Como alguns sabem, na minha zona os donos de cães costumam reunir-se num jardim ali perto e soltamos os bichos para brincarem uns com os outros. Muitos dos cães já se conhecem desde pequenos, outros vão aparecendo e sendo incluídos no grupo. Um dos mais recentes é um Dobermann chamado Yuri, um jovem macho muito calmo.
Geralmente vem com a dona, que a princípio tinha uma certa relutância em soltá-lo para brincar com os outros, mas já o solta e o cão dá-se lindamente com todos.
Sempre achei que ele era muito desconfiado com as pessoas e que parecia ter medo de receber festas, mas pensei que fosse feitio. Ontem fiquei a saber porquê... Em vez de vir com a dona, vinha com o dono. Vinha solto. Assim que viu os outros cães, correu para eles para brincar.
Qual não é o nosso espanto quando o dono começa aos berros a chamar o cão, mandou-o sentar (coisa que ele fez) e lhe bateu com a trela! Mas bateu violentamente, não foi uma palmada inofensiva!
Claro que todos nós desatámos aos gritos para que não batesse no cão e ainda tentámos dizer-lhe que assim a ordem tinha o efeito contrário: se o chamasse e lhe batesse, ele não vinha!
Mas o homem não quis saber de conversa. Entretanto já o Yuri tinha fugido do próprio dono pelo jardim fora e eu ainda me fui oferecer para o ir buscar (com medo do que o homem lhe pudesse fazer), mas o dono ignorou-me. Deviam ter-lhe visto os olhos como eu vi - parecia um louco!
Foi a correr atrás do cão e, passado um bocado, ouvimos um ganido de cortar o coração. Depois lá vinha ele com o pobre Yuri à trela, a tremer como varas verdes.
Eu disse-lhe que um dia aquele cão ia fugir-lhe e que nunca mais lhe punha a vista em cima, mas ele deve ter percebido outra coisa e respondeu: "Este cão? Voltar-se a mim? Nunca! Quando ele era pequeno dei-lhe uma tareia tão grande que fiquei sem saber se o tinha morto".
Só me deu vontade de me atirar àquele anormal e estrangulá-lo com a trela. Um dos outros donos ali presentes ainda esteve a falar com ele; não sei o que lhe disse. Depois foi-se embora, todo orgulhoso da besta que é. Disse uma das raparigas que ali estavam que ele deve ser um frustrado, que só se sente homem se bater em alguém - neste caso, no cão. E a dona da esplanada do dito jardim acrescentou que aqueles cães (os Dobermann) ficam doidos com o passar dos anos e atacam os próprios donos. Nunca desejei tanto que esse mito fosse verdadeiro e que o Yuri saltasse sobre aquele "homem" - mas ao pescoço, logo para o matar!
O que se faz num caso destes? Vamos à polícia? A uma associação? Fazemos-lhe uma espera numa esquina escura e partimos-lhe todos os ossos das mãos?
Desculpem o testamento, mas isto já se passou ontem à tarde e ainda estou em choque. O cão é lindo e meigo. Nem quero pensar o que o desgraçado passa lá em casa...
