
Aqui está um tópico sobre o gato doméstico onde poderemos debater muitos temas relacionados.
Reproduzo, com a devida vénia, uma parte da Enciclopédia do Gato Royal Canin, Volume 1, págs. 30-33 (2007).
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O gato doméstico, incontornável e eterno
Eis o gato mais popular e o mais comum! Dos 8 milhões de gatos estimados no território francês, apenas 2 a 3% – o que representa aproximadamente 200 000 animais – são de raça (Persas, Siameses, Birmaneses…). O gato doméstico representa a maior parte da espécie felina! Mas este grande número não se traduz necessariamente numa maior atenção por parte dos seres humanos, bem pelo contrário. O gato doméstico deve a sua primazia à sua formidável resistência – enfrentou inúmeras provações ao longo da sua história, que ainda subsistem actualmente – e sobretudo à quase inexistência de qualquer controlo de natalidade.
Livre e sem valor monetário
O gato doméstico é o mais livre de todos. Contudo, essa liberdade tem um preço. De uma forma geral e comparativamente aos gatos de raça, recebe menos cuidados uma vez que os seus proprietários (termo a aplicar de forma muito desprendida) não dão grande importância nem às suas ausências nem aos progressos feitos na área da investigação veterinária, quer ao nível da saúde ou da alimentação deste animal. Não é verdade que desde há séculos que este animal está acostumado a desenvencilhar-se sozinho ou a contentar-se com as sobras?
O gato doméstico não possui um valor monetário. É um gato que não se compra, é oferecido ou adoptado. Muitas vezes, é ele que escolhe espontaneamente instalar-se em casa de alguém. Para muitos proprietários, os gatos domésticos não representam qualquer responsabilidade financeira. Não se preocupam em vaciná-los ou tatuá-los, em prestar-lhes cuidados de saúde, muito menos em castrar os gatos ou esterilizar as gatas.
E, no entanto, gostamos dele
Paradoxalmente, o gato doméstico suscita nos verdadeiros donos uma paixão muitas vezes exclusiva: «Prefiro os gatos domésticos aos gatos de raça, tal como prefiro as pessoas normais aos modelos da Chanel», afirmava o escritor Remo Forlani com um humor implacável. E não é o único!
Ter um gato doméstico em casa é uma tradição familiar que muitos não conseguem evitar. Apreciam nele o gosto pela independência, o desembaraço lendário e o seu aspecto rústico e vigoroso. Gostam também da sua originalidade, uma vez que dois gatos domésticos nunca são iguais. É o gato por excelência, sem vaidades nem disfarces físicos ou morais. Se um belo dia perderem o seu companheiro, terão o reflexo de procurar um sucessor entre os da sua raça.
Um progenitor esquecido?
No final do século XIX, com a realização das primeiras exposições felinas na Grã-Bretanha e mais tarde em França, compostas fundamentalmente por Persas (que substituíram os Angorás), Siameses, algumas espécies selvagens como o Margay, e também por gatos domésticos seleccionados em função da sua beleza, as mentalidades evoluíram um pouco. No entanto, dever-se-á dizer que apenas alguns burgueses gostavam de mostrar o seu gato em público!
Pouco a pouco, o gato doméstico, sem origens conhecidas e portanto sem pedigree, viu-se afastado dessas actividades mundiais em proveito das novas raças muito mais exóticas e valorizadas. Mas, se pudéssemos regressar ao cume da árvore genealógica dos nobres pequenos felinos, ou até a alguns ramos intermédios, deparar-nos-íamos com humildes gatos domésticos dos quais herdaram uma coloração ou uma pelagem específica.
Raças tão curiosas como os Rex ou o Scottish Fold nasceram no campo e provêm de ninhadas de gatos domésticos! A pelagem «tabby» do Siamês ou do Birmanês, que habitualmente se designa por «tabby point», é proveniente do gato doméstico! A cor tartaruga galhardamente envergada pelos Persas também tem a sua origem nos «gatos comuns»! O mesmo se passa com a pelagem bicolor. E o que fica para os gatos domésticos? A honra, insuficientemente reconhecida, de ter contribuído para a criação ou melhoramento da maior parte das raças de gatos, especialmente daquela que deles deriva directamente, a raça Europeia.
Desenganem-se em relação a um ponto importante: o gato de raça Europeu não é um gato de raça indeterminada. Portanto, é incorrecto chamar os gatos domésticos de gatos Europeus.
