correio da manha
2005-03-20 - 00:00:00
Ciência - Biotecnologia aposta na criação de seres híbridos
Animais contra doenças
Parece um rato como qualquer outro, mas tem um cérebro especial onde
coabitam células animais e humanas. Um bicho diferente, criado por
uma equipa de cientistas da Universidade de Stanford, nos Estados
Unidos, que pretende ir ainda mais longe: gerar um rato com um
cérebro cem por cento humano.
O objectivo não é, segundo Irving Wiessman, director do Instituto do
Cancro, Células Estaminais e Medicina de Stanford, originar um rato
inteligente. Desenganem-se os que pensam que vai nascer um Stuart
Little de carne e osso. O mais provável, segundo os especialistas, é
que o rato nunca venha a desenvolver qualquer tipo de
características humanas. A ideia é dar origem a um tubo de ensaio
vivo, ou seja, criar um cérebro parecido com o humano, onde seja
possível descobrir mais sobre cancro, Alzheimer, Parkinson ou
esquizofrenia.
Mais um passo da ciência que, no entanto, já fez estalar a polémica
nos Estados Unidos. De um lado estão os que consideram que se está a
ir longe de mais ao esbater a fronteira entre humanos e animais. Do
outro, os que defendem que experiências como estas podem ser
determinantes para avanços no tratamento e até mesmo na descoberta
da cura para certas doenças.
Neste último grupo insere-se Carolino Monteiro, presidente do
Colégio de Biotecnologia da Ordem dos Biólogos e professor da
Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. "Temos que pensar é
que a ciência trabalha para o bem e o que se pretende é apenas criar
um modelo animal que permita fazer as experiências que não se podem
realizar em humanos, é criar estratégias para o desenvolvimento de
terapias."
potencialidade dos híbridos
A mistura entre mais do que uma espécie no mesmo corpo não é, de
todo, recente. Há muito que válvulas dos corações humanos têm sido
substituídas por outras retiradas de porcos. E esta cirurgia é
aceite consensualmente, levantando poucas ou nenhumas questões
éticas. "Por exemplo, a insulina para os diabéticos é feita com
bactérias que têm um gene humano", afirma Carolino Monteiro.
Mas a mistura entre células estaminais humanas e embriões de animais
é um tema que suscita maior preocupação e levanta mais dúvidas. "Na
prática, não se trata de criar um novo ser humano", explica Xavier
Malcata, presidente da Sociedade Portuguesa de Biotecnologia e
director da Escola Superior de Biotecnologia, da Universidade
Católica. "O princípio de colocar células humanas indiferenciadas
num meio de cultura especial, fora do ser humano, leva à
possibilidade de originar um tecido análogo ao humano. Na minha
opinião, o fim máximo vai ser conseguir criar órgãos capazes de
substituir aqueles que deixaram de funcionar."
No entanto, fica a pergunta: Será que se estão a ultrapassar os
limites da ciência? Carolino Monteiro arrisca uma resposta. "Não
sabemos até onde podem ir esses limites. Há 30 anos, a discussão
girava à volta dos transplantes. Ninguém aceitava receber um órgão
de outra pessoa e isso hoje é consensual. Os limites vão sendo
adaptados, têm a ver com os tempos e com as culturas."
QUIMERAS QUE A CIÊNCIA CRIOU
- A primeira experiência com quimeras – criaturas geneticamente
modificadas a partir da junção do ADN de espécies diferentes –
aconteceu há vários anos na Escócia, quando uma equipa de cientistas
fundiu os embriões de uma ovelha e de uma cabra. O resultado foi uma
criatura com cabeça de cabra e o corpo de uma ovelha.
- Na China, uma equipa de investigadores afirmou ter conseguido com
sucesso a fusão entre cromossomas humanos e óvulos de coelho. Hui
Zhen Sheng, da Universidade Médica de Xangai, afirmou ter criado,
com os colegas, 400 embriões híbridos, posteriormente destruídos, a
partir dos quais foi possível extrair células estaminais.
- Dos Estados Unidos vem outra novidade: porcos com sangue humano.
Investigadores da Mayo Clinic descobriram condições nas quais
células humanas e de porcos foram fundidas no organismo. No corpo do
animal circulava, ao mesmo tempo, sangue das duas espécies, num ser
híbrido, criado por mãos humanas.
BICHOS TAMBÉM FALAM
RATO FALANTE
O pequeno Stuart Little, o rato branco que andava, falava e agia
como um ser humano, é o personagem de um filme bem conhecidos entre
miúdos e graúdos. Irving Weissman, que se encontra a desenvolver nos
Estados Unidos um rato com cérebro humano, garante que o seu animal
não vai chegar aos limites da ficção. Mas vai dizendo que se forem
identificadas características humanas no ratinho, ele será, de
imediato, destruído.
ANIMAIS HUMANIZADOS
Nos anos 70, Jim Henson criava os Marretas, um conjunto de
marionetas em forma de animais que levavam uma vida humana, com
episódios possíveis de assistir através da televisão e mais tarde do
cinema. Momentos de ficção que os cientistas dizem que nunca se vão
tornar realidade. Mais recentemente, os amantes do cinema puderam
assistir ao filme `Um Porquinho Chamado Babe', onde, mais uma vez,
os animais agiam como gente.
NOS LIVROS
Não é só no cinema que os animais adquirem hábitos e características
humanas. Na literatura, são inúmeros os exemplos de obras que contam
histórias de bichos falantes e pensantes. É o caso de `O Triunfo dos
Porcos', de George Orwell, um livro que pinta o retrato de uma
sociedade em tudo semelhante à humana, onde os porcos assumem o
papel de liderança.
CONTOS DE FADAS
A literatura popular infantil está povoada de exemplos de animais
com características humanas. `Os Três Porquinhos', `O Capuchino
Vermelho', `O Gato das Botas' e até mesmo os contos de fadas, como
a `Cinderela', com um final feliz graças à ajuda preciosa de animais
que agem como gente.
Carla Marina Mendes