Criadores de cães para o Sec XXI

Este é o fórum dedicado exclusivamente ao melhor amigo do homem! Troque ideias e tire dúvidas sobre o cão.

Moderador: mcerqueira

TheOne
Membro Veterano
Mensagens: 3802
Registado: sexta fev 05, 2010 5:33 pm

terça nov 09, 2010 11:30 am

VascoDV Escreveu:É possivel sim colocar os custos...falem com o vosso contabilista e caso não o tenham...bem vocês dois posso dar-vos as indicações de como actuar. :wink: desconhecidos é que não...paguem a um TOC...
Obrigado pela ajuda, mas cá em casa só se criam ratazanas e moscas da fruta :lol:
"Eu sou responsável pelo que digo, não pelo que você entende." - Auto desconhecido

"O maior prazer de uma pessoa inteligente, é fazer de idiota perante um idiota a fazer de inteligente!" - Autor desconhecido
Vipdog
Membro Júnior
Mensagens: 16
Registado: sábado mai 28, 2005 12:35 am

quarta nov 10, 2010 2:56 pm

Raras vezes intervenho na Arca de Noé, e esta é uma das poucas. Primeiro, porque o tema me toca de perto; segundo porque é interessante e vale muito a pena; terceiro, porque ao contrário de muitos outros que cumprem as mesmas duas primeiras condições, está a ser conduzido e discutido de uma maneira séria.
Espero com este post contribuir de alguma forma para a troca de ideias, ao mesmo tempo que também contribua para esclarecer algumas imprecisões.
Vou tentar dividir o que foi debatido até agora em 4 assuntos, para melhor analisar e contribuir para o tema. Em cada assunto dividirei a análise em factos, e opinião pessoal.

Legislação sobre criação
Factos:
Está em vigor desde 2001, ou seja há quase uma década. Não “virá a existir”, já existe e há vários anos.
Procura estabelecer padrões mínimos de saúde e bem-estar – não sob uma perspectiva de “produção pecuária” extensiva, mas sim numa perspectiva de defesa desse mesmo conceito - saúde e bem-estar - em prol do que é criado – neste caso os cães.
Legislação semelhante existe na maioria dos países desenvolvidos.
Na União Europeia, existe de forma muito semelhante na maioria dos países membros.
Estabelece um conjunto de obrigatoriedades para quem quer dedicar-se à actividade de criação de cães, em nome da defesa dos direitos dos dois elos mais fracos: os cães - em primeiro lugar - e os compradores dos cães.

Opinião
È perfeita? Não, não é!
Pode ser melhorada e aperfeiçoada? Claro!
Como? Pela pressão efectuada nesse sentido pelos criadores, apontando as suas deficiências e limitações, e sugerindo soluções para os problemas. Na minha opinião, esse processo só pode ser eficaz se for feito por dentro do sistema, e não optando por permanecer à margem deste. Uma das razões pelas quais o processo de melhoramento lnormativo – necessário e expectável - tem corrido de forma tão lenta (para ser simpático, porque até agora foi quase inexistente…) é porque os criadores não têm peso no processo: basta ver a lista facultada no link fornecido por VascoDV, e compará-la com o nº de criadores e cães criados em Portugal (dados disponíveis no website da FCI). Ou seja, a esmagadora maioria dos criadores em Portugal opta ainda, quase uma década depois, por se manter à completamente à margem do processo.
A Lei existente destina-se a proteger os “criadores comerciais” em detrimento dos “criadores amadores”? Na minha opinião, não.
Estabelece um conjunto de boas práticas em termos de maneio – consensuais na esmagadora maioria dos países desenvolvidos, entre os criadores e associações cinológicas.
Estabelece um conjunto mínimo de instalações a possuir por quem se dedica à actividade. A maior parte das críticas à Lei recai precisamente sobre este ponto. Conheço pessoalmente algumas centenas de criadores e as suas instalações, em Portugal e no estrangeiro, e sou o primeiro a dizer que já vi quase de tudo, do muito bom ao muito mau. E concordo, como comecei por dizer, que se pode – e deve - melhorar a legislação existente. Chamo a atenção, todavia, que essa discussão deve ter por base o conhecimento técnico e o exemplo das boas praticas, e não o desconhecimento técnico e as más praticas.
O intuito deve ser melhorar, evoluir, e não apenas manter. Sobretudo, nunca piorar.

