"...Quase todos os dias nos cruzamos com animais abandonados, famintos, de olhar triste, que nos seguem na esperança de serem adoptados.
Foi o que me aconteceu, há tempos, em Lisboa, quando ao longo de vários dias fiz o mesmo percurso. Um cachorro saltava à minha volta e, de início, não percebi se pedia festas, comida ou alguém que tomasse conta dele. Ao terceiro dia convenci-me de que se tratava de um cão desprotegido.
Alimentei-o e decidi entregá-lo numa instituição que recolhe animais abandonados. Tinha conhecimento de que era um local onde seria bem cuidado e onde quase todos os dias apareciam pessoas dispostas a adoptar alguns dos que, diariamente, vão sendo recolhidos pela cidade. O cachorro que encontrara na rua facilmente arranjaria dono: era novo, meigo, e aparentava ser saudável.
À entrada da instituição cruzei-me com uma senhora que vira sair de um Mercedes, conduzido por um motorista fardado. Trazia uma cadela Cocker Spaniel presa a uma trela.
Enquanto aguardávamos atendimento os nossos cães cumprimentaram- se e nós trocámos algumas palavras de circunstância. A cara daquela mulher não me era estranha. Depois de algum esforço consegui identificá-la: era um membro do governo.
Quando a funcionária se aproximou justificou o abandono da sua Ritinha: o marido não gostava de cães e ela não tinha vida para a aturar. Os filhos teriam um grande desgosto, mas haviam de recuperar.
Percorri aquele espaço que ainda não conhecia. Cerca de mil cães e centenas de gatos. Muitos deles velhos, cegos, coxos e doentes. A minha aproximação suscitou alguma agitação. Todos pediam festas, todos queriam uma pequena atenção. Evitei fixar os seus olhos tristes.
Foi durante aquela visita que me cruzei com Maria do Rosário. Sentada num recanto, a senhora de oitenta e nove anos, tinha a seu lado um cão de porte médio, castanho, tão velho como ela. Partia bolachas ao meio e metia-lhas na boca. Entre cada bolacha acariciava-lhe a cabeça, passava-lhe a mão trémula pelo dorso e falava com ele.
Fiquei uns minutos a olhar, discretamente, aquela cena ternurenta. Não queria perturbar a intimidade daquele momento, mas aproximei-me.
- O Bobi é o meu único amigo e tive de me separar dele. Vivo num terceiro andar sem elevador e nem as minhas pernas nem as dele aguentavam andar para baixo e para cima sempre que ele precisava de fazer as necessidades. E também já não podia cuidar dele como devia ser. Somos os dois muito velhos e doentes. Não tenho família e quando se chega aos oitenta e nove anos perde-se tudo até os amigos. Venho visitar o meu Bobi todos os Domingos. A cidade está mais calma. É a altura em que todos ou quase todos os passageiros viajam sentados nos transportes públicos. Já não aguento a confusão dos outros dias. Ninguém imagina o que eu e este animal estamos a sofrer, mas não encontrei outra solução para as nossas vidas que estão a chegar ao fim.
Os seus olhos baços, marejados de lágrimas, olhavam-me em jeito de súplica.
Uma voluntária da instituição, minha conhecida, aproximou-se e ofereceu-se para levar Maria do Rosário a casa. Despedi-me à pressa. Não me sentia com coragem de presenciar a separação daqueles amigos.
O olhar de profunda dor de uma mulher velha, solitária e tão abandonada como aqueles animais, foi uma visão horrível da qual não me consigo libertar.
É porque há tantas Marias do Rosário, tantos Bobis e tantos olhos marejados de lágrimas que fui obrigada a partilhar esta vivência que já não cabia no meu coração..."
(Maria Leonarda Tavares)
Quando o único amigo é um cão...
Moderador: mcerqueira
é uma história triste,mas mesmo assim obrigada por a partilhar, nao consigo evitar ficar triste sempre que leio ou vejo abandono de animais, animais na rua, animais maltratados...
custou-me muito entrar no canil para escolher um, apenas um, e deixar ficar para tras tantos outros animais que merecem a mesma dignidade e carinho que o meu Lord tem, sinto-me impotente com isto...resta ajudar como se pode...enfim...
custou-me muito entrar no canil para escolher um, apenas um, e deixar ficar para tras tantos outros animais que merecem a mesma dignidade e carinho que o meu Lord tem, sinto-me impotente com isto...resta ajudar como se pode...enfim...
marta
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Comovente!
Quanto á senhora do governo: não teria condições financeiras para contratar alguém para tomar conta do bichinho? ou até mesmo coloca-lo num hotel?
Espero que a cocker tenha sido adoptada por alguém que lhe dê todo o carinho (como a minha foi) e espero que a senhora idosa possa continuar a fazer as suas visitas ao Bobi ou que alguém leve o Bobi até ela.

