Veganismo e revolta

Histórias, sugestões e opiniões sobre a temática dos direitos animais em Portugal e no mundo...

Moderador: mcerqueira

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vegan2004
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sábado mai 08, 2004 4:48 pm

Como reacção à forma como os animais são tratados e àquilo que se passa nos matadouros, sentimentos muito fortes são compreensíveis e inteiramente justificados. Mas eu acredito que a nossa inabilidade – tanto pessoalmente como como um movimento – para lidar com a nossa revolta de uma forma construtiva é um dos maiores obstáculos ao avanço do movimento da libertação animal.

Com o passar do tempo, as pessoas tendem a lidar com a sua raiva de diferentes maneiras. Algumas voltam-se para os protestos e manifestações, algumas gritam, ou abraçam o ódio ou o sarcasmo. Outras afastam-se da sociedade e rodeiam-se apenas por pessoas que pensam da mesma maneira, olhando para a sociedade como uma grande conspiração contra o veganismo. Eu não acredito que qualquer destas atitudes faça muito por ajudar a sociedade a tornar-se mais compassiva.

Uma abordagem diferente é tentar manter um ponto de vista optimista e um sentido de humor. Desta forma é mais fácil continuar no activismo e evitar a atitude fundamentalista de “dono da verdade”, e também se torna possível interagir de forma positiva e construtiva com os outros.

Infelizmente, não existe nenhum caminho fácil para construir e manter um sentido de humor.

Uma sugestão é recordares-te sempre do teu objectivo final. No meu caso, é a diminuição do sofrimento. Se eu me permitir a mim próprio ser miserável por causa da miséria no mundo, estou a acrescentar mais sofrimento ao já existente no mundo. Mais fundamentalmente, eu estou a dizer que a não ser que a utopia seja imediatamente estabelecida, então não é possível ser feliz. Logo o meu objectivo é, à partida, irrealizável.

Para que alguma mudança se dê no mundo, temos de convencer os outros a pensarem para além de si próprios. Nós devemos estar dispostos a fazer o mesmo. Tal como nós queremos que os outros vejam para além da satisfação a curto prazo de seguirem hábitos e tradições, nós temos de avançar para além da nossa revolta para uma advocacia efectiva (e.g. avançar para além os gritos e dos cânticos para uma abordagem construtiva e educacional). Se eu alego que não posso ser feliz – que sou um escravo da minha situação – como posso eu esperar que os outros ajam de forma diferente?

Também é útil manter uma perspectiva histórica. Compreendo que não sou a primeira pessoa a indignar-se pelo estado das coisas no mundo. Posso aprender pelos erros e pelos êxitos daqueles que vieram antes de mim.

Poucas pessoas chegaram a uma visão iluminada do mundo por si próprios e de um dia para o outro. Precisei de mais de um ano após a minha exposição inicial a estas questões para me tornar vegetariano, e ainda mais depois disso para me tornar vegan. Se eu tivesse sido tratado com desprezo e raiva devido às minhas ideias feitas e racionalizações patéticas (em retrospectiva), certamente nunca me teria tornado vegetariano.

A minha história não é única. Não apenas ela mostra as desvantagens da raiva e os benefícios da paciência, como também mostra que não deves desistir dos teus amigos se eles não reagem à informação da forma que tu gostarias. Fugir dos teus amigos porque eles não adoptam imediatamente as tuas ideias vegan não apenas de afasta daqueles a quem precisas de chegar, como perpetua o estereotipo do infeliz fanático sem outra vida que não seja fazer queixas.

“Lutar” contra o sofrimento é a única maneira de construir um mundo melhor; criar felicidade e alegria como partes de uma vida ponderada e compassiva pode ser ainda um instrumento mais poderoso para promover a mudança.

Enquanto existir vida consciente na Terra, existirá sofrimento. A questão é o que fazer com a existência que foi oferecida a cada um de nós. Podemos escolher acrescentar a nossa própria fúria e sofrimento ao resto, ou podemos dar um exemplo ao simultaneamente trabalhar para aliviar o sofrimento e levar uma vida alegre, com significado, e preenchida.
deinhac
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domingo mai 09, 2004 4:34 pm

Olá vegan2004!

Gostei da tua mensagem, diz muitas verdades, de facto se nos tornarmos seres sisudos e infelizes por causa das desgraças do mundo, em nada estaremos a ajudar os outros e pior: estaremos a a desgraçar a nossa propria vida. Concordo contigo, que é necessario uma certa abstracção dos problemas, mas sabes, é uma barreira ténue e pouco nítida essa da posição que falas... quem sente compaixao pelos animais, dificilmente viverá a sua vida isento de angústias que surgem porventura. Isso depende de cada pessoa e da sua forma de sentir. Acontece o mesmo com um documentario sobre guerra: uma certa pessoa pode ve-lo e ficar deprimida nesse dia; outra pessoa que o veja pode ficar impressionada mas 10 minutos depois nem se lembra e está na boa. É muito relativo.

Falo por mim, é-me dificil separar dessa angustia quando confrontada com algo que me impressiona...o mal é todo meu... :?
Madonna
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segunda mai 10, 2004 3:54 pm

Olá Vegan2004 ;)

Gostei muito da tua intervenção. Concordo em pleno, mas nem sempre somos capazes dessa força que descreves :?

Como diz a deinhac, é muito difícil abstrairmo-nos da angústia que sentimos. Controlar a revolta e por vezes, palavras mais hostis, talvez seja uma realidade mais alcançável.
Essa paz interior, não é possível, pelo menos na minha perspectiva. Eu posso até aprender a conviver com princípios que se opõem aos meus, mas não consigo esquecer o sofrimento dos animais nos matadouros, os gritos do porco, nas matanças, o transporte doloroso dos animais, enfim.

Em relação aos amigos, eu costumo dizer: a família, nós não podemos escolher, mas os amigos, sim.
A prioridade, não é que sejam vegetarianos, porque aliás, já conheci um vegan, completamente parvo. Mas nunca poderia ser amiga de alguém que não nutrisse os mesmos sentimentos que eu, pelos animais e muito menos, que os desrespeitasse à descarada. Estamos a falar de amizade e não de conhecimento superficial. Como se costuma dizer: antes só, que mal acompanhada.
A nossa integridade, acima de tudo. A convicção séria dos ideais que acreditamos e defendemos, no meu entender, é para toda a vida… até morrer! Nada, mas nada, me move daí.

De qualquer das formas, a minha esperança, eu deposito-a toda nas gerações seguintes. Será uma evolução natural.
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