Exmos. Senhores,
Num país onde existem tantas causas de acidentes, com consequências graves ao nível dos ferimentos causados e mesmo resultando em morte, os ataques de cães representam, em termos percentuais, um número tão pequeno que, não fossem os media, nos passariam completamente despercebidos.
No entanto, UM caso apenas que fosse de uma vida perdida ou de uma pessoa mutilada seria mais do que suficiente para justificar a nossa atenção e empenho para que não se voltasse a repetir.
Mas será mesmo necessário que, nesta base, se proceda à aprovação de nova legislação discriminativa em relação a determinadas raças de cães? Será que a legislação existente há apenas alguns anos atrás, nomeadamente o Decreto-Lei 317/85, não teria sido mais do que suficiente para evitar os poucos acidentes que ocorreram?
O Antigo Decreto Lei, para além de outros aspectos importantes, continha uma norma fundamental: A OBRIGATORIEDADE DE USO DE TRELA OU AÇAIMO FUNCIONAL.
Quantas vezes terão testemunhado V.Exas, ou alguém de vosso conhecimento, que uma autoridade tenha chamado sequer à atenção a um proprietário por permitir que o respectivo canídeo andasse solto e sem açaimo na via pública? Decerto poucas ou nenhumas!
Com efeito, é comum os cães andarem soltos na via pública e, muito pior que isso, andarem sem sequer ter o dono por perto para os ‘controlar’ ou para serem responsabilizados por eventuais danos causados.
Dos acidentes conhecidos com ataques de cães de raças chamadas ‘potencialmente perigosas’, parte deles ocorreram precisamente porque os cães não estavam devidamente condicionados por uma trela ou açaimo, ou seja, estavam soltos. Outra parte ocorreu dentro das casas dos respectivos proprietários, ou mesmo DENTRO do CANIL onde os cães estavam fechados! Mas na maioria das vezes nem sequer se chegou a saber todos os contornos do ocorrido!
É por isso que não basta publicar nova legislação para que as coisas mudem. Por mais legislação que se publique, só a fiscalização efectiva poderá fazer com que ela surta algum efeito. Não adianta publicar diplomas atrás de diplomas, com normas mais abrangentes e punições mais severas quando nem sequer se esgotou ou se demonstrou que as Normas que existem não são suficientes. De facto, as Normas são mais do que suficientes, o problema é que as entidades competentes não as fazem cumprir!
Mas permitam-me V.Exas que lhes diga, que o panorama se afigura ainda pior quando, para além de não ser feita nenhuma avaliação das Normas existentes, alguém pretende legislar sobre uma matéria que desconhece. Com efeito, não é a opinião pública nem os jornais que determinam a necessidade de nova legislação! Isso só poderia ser decidido depois de se verificar que APLICANDO A LEGISLAÇÂO ACTUAL se verificava um aumento ou se mantinha um número a ter em conta de ataques de canídeos. Depois, haveria que ver quais as causas desses ataques, e em seguida atacar essas causas por todos os meios.
A RAÇA não é certamente uma causa, e pode-se até dizer que algumas raças são até vítimas dessas “causas”. Entre outras a Marginalidade é uma dessas causas, o desrespeito pela Lei e pela Autoridade é outra dessas causas, a insegurança é outra dessas causas.....mas as raças de cães não o serão certamente! As raças de cães são vítimas de uma “moda” e quanto mais forem ‘catalogadas’ como perigosas, mais vão ser atraentes para as pessoas que as usam para fins ilícitos ou impróprios! E neste pressuposto, estas pessoas vão usar de todos os meios para fazer com que façam jus a essa fama.
Desenganem-se V.Exas se acham que estas pessoas vão passar a ser controladas pela legislação resultante da vossa proposta! Não vos creio tão ingénuos que pensem que estes cães sejam registados ou licenciados actualmente! Por acaso pensam que os marginais que usam cães para assaltos, para lutas ou para os seus confrontos de gangs vão sujeitar-se a provas psíquicas ou físicas para ver se podem licenciar os respectivos animais?