Fiscalização
Factos:
É praticamente inexistente. A prová-lo, está precisamente o nº total de ninhadas registadas, e o nº de ninhadas registadas provenientes de canis licenciados.
A pouca fiscalização existente incide sobre canis alvo de denúncia (ou seja a fiscalização é feita como acção reactiva e não como acção preventiva, fruto do trabalho dos órgãos fiscalizadores). É exemplo disso o recente encerramento de um canil na margem sul, sem qualquer tipo de condições… após interpelação ao Ministro da Agricultura na comissão de agricultura da Assembleia da República.
Incide sobre os canis já licenciados – ou seja PauloC1 acaba em parte por ter razão quando diz que “a fiscalização vai recair sobre os mesmos de sempre”. Bate-se à porta dos que estão na lista, e não às portas da lista que se deveria ter tido o trabalho de fazer. Resultado global das acções de fiscalização? Está tudo bem.
Para que serve a fiscalização? Para assegurar que o que está regulamentado é cumprido. Isto pode parecer um lugar comum, mas relembro que quem fiscaliza não faz Leis: em Portugal há uma clara separação, assegurada pela Constituição, entre o poder Legislativo e Administrativo.
Os órgãos fiscalizadores têm capacidade para exercer essa sua missão? Não têm. Não têm verba nem meios humanos para o fazer, e as acções de fiscalização incidem prioritáriamente em áreas mais sensíveis (qualidade alimentar, por exemplo).

Opinião:
Esperar que a fiscalização – em qualquer área – seja feita apenas por “agentes da autoridade” é uma utopia. Não é possível – nem desejável – que cada um de nós seja seguido por um fiscal. A fiscalização deve ser entendida como uma mera ferramenta para ajudar a corrigir flagrantes desvios à norma. No caso em apreço, a norma é quem “não cumpre” (propositadamente entre aspas), e não o contrário.
Fiquei sorridente com a estória do “pânico” da denúncia. Só terá entrado em pânico, certamente, quem ainda não percebeu não só que está em Portugal, como que as coisas não funcionam dessa maneira. O boato é uma arma poderosa, de facto. Mesmo quando é inverosímil. Imaginem. Por acaso (questão de dias) tive o 1º canil a ser legalizado. Denunciava. Imaginem que até fechavam todos os outros. Ganhava o quê com isso? Acham que teria capacidade para alojar todos os cães em férias do país? Ou que passaria por artes mágicas a criar cães da raça A à Z? Basicamente o que ganharia era uma carga de trabalhos, inimizade generalizada, e ainda por cima umas orelhas de burro por estar a fazer de graça o trabalho dos órgãos de fiscalização.
Tenho regularmente reuniões e troca de correspondência com a DGVet? Certamente. Procuro fazer parte da solução, e não parte do problema.
Chateia-me ser fiscalizado em média 2 vezes por ano? Não. Sinceramente, encaro as acções de fiscalização como uma auditoria de controle de qualidade, como uma maneira de poder ser corrigido este ou aquele pormenor onde se pode (logo deve) fazer melhor.
Alguma vez fui penalizado por uma acção de fiscalização?
Não. Tenho brio no que faço, ora essa!

Criadores e fiscalidade
Factos:
Em Portugal, e muito antes de se legislar sobre criação de cães, já existia a obrigatoriedade de se desenvolverem quaisquer actividades económicas a coberto da Lei. Isso implica portanto o registo da actividade económica, e o pagamento dos impostos devidos pela actividade. Quem não o o faz desenvolve uma actividade ilegal, punível civil e criminalmente conforme sejam infracções ou crimes. Não é portanto uma novidade. Vendem-se bens, paga-se imposto.

IVA
Só é cobrado IVA a partir de determinado valor de facturação. Ou seja, quem tem uma ninhada por ano, e vende os cães, dificilmente atingirá esse valor.
Se se cobrar IVA, há uma conta corrente de IVA, ou seja, o IVA entregue ao estado é a diferença entre o IVA gasto (alimentação, despesas veterinárias, instalações e ou a sua manutenção, água, electricidade, gás, telefone, acesso à Internet, gasóleo, inscrição em exposições, etc., etc. - basicamente, quase tudo, e quase tudo a 100%) e o IVA recebido aquando da venda de um cão.
O IVA recebido pode ter 3 taxas diferentes (inexistente – venda de cães para fora da UE - mínima ou máxima). Entre a taxa mínima e a máxima depende da maneira como é feita a factura e qual o objecto social e forma jurídica adoptada pelo criador. Faço notar que aqui não há “aldrabice”, há apenas o estrito cumprimento da Lei em vigor e uma escolha correcta das opções que a Lei permite.
A correcta abordagem e tratamento deste imposto permite ao criador poder sê-lo no estrito cumprimento da Lei, sem ser por ele penalizado.
O que conta como “despesas”, para efeitos de IRS ou IRC.
Mais uma vez, isto depende da forma jurídica adoptada pelo criador. O conselho dado de consultar um técnico oficial de contas é de facto o mais correcto: ele poderá dar um valioso conselho sobre qual a melhor opção a tomar, e fazer contas ao regime jurídico e fiscal mais favorável.
No meu caso, a opção escolhida permite contabilizar tudo. Com uma abordagem técnica e profissional a este tema, conseguem-se várias coisas:
Pode-se ser criador de cães e fazê-lo dentro da legalidade;
Pode-se ser criador de cães e ter contas racionais e equilibradas.