Quanto á senhora do governo: não teria condições financeiras para contratar alguém para tomar conta do bichinho? ou até mesmo coloca-lo num hotel?
Espero que a cocker tenha sido adoptada por alguém que lhe dê todo o carinho (como a minha foi) e espero que a senhora idosa possa continuar a fazer as suas visitas ao Bobi ou que alguém leve o Bobi até ela.
<p>"Se acreditasse na imortalidade, acreditava que muitos cães iriam para o céu, e poucas pessoas também." - James Thurder</p>
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- Localização: Blacky e Spock canitos SRD'S, Blue-gata x-siamesa,Mateus-gato srd


<p><a href="http://www.refugiodaspatinhas.org/">htt ... /</a> <a href="http://www.abra.org.pt/html/index.php"> ... p</a> <a href="http://lojinhasaast.blogspot.com/">http ... ot.com/</a> <a href="http://www.animaisderua.org/">http://ww ... nbsp; <a href="http://www.liberta-me.org/">http://www. ... /</a> <a href="http://ajudaalimentaranimal.blogspot.co ... rmelha.com http://ajudaalimentaranimal.blogspot.com</a> <a rel="nofollow" target="_blank" href="http://qoasmi.hi5.com/">http://qoasmi.h ... nbsp; <a href="http://ocantinhodamilu.net">http://ocantinhodamilu.net</a></p>
Há muitas opções neste mundo para que não hajam Marias do Rosário. Não vale a pena chorar, podemos todos ajudar outras pessoas e um dia a nós próprios. Vejam este exemplo e podem abrir já uma conta.
http://www.graal.org.pt/projectos/BdT/bancodetempo.htm
Talvez não tenha nada a ver com a ideia de abertura do tópico mas acredito que há sempre uma alternativa melhor do que a exclusão e a perca. Basta procurar.
http://www.graal.org.pt/projectos/BdT/bancodetempo.htm
Talvez não tenha nada a ver com a ideia de abertura do tópico mas acredito que há sempre uma alternativa melhor do que a exclusão e a perca. Basta procurar.

<p> Até Sempre... A questão não é, eles pensam? Ou, eles falam? A questão é, eles sofrem! </p>
<p>Tourada não é tradição, é crueldade- Assine aqui, divulgue e ajude a acabar com esta violência</p>
<p>Tourada não é tradição, é crueldade- Assine aqui, divulgue e ajude a acabar com esta violência</p>
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- Membro Veterano
- Mensagens: 306
- Registado: sexta set 09, 2005 1:36 pm
História emocionante e triste.
Apesar de ser da opinião que na maior parte das vezes existem sempre outras opções á exclusão, neste caso especifico nota-se sofrimento e solidão.
São tristes estas histórias mas neste caso também tem à mistura muito amor.
Os animais são extraordinários e não há amor maior que o deles.
Esperemos que casos como este e outros infelizmente bem piores não existissem.
Bjs
Apesar de ser da opinião que na maior parte das vezes existem sempre outras opções á exclusão, neste caso especifico nota-se sofrimento e solidão.
São tristes estas histórias mas neste caso também tem à mistura muito amor.
Os animais são extraordinários e não há amor maior que o deles.
Esperemos que casos como este e outros infelizmente bem piores não existissem.
Bjs
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- Mensagens: 2
- Registado: sábado mai 31, 2008 10:45 am
Sim , qse mesmo sem palavras! Permita me que divulgue mais e partilhe mais! Uma vivência que sem dúvida merece ser partilhada por muitas mais pessoas! Quem sabe um dia esta HUmanidade seja mais HUMANA para com os animais e com os idosos... e já agora, ficou com o cachorro?
;-P