Mas permitam-me uma análise mais detalhada do vosso projecto, começando pela “exposição de motivos”:
Dizem V. Exas. que o D.L. 276/2001 é insuficiente ( eu teria muitos outros adjectivos para o classificar...). De facto, consideram que permite incluir as raças de cães comummente considerados potencialmente perigosos, mas no entanto, “e dado o facto de determinadas raças, resultantes de cruzamentos indocumentados e, por isso, não reconhecidas oficialmente, não serem consideradas raças caninas em determinados países, faz correr o risco de serem registados como animais de companhia.....”
De seguida elaboram uma lista onde se inclui o PITBULL e AMERICAN PITBULL, raça esta (American Pit Bull e Pit Bull são a mesma coisa) que não é reconhecida nem pelo CPC ( Clube português de canicultura), nem pela FCI ( Federation Cynologique Internationale)!! Continuamos então perante cães indocumentados e, à luz das entidades cinológicas portuguesa e europeia, sem raça definida!!
Confesso que fiquei satisfeito em saber que o Rottweiler, cão de origem milenar oriundo da cidade alemã de Rottweil, não faz parte da lista! Afinal...não conheço a raça Rotweiller! Será da cidade alemã de “Rotweill”.
Fico também curioso, perante o nº 2 do artigo 1º, em saber quem será a autoridade que irá determinar se o cão A ou B, tem sangue ( se é um ‘hibrido’) de Mastim Napolitano, de Boxer ou de qualquer outra das raças enunciadas! Vai ser-lhe feita alguma análise genética?!
De qualquer das formas, parece-me que se estivermos perante um cão de raça indefinida ou de um híbrido resultante dos cruzamentos das raças enunciadas, só serão considerados perigosos se manifestarem um caracter marcadamente agressivo ou dos quais haja conhecimento de ataques a pessoas, ou outros animais ou bens”. Assim sendo, tenho cá a sensação que vão por aí surgir muitos ‘hibridos’. Parece-me que muito boa gente, e eventualmente eu seria um deles, vai ‘despromover’ os seus cães a ‘hibridos’ e, sendo eles de caracter absolutamente normal e não agressivos, nunca irão precisar de nenhuma licença especial!
Mas também haverá aqueles que, em mãos erradas, poderão um dia demonstrar essa agressividade com um ataque fatal! E até lá serão cães ‘não perigoso’, ou seja, de licenciamento e posse absolutamente normal?
Mesmo eu engolindo alguns sapos, permitam-me que lhes sugira que façam as coisas ao contrário, ou seja, porque não propor que quem tiver cães de raças consideradas potencialmente perigosas (eu preferia usaria outro critério, como se fosse o peso por exemplo, mas pelo menos substituiria ‘raça’ por ‘tipologia’) faça um teste de carácter ao cão onde fique demostrado que o animal não é marcadamente agressivo?
Os demais artigos não me chocariam se por base não tivessem esta famigerada lista.
Face ao exposto, solicito a V.Exas. que:
- Reavaliem o projecto em causa, pedindo aconselhamento e apoio às entidades cinófilas, veterinários, clubes de raça e demais pessoas e entidades de reputada experiência em comportamento animal.
- Promovam a alteração do Dec. Lei 276/2001, retirando desta ou qualquer outra legislação a discriminação com base em raças de cães e substituindo estes critérios por parâmetros objectivos abrangentes e válidos.
- Promovam a fiscalização e aplicação da Lei. De referir que não basta dizer que as entidades têm de fiscalizar, há que dotá-las de meios para tal ( gostaria de saber quem tem leitores de microchip, quem tem canis com condições, quem tem recursos humanos com conhecimentos para distinguir raças ou avaliar o caracter de um cão, etc.).
Desde já agradeço a atenção dispensada e subscrevo-me com os meus melhores cumprimentos
De V.Exas
Atentamente
Para já é tudo o que posso fazer.....
Paulo C.