AmigodoOscar Escreveu:Tassebem Escreveu:Para além de tudo o mais, o AmigodoOscar tem muito sentido de humor e um jeitão para escrever.
Olá Tassebem
Ainda bem que gostou do post, mas devo-lhe dizer que a história é mesmo trágica, a cama queijo não recuperou. Nem vai recuperar. Aos males do físico adicionam-se as maleitas do coração, e por muito que o seu físico se tenha deformado, é no coração que se encontra a sua maior mágoa.
Neste momento, está ali, num canto da sala, a servir de almofada ao Óscar, e a sofrer em silêncio. Os seus olhos estão presos no vazio, estão distantes e sem expressão. Recorda com mágoa todas as horas, e tantas foram, que passou a trocar olhares, primeiro envergonhados, depois, progressivamente, mais atrevidos, com a máquina de lavar roupa. Aquele electrodoméstico grande, branco e zarolho, corpo robusto de linhas rectas, trocava-lhe completamente as voltas, eriçava-lhe os pelos todos.
Nos últimos tempos já não conseguiam disfarçar. De manhã, quando os donos chegavam a cozinha, lá estava ele, óculo meio aberto, e ela ali, bem juntinho à sua paixão. E os humanos, insensíveis ao seu esforço, de fio a fio, linha a linha, toda a noite sofrer para atravessar a divisão, lá a puxavam para o outro canto, dizendo umas coisas como “porque é que o Óscar leva a cama para perto da máquina de lavar…” - mal eles sabiam.
Depois o electrodoméstico começou a sussurar-lhe umas coisas ao ouvido: “anda comigo”, “deixa-me dar-te umas voltinhas”, ou, um bem mais atrevido e que a deixou como se tivesse sido tingida: “ponho-te toda molhada”. E se ela primeiro fazia que não ouvia, pouco a pouco lá foi cedendo aos seus avanços.
Tudo mudou no dia em que o viu num programa longo com a carpete. Sentiu-se traída, pensou que morria, que se ia desfiar para ai num canto qualquer até ser comida pelas traças. Mas depois mudou. Pensou que a vida era curta, e que ela também havia de dar a sua voltinha. Pelo menos a 30 graus. E viveriam felizes para sempre. Ele de branco, ela sempre lavadinha.
Pouco a pouco começou a puxar os pelos do Óscar. Haviam de ser tantos destes que os humanos teriam mesmo de ajudar estes amantes a consumar o seu amor. E assim foi.
De tudo isto ela se lembra. O resto prefere mesmo esquecer. Afinal, ele não foi o cavaleiro branco com que ela sonhava, não a salvou e antes a fez perder-se. Depois de tanto romantismo, demonstrou-se um bruto, o que ela não estava minimamente à espera. Parecia ligado à corrente, e estava mesmo. Ainda começou bem, ela perguntou-lhe se ele tinha protecção, ele segredou-lhe docemente ao ouvido “Skip Sensitive Pearls”, mas depois começou logo a meter água e ela sentiu um arrepio nas costuras, naquele momento já não podia recuar.
Tinha sonhado com um programa tipo tecidos delicados, mas ele só pensou em si e avançou implacável para a centrifugação a 1200 rotações por minuto. Os seus gritos de socorro eram abafados pela sons do esforço que ele fazia. Ela pensou que ia morrer, ele pensava em cumprir o ciclo. Depois estaria pronto para mais umas voltinhas, já tinha ouvido qualquer coisa sobre uma manta que era para arrumar e umas toalhas de banho que precisavam de ficar bem fofinhas. Remorsos? Não, desde que a tinha visto que sonhava em dar-lhe uma trinca no queijo, mas sem compromissos, que ele não era máquina de uma carga só.
Como o final foi triste, a cama prefere esquecer-se. Vamos ficar por aqui. Mas que não foi bonito, isso não foi. Ainda hoje se sente traída. E torcida. Ao menos já secou as lágrimas, mas parecia que nunca ia parar de pingar.
PS – Obrigado pelo elogio ao Óscar e ao dono. Felicidades.