conhecem com maior plasticidade (flexibilidade) morfológica e comportamental. O que se passa evolutivamente com o Serra da Estrela, tal como nos restantes cães de gado (cães de protecção de rebanhos) é exactamente o que se passa com, por exemplo, os cães de caca ou os cães de pastoreio. Os cães foram consciente ou inconscientemente seleccionados ao longo dos séculos para serem cada vez melhores em certas tarefas. Evolutivamente, o que aconteceu foi a promoção ou inibição de certos padrões comportamentais (padrões comportamentais com base genética, logo susceptíveis a evolução).
Muito do trabalho que foi feito de selecção em muitas raças tem a ver com a promoção ou inibição de elementos da sequência predatória, de forma a que os animais apenas executassem a parte que interessava às pessoas.
No caso específico dos cães de gado foi suprimir a sequência predatória. Ou seja, os padrões motores (comportamentais) existem, mas não estão ordenados numa sequência fixa. (e qualquer pessoa que tenha um Serra e lhe tenha atirado uma bola para ele *supostamente* ir buscar percebe que o institnto de perseguição é extremamente reduzido ou nulo!)
É esta ausência genética de comportamento predatório definido que faz com que estes cães sejam eficiente a proteger animais que tipicamente seriam presas.

Quanto à relação com o dono, não tem nada a ver com instintos de "posse". Os cães são animais que vivem em grupos sociais, integrados numa hierarquia. O que se passa é que o dono é (deve ser) considerado como superior hierárquico, mas um cão irá sempre defender o seu grupo social - aliás é por isso que ele protege os rebanhos - um cão de gado cresce desde cachorro jovem com o rebanho que irá proteger, sociabiliza-se com ele, pelo que passa a considerá-lo como o seu grupo social, a sua "matilha". O resto advém dos seus instintos naturais de protecção e preservação do grupo social, não implica sentimentos de posse.

É possível e relativamente comum outros tipos de cães, como por exemplo cães de caça, aprenderem a conviver com outros animais da sua área de vivência - é um período chamado habituação. Os cães habituam-se, aprendem, que aqueles outros animais fazem parte do seu grupo social e a esses não irão causar danos. No entanto, a norma é que, apesar de o cão não caçar as galinhas ou os gatos do seu quintal (do seu grupo social), frequentemente não terá essas inibições com os animais dos vizinhos, que serão caçados sem inibições.
É aqui que o bom cão de gado difere da maioria dos restantes cães, precisamente pela ausência de comportamento predatório definido, mesmo com outros animais.

Cumprimentos,

Carla Cruz
DFPapel
Membro Júnior
Mensagens: 13
Registado: domingo jan 12, 2014 12:17 pm

segunda jan 20, 2014 2:26 pm

Gostei de ler. :)
Responder

Voltar para “Cão Da Serra Da Estrela”