Opinião
Pagar impostos ou fugir aos impostos foge ao tema, mas deve ser aqui abordado.
Na minha opinião, para além de uma mera questão de cidadania, tem a ver também com outro factor que tem relevância pratica para um criador, o da seriedade. Parece-me difícil argumentar que a seriedade é compartimentada e estanque, ou seja que se pode ser muito sério numa área e ao mesmo tempo desonesto noutra. Ou seja, a credibilidade e seriedade do criador deve ser observada por diversos prismas em simultâneo, e o correcto cumprimento das obrigações fiscais deve ser uma delas.
Para todos os que acham que a criação de cães é um apenas um hobby e que nada tem a ver com um negócio (onde se tem que pagar impostos), respondo apenas, e há muitos anos, que concordo plenamente se o discurso for coerente com os actos. Criem então cães como hobby (como se fossem fazer canoagem ou modelismo, para dar dois exemplos) e não vendam cães. Ofereçam-nos. Nos hobbies não somos pagos quando realizamos a actividade. Fazemo-lo apenas porque nos dá prazer, e pagamos para isso.
No caso dos cães, é o mesmo. Ou se é amador – investimos na actividade apenas porque nos dá prazer – ou se é profissional – investimos na actividade e temos retorno do investimento feito (pagam-nos para podermos desenvolver a actividade – no todo ou em parte). Relembro algumas características que deve possuir um profissional em qualquer área: gostar do que se faz – motivação - ser competente – implica dedicação, conhecimentos e o continuo desejo de fazer melhor – ser eficiente – condição necessária para o êxito. Não serão características a almejar por um criador?
Falando de impostos em particular, e alicerçado na minha experiência pessoal, digo-vos que o pagamento dos mesmos não é um obstáculo para se ser criador. É mais uma tarefa a resolver? Com certeza. Impede a realização das outras? Não.
Mais, prefiro mil vezes pagar impostos do que não dormir descansado à noite, receando uma fiscalização das finanças. É que, ainda por cima, nesta área há registos de troca de propriedade (os registos no LOP) que são de consulta pública – inclusive para a DG de Impostos – e os crimes fiscais só prescrevem passados dez anos… Eis uma dor de cabeça que dispenso.


O meu posicionamento pessoal
Em termos de posição pessoal – ou seja vale o que vale e não pretende ser uma norma – cheguei há uns anos atrás a uma conclusão. Reparei que não era possível efectuar determinadas tarefas com a qualidade que pretendia dividindo esse tempo com outra actividade. Um exemplo disso era a sociabilização de cachorros, e o seu estímulo precoce para a aprendizagem. Uma janela muito curta de tempo, tendo chegado à conclusão de que só o poderia fazer melhor se trabalhasse em exclusivo com cães. Ajustei a minha vida em torno do que gostava, procurando fazê-lo de uma maneira racional, e onde as peças se encaixassem umas nas outras. Decerto haverá muitos outros caminhos a seguir, também eles correctos e com mérito.
O que importa é que em cada um deles haja respeito – pelos outros e também pelas regras – e seriedade – desejo de fazer melhor do que ontem, aprender com os erros, ter abertura para melhorar mais ainda e poder fazer melhor amanhã.
Não me interessa ser “produtor em massa”, porque penso que colide com o que entendo por “qualidade” e porque, em termos de negócio é um puro disparate: se o intuito fosse o lucro puro e simples, era muito mais fácil ir buscar cães às pázadas a um dos muitos países de leste, sem chatisses e com muito menos trabalho: ao menos não tinha sempre a casa e a roupa com pelo de cão!
E consegue-se achar um ponto de equilíbrio entre empenhamento, cães, cumprimento das regras e finanças pessoais? Na minha opinião, sim.


