Ao Celso Alves

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Moderador: mcerqueira

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fang
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terça dez 02, 2003 2:10 am

Ora bem...
Acho que se está aqui a fazer alguma confusão entre comportamentos inter-especificos.
Quando se fala em comparações Homem/macaco, o termo macaco é muito vago.
Dentro dos primatas o Homem é actualmente o único representante do seu género: Homo, e da família dos hominídeos. Todas as outras espécies estão extintas na presente época.
O termo “macaco” tanto pode ser atribuido a um cercopiteco, primata muito primitivo no grupo dos macacos, como a um chimpanzé, espécie muito mais semelhante aos humanos em todos os aspectos.
No entanto o chimpanzé (tal como o gorila, o orangotango, o bonobo e o gibão) é um antropoide e não um hominídeo. Ou seja, para alem de não ter nada a ver com a nossa espécie ( embora parente próximo á escala da evolução natural) nem sequer pertence á mesma família em termos genéticos e de sistemática.
Os estudos apenas mostram algumas semelhanças com um “parente” suficientemente afastado, nunca podendo pôr em pé de igualdade as duas espécies.

Com o lobo e o cão isso não se passa. Continuam a ser a mesma espécie – Canis lupus.
Um lobo ártico, um lobo cinzento, um Pastor Alemão, um pinscher e um dingo continuam a ser a mesma espécie. As duas 1ªs são consideradas sub-espécies ou raças naturais uma vez que a sua diferenciação ocorreu na natureza devido a afastamento geográfico. As 2 ultimas são raças domésticas, manipuladas durante milénios pelo homem de modo mais ou menos artificial ( de acordo com os padrões de selecção deste). O ultimo trata-se de uma raça (ou tipo) domestica que se tornou selvagem há cerca de 4000 anos.
Hoje em dia o cão doméstico cientificamente já não é considerado uma espécie de canídeo aparte (Canis familiaris) mas sim uma variante (ou um conjunto de variantes) domesticada do lobo (Canis lupus familiaris). Genéticamente o cão doméstico continua a ser um lobo com as alterações fisicas e comportamentais inerentes ao longo processo de domesticação.
A grande diferença apontada (pelo menos a maior), reside no facto dos cães manterem durante toda a vida comportamentos tipicos de cachorro. Se formos ver as diferenças entre um lobito e um cachorro em termos de comportamento, são practicamente nulas. A grande diferença surge quando o animal atinge a idade adulta. Por isso muitos cientistas costumam designar o cão doméstico como “lobo infantilizado”. Ou seja, nunca cresce suficientemente em termos psiquicos de modo a tornar-se independente, sendo o dono para ele como a extensão da própria mãe.
Comportamentos tão normais nos nossos cães, tais como ir buscar coisas, disposição para brincar, abanar a cauda freneticamente, demonstrações efusivas de afecto, etc., são comportamentos normais em lobos jovens que vão desaparecendo á medida que vão atingindo a maturidade. Nos cães essas características mantêm-se. Alterámos o comportamento dos lobos domésticos em nosso benefício, chegando mesmo a neutralizar algumas características com vista a potenciarmos outras (quando um sentido diminui, outro aumenta a sua capacidade). Ao longo de milénios fizemos isso de modo mais ou menos consciente, de tal modo dizem alguns que quase criamos uma nova espécie. Os cães também acabaram por se adaptar de tal modo aos humanos que acabaram por tirar partido dessa relação quase simbiótica.