;-P
milord Escreveu:"...Quase todos os dias nos cruzamos com animais abandonados, famintos, de olhar triste, que nos seguem na esperança de serem adoptados.
Foi o que me aconteceu, há tempos, em Lisboa, quando ao longo de vários dias fiz o mesmo percurso. Um cachorro saltava à minha volta e, de início, não percebi se pedia festas, comida ou alguém que tomasse conta dele. Ao terceiro dia convenci-me de que se tratava de um cão desprotegido.
Alimentei-o e decidi entregá-lo numa instituição que recolhe animais abandonados. Tinha conhecimento de que era um local onde seria bem cuidado e onde quase todos os dias apareciam pessoas dispostas a adoptar alguns dos que, diariamente, vão sendo recolhidos pela cidade. O cachorro que encontrara na rua facilmente arranjaria dono: era novo, meigo, e aparentava ser saudável.
À entrada da instituição cruzei-me com uma senhora que vira sair de um Mercedes, conduzido por um motorista fardado. Trazia uma cadela Cocker Spaniel presa a uma trela.
Enquanto aguardávamos atendimento os nossos cães cumprimentaram- se e nós trocámos algumas palavras de circunstância. A cara daquela mulher não me era estranha. Depois de algum esforço consegui identificá-la: era um membro do governo.
Quando a funcionária se aproximou justificou o abandono da sua Ritinha: o marido não gostava de cães e ela não tinha vida para a aturar. Os filhos teriam um grande desgosto, mas haviam de recuperar.
Percorri aquele espaço que ainda não conhecia. Cerca de mil cães e centenas de gatos. Muitos deles velhos, cegos, coxos e doentes. A minha aproximação suscitou alguma agitação. Todos pediam festas, todos queriam uma pequena atenção. Evitei fixar os seus olhos tristes.
Foi durante aquela visita que me cruzei com Maria do Rosário. Sentada num recanto, a senhora de oitenta e nove anos, tinha a seu lado um cão de porte médio, castanho, tão velho como ela. Partia bolachas ao meio e metia-lhas na boca. Entre cada bolacha acariciava-lhe a cabeça, passava-lhe a mão trémula pelo dorso e falava com ele.
Fiquei uns minutos a olhar, discretamente, aquela cena ternurenta. Não queria perturbar a intimidade daquele momento, mas aproximei-me.
- O Bobi é o meu único amigo e tive de me separar dele. Vivo num terceiro andar sem elevador e nem as minhas pernas nem as dele aguentavam andar para baixo e para cima sempre que ele precisava de fazer as necessidades. E também já não podia cuidar dele como devia ser. Somos os dois muito velhos e doentes. Não tenho família e quando se chega aos oitenta e nove anos perde-se tudo até os amigos. Venho visitar o meu Bobi todos os Domingos. A cidade está mais calma. É a altura em que todos ou quase todos os passageiros viajam sentados nos transportes públicos. Já não aguento a confusão dos outros dias. Ninguém imagina o que eu e este animal estamos a sofrer, mas não encontrei outra solução para as nossas vidas que estão a chegar ao fim.
Os seus olhos baços, marejados de lágrimas, olhavam-me em jeito de súplica.
Uma voluntária da instituição, minha conhecida, aproximou-se e ofereceu-se para levar Maria do Rosário a casa. Despedi-me à pressa. Não me sentia com coragem de presenciar a separação daqueles amigos.
O olhar de profunda dor de uma mulher velha, solitária e tão abandonada como aqueles animais, foi uma visão horrível da qual não me consigo libertar.
É porque há tantas Marias do Rosário, tantos Bobis e tantos olhos marejados de lágrimas que fui obrigada a partilhar esta vivência que já não cabia no meu coração..."
(Maria Leonarda Tavares)


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- Registado: quinta set 25, 2008 8:10 am
- Localização: Oscar, Rufas, e todos os outros que já passaram pela minha casa e aqueles que irão passar...
Apetece-me chorar...mas a verdade é que há tantas historias assim...e outras de quem abandona os animais porque largam pelo, ladram... a vida é muito injusta!