Peço desculpa pelo longo texto, e espero que tenha sido de alguma utilidade as duas horas que coloquei na sua escrita.
Um abraço para todos,

João Veiga da Fonseca

PS
Porque o assunto é sério e preocupante, apesar de sair fora do âmbito da discussão:
LFBM: Não se esqueceram de implementar a entidade que credencie. Isso já foi feito (Despacho n.º 7705/2010 da DGVet, Diário da República, 2.ª série — N.º 85 — 3 de Maio de 2010) de maneira pouco transparente e sem cumprir o que estava prescrito na Lei 315/2009, de 29 de Outubro. O processo, aliás, encontra-se em fase de conclusão (Isto funciona sempre de uma forma leeeenta e penosa…). Pelas informações de que disponho, resta saber se haverá algum treinador que esteja disposto a efectuar essa credenciação, se se vier a confirmar que será co-responsabilizado pelos actos futuros dos detentores e cães após o treino… mesmo que os detentores façam posteriormente tudo o que lhes foi dito para não fazer…
joanaduarte
Membro
Mensagens: 178
Registado: quarta fev 17, 2010 2:14 pm

quinta nov 11, 2010 1:11 am

Acho que uma intervenção destas merece um Muito Obrigado!

Obrigado pelo tempo que dispendeu, pela qualidade das informações e por, pelo que parece, ser merecedor de ser chamado de criador do sec XXI

Apenas uma pergunta: quando fala da legislação que regula a criação fala do decreto 276 de 2001, certo?

Cumps,
Joana
<a href="http://www.templardog.com">www.templardog.com</a>
LuluB
Membro Veterano
Mensagens: 5500
Registado: segunda set 28, 2009 2:53 pm

quinta nov 11, 2010 1:51 am

Excelente e esclarecedor!

Fazem falta na Arca textos com esta qualidade, muito obrigada por se ter dado ao trabalho de o elaborar.
<p>Ol&aacute;, eu sou a Bronkas de outros f&oacute;runs e aqui j&aacute; fui a LucNun. :mrgreen:</p>
<p>&nbsp;</p>
<p><strong>Cada vez me conven&ccedil;o mais que h&aacute; pessoas que t&ecirc;m o intestino ligado &agrave; testa.</strong> - "By" algu&eacute;m que tem ambas as coisas no seu devido lugar. :mrgreen:</p>
Vipdog
Membro Júnior
Mensagens: 16
Registado: sábado mai 28, 2005 12:35 am

quinta nov 11, 2010 10:18 am

Obrigado pelos simpáticos comentários.
Joana, é esse mesmo, o Dec.Lei; o que está em vigor (315/2003 de 17 de Dezembro) é precisamente o normativo que introduz alterações ao 276/2001.

João veiga da Fonseca
DrCasa
Membro Júnior
Mensagens: 39
Registado: domingo out 19, 2008 2:49 pm

domingo nov 14, 2010 10:11 pm

Muito bom mesmo excelso Sr.

Qualitativamente e substantivamente ainda não li nada neste fórum que chegue, humildemente, ao calcâneo deste trecho.

Para os inamovíveis digo eu! Pois perdido, aqui, num qualquer malogrado post em breve se tornará pérola para saciar a gula suína. E também porque há de haver muito boa gente que irá ter necessidade de o consultar nos tempos futuros.

E sim, valeu bem os tempo dispensado...
Bailleys
Membro Júnior
Mensagens: 32
Registado: segunda nov 08, 2010 2:46 pm

domingo nov 14, 2010 10:17 pm

Excelente intervenção, VipDog. :wink:

Obrigada.
Chamarrita
Membro Veterano
Mensagens: 3988
Registado: sábado jan 03, 2009 11:12 am
Localização: Chamarrita, Kyikoo & outros nobres felinos, cadelas e o ouriço Eugénio.

terça nov 23, 2010 3:28 am

só hoje vi este tópico! Muito bom, muito bom, e a intervenção do forista vipdog está ao nível da excelência! :D caramba, até estou... :o :lol:
Acredito na Paci&ecirc;ncia, na Persist&ecirc;ncia, no Pai Natal e no Poder do Fiambre!
VascoDV
Membro Veterano
Mensagens: 398
Registado: sábado out 23, 2010 1:38 pm

terça nov 23, 2010 8:10 am

Felizmente este tópico não foi estragado pelos defensores dos cães a 100 euros que foram expulsos ontem da arca
<strong>As verdadeiras conquistas, as &uacute;nicas de que nunca nos arrependemos, s&atilde;o aquelas que fazemos contra a ignor&acirc;ncia </strong>
Responder

Voltar para “Cães”