Pronto, já acabou a tempestade? É que isto de fazer tempestadas em copos de água às vezes é um sarilho porque o copo pode partir-se

Daqui por dez anos, se o fórum ainda existir (e nós também) ainda andamos a discutir as diferenças de tratamento dos cães entre o campo e a cidade.
Arcanus, não se crucifixe mais. Quase se põe de joelhos e não há motivos para isso. Eu fui um dos que disse que a sua participação foi infeliz mas, que diabo, não leve assim as coisas a peito. Houve uma reacção generalizada ao que disse mas isso é natural.
Sabe o que penso no meio de tudo isto? Se a sua intervenção não tivesse sido um pouco polémica, o tópico já tinha dado o berro e não dava para se ponderar um pouco mais atentamente, e através de várias sensibilidades, essa questão do encarar o cão.
É que a forma de o ter, de o tratar, de gostar dele tem muito, mas muito que se lhe diga. Isto não é linear. Há muitos factores envolvidos.
Sobre isso eu tenho defendido uma teoria (discutível como todas as teorias, claro) de que as pessoas do interior não gostam nem mais nem menos dos cães do que as da cidade. Existe aqui realmente um grande equívoco. O que têm é uma forma de encarar o cão completamente distinta. Em grande parte dos casos o cão da cidade é muito mais infeliz. Basta o facto de passar 99% do tempo enfiado dentro de casa e quando sai à rua é amarrado por uma trela. Isto para não falar das horas e horas em que fica sozinho quando o dono vai trabalhar. Será mesmo feliz um cão nestas circunstâncias?
As pessoas do campo também não são nem mais nem menos sensíveis do que as da cidade. Aliás, como se sabe, um elevado número de habitantes citadinos provem do interior.
O que há, realmente, é uma cultura diferente, nem melhor nem pior, aliada a condições de habitabilidade completamente distintas.
Pondo as coisas noutros termos, o cão na província tem uma função prática, a de guarda ou da caça. Entre o dono e o cão existe uma relação mais distante do que na cidade. O cão na cidade também tem uma função, que é a de satisfazer a solidão do dono, é dar-lhe afectos e dedicação que dificilmente ele obtém dos seus semelhantes. Na cidade há uma muito maior relação de dependência entre dono e cão. Mas quem gere e explora a satisfação dessa dependência é sempre o dono conforme a sua vontade, a sua disponibilidade, os seus caprichos, mesmo que para tal se sujeite o cão à condição de não ser cão, que é o de ser mais ou menos humano ou mais ou menos cão conforme as conveniências do dono. Ora este afecto é egoísta e hipócrita. Verifica-se na cidade mas no campo não.
Mas isto não é só preto nem é só branco. É por isso que as generalizações são arriscadas. Há muitos cambiantes pelo meio.
De qualquer modo, sempre considerei este tema fascinante. Faz-nos pensar se de facto merecemos bem o afecto e a dedicação que os nossos bichos nos têm.