No que respeita aos cães nórdicos, estas características foram algo limadas mas não tanto alteradas como na maioria das raças.
Continuam a ter tal como os lobos uma hierarquia bem estruturada dentro da matilha, mantendo muito melhor o seu equilibrio emocional e psiquico em conjunto do que como individuos isolados ( os problemas de comportamento que conheço em cães nórdicos referem-se a “filhos unicos”).
Raramente chegam a confrontos que envolvam sangue para manter o seu lugar na matilha. O 1º impulso é abocanhar o pescoço e colocar o desafiante em posição de submissão.
Tal como nos lobos, torna-se problemático aceitarem um elemento estranho na matilha que não seja submisso. Mas caso mostre atitudes de submissão, a agressividade é automaticamente neutralizada e o novo membro é aceite desde que se integre na posição omega.
Outra das características é o uivo, breve mas contagiante para todos os membros da matilha que colaboram num coro bem sonoro com a finalidade de reforçar os laços familiares.
No entanto embora estabeleçam a sua hierarquia na matilha, desde o alpha ( normalmente o mais dominante ou o que melhor tira proveito das situações) até ao omega (normalmente o mais submisso ou então o mais jovem) todos reconhecem o dono (e o homem em geral) como “super-alpha”, abafando qualquer tipo de agressividade para com ele.
Algumas vezes podem confundir o dono com um dos elementos da matilha de nivel mais baixo e tentar medir forças na liderança ou na posição hierárquica, normalmente através da típica rosnadela. Qualquer tentativa de imposição deve ser neutralizada colocando o cachorro em causa em posição de submissão até que ele deixe de se debater e passe a aceitar isso como dado adquirido. O dono tem que ser visto como uma espécie de “Deus” inatingível em termos hierárquicos. Mesmo os mais dominantes, acabam por perceber o seu lugar, raramente havendo respostas de agressividade ( comigo ainda não aconteceu).
Mas o mais importante é impormo-nos pelo respeito, ou seja nem sempre o melhor alpha é o mais forte ou mais agressivo ou mesmo mais dominante, muitas vezes é o mais adaptável ás situações (inteligente), das quais beneficia o resto da matilha, ganhando o respeito da mesma. Perceber que somos nós os mais inteligentes, proporcionando bem estar a ele e á matilha e que somos indestronáveis enquanto “super-alphas” acho ser fundamental para um relacionamento equilibrado, estável e duradouro por parte do cão connosco.
Como cão que cresce ”mentalmente”, um Malamute nunca entenderá grande parte do treino “normal” que é efectuado a outros cães simplesmente porque o acha ilógico para seu beneficio e da matilha. Quando lhe atiramos uma bola para ir buscar, fica sério a olhar para nós como quem diz: “para que raio quer ele que vá buscar aquilo? , o que é que isso contribui para o meu bem estar e do meu clã?, isso são coisas de putos para treinar a trazer alimentos, eu já sou adulto e aquilo não se come!”.
Se o fizer, fá-lo contrariado e apenas numa atitude de submissão extrema.
Talvez por isso muitas pessoas não entendam os cães nórdicos e os alcunhem de burros.
Pelo contrário, a sua inteligência leva-os a discernir o que na realidade faz ou não sentido e lhe é util, tal como os lobos.

Neste contexto, basicamente concordo com o Pedro, não vejo que não se deva agir com os cães tendo em conta o comportamento dos lobos. Afinal eles AINDA são a mesma espécie.
Também penso que o cão nos vê como um da sua espécie, no entanto com uma capacidade de lhe proporcionar a sobrevivência e o conforto que nos torna num alpha incondicional. Tal como um lobo domesticado, se este for dominante, também irá tentar disputar a liderança com o dona várias vezes durante a sua vida. Alguém se recorda da história verídica do “LIK” na Croácia?
É o caso flagrante de dominância inter-especifica.
Inter-especifica do nosso ponto de vista, do ponto de vista do lobo seria intra-especifica.

Penso que a maioria dos cães problemáticos se deve á confusão adquirida durante a sua adolescência sobre qual é o seu lugar na “matilha” humana. Na maioria das vezes deve-se a casos de tentativa de “humanização” que acabam por confundir completamente o cão.
O importante não é o cão dormir ou não connosco, ficar ou não no sofá, ter este ou aquele mimo. O importante é fazer-lhe perceber que fará isso QUANDO nós queremos e nunca lhe dar hipótese de desafiar a nossa posição de líder (super-lider). E a grande maioria dos cães instintivamente faz isso. Na maior parte das vezes nem percebemos que somos lideres.

