
A teoria da dominância está desesperadamente a necessitar de uma substituição. Schenkel protestou no instante em que a teoria foi usada para explicar a organização de lobos, mas por algum motivo, as pessoas ignoraram-no. Não demorou muito a que o mesmo mito fosse aplicado aos cães. Nem sequer podemos chamar a isto má aplicação da ciência, porque na realidade não é sequer ciência, afirma Alexandra Semyonova autora do estudo acerca da organização social canina(...) Muitos nomes notáveis em várias áreas do estudo do comportamento de cães e de lobos já publicaram vários estudos que clarificam a falácia da dominância e, acima de tudo, clarificam a ideia de que os cães não são lobos e não se comportam como lobos. O biólogo David L. Mech, considerado actualmente a autoridade máxima no estudo de lobos no seu ambiente natural, tem vindo gradualmente a tentar desfazer o que ele chama de algo mais do que um simples problema de semântica. A expressão Lobo Alpha, e toda a carga informativa que este traz com ela, não faz sentido. De acordo com o entendimento que se tem de como funcionam e se organizam as matilhas de lobos, não existe nenhum tipo de relacionamento confrontacional relacionado com a manutenção de uma hierarquia e os relacionamentos entre lobos são à base de manifestações de sinais de apaziaguamento e não de conflito. Segundo Mech: "Em vez de ver uma matilha de lobos como um grupo de animais organizados com um lider que lutou com todos até chegar a essa posição, ou com um par macho e fémea agressivos, a ciência entendeu que a maioria das matilhas de lobos são simplesmente familias, formadas exactamente da mesma forma que as familias Humanas se formam.
A comparação entre o comportamento dos nossos cães e o comportamento dos lobos é enganoso. Apesar do cão ser descendente do lobo, este ultimo mudou quase nada. Nós ao contrário, produzimos raças de todos os tamanhos e feitios(...) Os cérebros dos cães mudaram, são mais pequenos que os dos lobos. São motores inatos de padrões diferentes e motivações diferentes. "Um cão não é um lobo vestido de cão; é simplesmente um cão!" Diz Barry Eaton no seu livro " Dominance Fact or Fiction?".
O maior problema existente com o conceito da dominância é que este alimenta um relacionamento conflituoso e de disputa entre o animal e o seu dono, que por sua vez leva ao uso de métodos aversivos e técnicas coercivas(…) Estas técnicas estão documentadas no ultimo estudo recentemente publicado no jornal Elsevier de Ciência Aplicada ao Comportamento Animal, como um dos motivos principais para o desenvolvimento de agressões, medos e fobias nos cães, assim como no agravamento de problemas comportamentais.
A falta de informação e formação dos profissionais leva a que a dominância se torne numa justificação fácil para todo e qualquer comportamento que um cão exiba e possa ser problemático.
O treinador Barry Eaton, membro do Centro da Etologia Aplicada ao Animal de Estimação refere no seu livro (acima citado): A causa mais comum para a agressão é o medo.
Desde que a hierarquia linear foi postulada nos lobos, os donos de cães e treinadores excedem-se nos seus esforços em querer justificar todo e qualquer comportamento canino e interacção humano/canina em termos de “dominância”.
Os cães portam-se mal ou são desobedientes porque ninguém lhes mostrou quem é que manda. Tu deves ser o Alpha dentro da tua matilha. Para além de ser mais uma forma de justificar métodos de treino aversivos – implica que o cão supostamente passa as noites acordado a planear um “golpe de estado”, portanto é melhor que o mantenha no seu lugar com muita coerção. A dominância fornece explicações rápidas e simplistas para o comportamento canino, refere Jean Donaldson in “Culture Clash” Mesmo que existisse dominância nos cães, esta nunca poderia ser vista como uma característica que nasce com o cão. No mínimo, deveria ser vista como uma forma de interacção entre as mesmas espécies dentro de uma organização social.
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Por exemplo, arreganhar os dentes, levantar o pelo e rosnar são muitas vezes, erradamente, tidos como sinais de dominância, enquanto que são, na realidade, muitas vezes, sinais de medo – Muito provavelmente resultado directo de uma pessoa bater no cão. Da mesma forma os donos são avisados que marcar território com urina, montar as pessoas, roubar comida, saltar para cima das pessoas e contacto visual prolongado são também sinais de dominância pelos quais o cão deve ser castigado. Estes conselhos são errados, maus e confusos e tiram o divertimento todo de sermos “donos de cães”, diz o Dr. Ian Dunbar, médico Veterinário, treinador especialista em comportamento canino e autor de um estudo de 30 anos sobre organização social canina.
Morgan Spector, treinador desde 1989, escritor e vencedor de Campeonatos de Obediência afirma: “Nós iremos interagir melhor no comportamento e não na “atitude” dos nossos cães. Iremos interagir melhor se entendermos que o que nos deverá preocupar é o comportamento que o cão produz num dado momento”.
Um bom treino parte deste pressuposto e torna-se numa troca na qual o Humano diz ao cão: Dás-me o que eu quero e eu dou-te o que tu queres. O cão em retorno, aprende a “dizer” a mesma coisa ao Humano. Isto cria uma parceria benéfica na qual “dominância” é totalmente irrelevante. O condicionamento operante incorpora esta aproximação ou “parceria” simbiótica. O reforço positivo é o que nos permite dar ao cão o que ele quer, o que faz com que seja claro para o cão qual o comportamento que o Humano quer. Dominância não é tema.