Desculpem o testamento
:| :D
<p>Francisco Barros</p>
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<p><a href="http://www.biodiversity4all.org">http://www.biodiversity4all.org</a> </p>
nynf
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terça dez 02, 2003 9:45 am

Fang, realmente a questão do treino de cães nórdicos sempre me intrigou, tal como me intriga outra questão inerente...

Os cães não são todos iguais. Nem dentro da mesma raça, nem sendo de raças diferentes:
- Não respondem da mesma forma ao mesmo estimulo
- Não têm as mesmas aptidões
- Não têm todos a mesma vontade de agradar
- Não são todos super dependentes do dono
etc etc etc

Logo, não se pode esperar que respondam da mesma forma aos treinos. Isso quer dizer que uns são burros e outros são inteligentes???
Duvido! Além disso, quem será o mais inteligente, aquele que faz tudo porque o dono manda, ou seja gravou os comandos e tem um verdadeiro prazer em obedecer, ou aquele que resiste a determinados comandos simplesmente porque é inteligente o suficiente para os colocar em causa: para que é que me serve fazê-lo....
Isto é uma questão em que ando a matutar já há uns tempos. Ora se os cães não são todos iguais, porquê treiná-los de formas iguais? E porquÊ exigir-lhes as mesmas respostas e a mesma rapidez de aprendizagem?

Um amigo meu tem uma cadela Husky, a Duda, - em conjunto com outros cães, sendo ela a Alpha - que aceitou na sua matilha a Shiva por esta ainda ser cachorrinha quando a conheceu. A verdade é que embora só estejam juntas 2 vezes por mês, ela não se esqueceu da Shiva que entretanto cresceu . Mas nunca aceitou cães já adultos. Por outro lado, andou numa escola onde desistiram dela (era burra); mas a verdade é que ela obedece ao dono, tem mais obediência que muitos cães treinados, mas recusa determinados comandos - dá a patinha e ela simplesmente vira costas e vai-se embora ;)

O catalogar todos os cães por iguais e a exigência de todos terem que ser iguais nos treinos sempre me pareceu extremamente desadequado. Isso pode levar inclusivamente ao "quebrar" um cão que na verdade não precisa de ser "quebrado"; ou á desistÊncia por parte do treinador: este cão não dá mais; ou por parte do dono: o meu cão é burro porque os outros fazem e ele não; quando na verdade bastaria ter um treino cujo ritmo e objectivo lhe sejam adequados - ao cão e não ao dono!

Será que estou a fazer sentido??? Por exemplo, há cadelas que com o cio mesmo em fase de aceitação não aceitam cão, outras ficam desorientadas e se necessário for até fogem para irem ter com um cão. Estamos a falar de instinto básico, e até esse é "vivido" de forma diferente pelos elementos da mesma raça...Ora se até no instinto que sentem eles são diferentes, quanto mais no resto...

Realmente não sei se o que acabei de escrever será uma barbaridade ou não...mas gostava que comentassem ;)
<p><strong>Sauda&ccedil;&otilde;es!</strong></p>
<p><strong>Cristina Paulo</strong></p>
<p>&nbsp;</p>
amg
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terça dez 02, 2003 11:47 am

Obrigado a todos pelas vossas opiniões.
Vou mencionar aos donos o que aqui foi referido e transmitir-lhes os conselhos. Eles residem na zona de Carcavelos, se bem que desconfio que não queiram ouvir de mais treinos para o cão.

Quanto a interessante questão das hierarquias/dominância, penso que é um simples aproveitamento de uma característica natural da espécie em nosso próprio beneficio, ou seja, na maioria das vezes é desejável que os cães nos vejam como “super-alpha”, líderes supremos e incontestáveis.
Não sei se o cão naturalmente nos vê como líderes, ou se um cão que viva sem a companhia de elementos da sua espécie necessita de ser/ter um líder, o que me parece é que para é nós é de todo benéfico que tenhamos esse estatuto.

A manutenção deste, uma vez adquirido, não será tão complicado como no caso intra-espécie, pois não há disputas por comida ou acasalamentos. Penso que seja pela manutenção de uma ausência total de disputas, que aqui se desaconselhou vivamente o uso de qualquer tipo de violência com os cães, especialmente com os que pelas suas características se poderão “revoltar” com maior facilidade, colocando assim a liderança em causa e causando potenciais problemas comportamentais.

Compreendo e aceito que possam existir outro tipo de relações homem-cão, como a do cooperativismo descrito pela Alexandra, mas penso que a hierarquização é a menos trabalhosa e a mais natural e instintiva para o animal, e (desculpem lá o comentário, mas é inevitável) a que reflecte a superioridade que nos foi concedida pela natureza.
jcsousa
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terça dez 02, 2003 6:11 pm

O debate desenvolveu-se de tal modo nestes dias que me vai ser muito difícil "apanhar o comboio em andamento"... Fico-me, no entanto, por duas questões aqui abordadas pela Alexandra e pela Cristina:

1. Hierarquia e dominância - consideremos que o antepassado do canis familiaris é o lobo (99,8% de igualdade dos respectivos genomas). Consideremos que o primeiro canídeo apareceu aproximadamente há uns 10 milhões de anos, e que se estima que o canis familiaris data de há uns 16.000 anos. Consideremos finalmente que os padrões comportamentais se transmitem também por via genética, e numa perspectiva evolutiva , que os que se revestem de maior sucesso se fixam geneticamente.
Eu penso que os cães mantêm ainda em grande parte os comportamentos herdados dos seus antepassados lobos. Além dos instintos quew vulgarmente evocamos (caça, presa, defesa, etc) julgo que mantêm a necessidade instintiva de estabelecer uma hierarquia bem definida, e digamos que a dominância é a capacidade de cada um para assumir o melhor papel possível dentro dessa hierarquia. O Alfa é normalmente pouco importunado por novos candidatos, mas ao contrário do que disse a Alexandra, a informação de que disponho é que nos restantes níveis hierárquicos as disputas são quase constantes pela ascensão na escala social.
A observação do comportamento canino aponta para a manutenção desses padrões de hierarquização. Daí que nos seja possível distinguir nos vários indivíduos vários graus de dominância, desde a agressividade por dominância até ao outro extremo da escala - a submissão ou ausência quase total de dominância.
Aceitar estes pressupostos levam-nos a procurar resolver casos de dominancia inter-específica da forma em que tais conflitos se resolvem nos cães livres - através do confronto, embora, como disse o Celso, nunca sem ter a certeza de que se sai vencedor desse confronto.
Ainda a propósito da comparação entre cães domésticos e lobos, embora alguns comportamentos tenham evoluido pelas novas condições ambientais em que os cães vivem (e que elas próprias tem evoluido constantemente nestes 16.000 anos), muitos dos padrões de comportamento herdados dos lobos se mantêm, designadamente na necessidade de "fazer o ninho" para proteger as crias que vão nascer, a maior afectividade com o dono por parte das cadelas grávidas, o medo atávico a trovoada por parte de alguns indivíduos, etc.
Acresce que ao que li, experiências em que se soltaram vários cães domésticvos, os quais, em muito pouco tempo, reproduziram os esquemas hierárquicos praticados pelos lobos em liberdade.

Cumprimentos

José Carlos
jcsousa
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quarta dez 03, 2003 5:55 pm

Bem, a outra questão que eu queria abordar era sobre a última mensagem da Cristina: como você diz muito bem, cada cão é um cão, e dentro da mesma raça encontramos indivíduos com diferentes características. Compete ao adestrador avaliar o cão que vai treinar para saber com que tipo de estratégias poderá alcançar os melhores resultados. A dureza, têmpera, tenacidade, sensibilidade e capacidade de recuperação variam de cão para cão e é necessário, pelo menos no método tradicional, flexibilizarmos os vários tipos de reforço por forma a respeitar a natureza do animal e o seu ritmo de aprendizagem.
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