O Europeu e o gato doméstico
O standard para o gato Europeu foi elaborado com base nas características comuns do gato doméstico. O padrão da Federação Internacional Felina (FIFe) especifica em particular que: «O gato Europeu ideal nunca deve ser cruzado com outra raça. A sua criação deve basear-se no facto de que se trata de um animal robusto, flexível e que, do ponto de vista anatómico, não é diferente do gato doméstico europeu.» Mas dever-se-á também ter em conta que o gato doméstico, contrariamente ao Europeu, não se enquadra em nenhum standard, não sendo obrigado a obedecer a qualquer critério específico. A sua pureza raramente é demonstrável, sobretudo hoje em dia com a multiplicidade das raças. Assim se explica que por vezes os donos de um gato com uma pelagem semilonga estejam convencidos que o animal poderá descender do Gato dos Bosques da Noruega ou do Maine Coon, sobretudo quando é tigrado, ou do Angorá turco, quando é unicolor. Na população dos gatos domésticos, é frequente encontrar um padrão siamês (muitas vezes misturado com manchas brancas), facto plausível se ambos os progenitores forem descendentes de Siameses. No entanto, este gato não pode ser considerado um Siamês puro.
A raça mais antiga do mundo
E não terá ele orgulho por ser simplesmente um gato doméstico belo e perfeito? Não é um facto que se trata da raça mais antiga do mundo?
Os Americanos e os Ingleses conseguiram resolver o problema. O gato americano equivalente ao Europeu denomina-se American Shorthair (Americano de pêlo curto), e o equivalente britânico tem o nome de British Shorthair (Britânico de pêlo curto). Tal como o gato Europeu (na realidade, um termo bastante impreciso), ambos os animais têm origem no gato doméstico.
Mas tanto os Ingleses como os Americanos conseguiram seleccionar as duas raças de gatos, sem que estas se prestassem a tantas confusões como em França. É verdade que o American Shorthair e o British Shorthair, tal como existem na actualidade, já nada têm a ver com o modelo de base. O problema do Europeu é, sem dúvida, o facto de ter permanecido muito mais próximo. Porque não imaginar então que a raça do Gato Europeu, finalmente livre de qualquer mestiçagem resultante da aparição de novas raças, poder-nos-ia fazer recuar no tempo e aproximar-nos do gato doméstico original, na época em que este era o único e indispensável representante da espécie felina?
Que temperamento!
É difícil avaliar o temperamento de um gato doméstico, porque este é tão fantasista como a sua aparência. Uns são mais calmos, outros mais extrovertidos, silenciosos ou pelo contrário «tagarelas», sociáveis ou ariscos, mais ou menos carinhosos. O seu lema é «Gosta de mim tal como sou, porque sou imprevisível!». Em contrapartida, não tenha dúvidas que adorará caçar: é a sua verdadeira natureza de gato. Algumas pessoas pensam que um gato doméstico não se adapta à vida num apartamento. No entanto, ele habitua-se ao novo meio da mesma forma que um gato de raça. Procure reorganizar o interior da sua casa em função do novo morador: como os gatos adoram trepar, é necessário proteger a sua mobília. Arranje um poste para arranhar, proporcionando-lhe longos momentos de brincadeira na sua companhia.
O seu gato doméstico em exposição
E porque não expor o seu gato doméstico junto dos seus nobres confrades? Foi-lhe mesmo atribuída uma categoria: a classe dos «gatos de casa». Para poder concorrer, o gato deverá ser esterilizado, saudável, fácil de manipular (com um carácter agradável) e ter um aspecto simático. Tente a sua sorte, pois o seu gato poderá proporcionar-lhe o prazer do pódio, tal como um gato de uma estirpe mais nobre!
Os seus momentos de glória
Em 1935, um veterinário do Havre, o dr. Adrien Loir, fundou o clube do gato «rateiro» da Normandia no intuito de melhorar e preservar as qualidades do Gato de França, que na época também se designava por Gato Francês. Este caçador de ratos era apreciado pela forma agressiva como eliminava a bicharada existente nas docas do porto de Havre, o que permitia grandes economias. Outras instituições, como a rede ferroviária francesa, os grandes armazéns, as fábricas de seda de Lion, o Palácio Bourbon em Paris e o Museu de História Natural do Havre utilizaram também, e com muito êxito, os serviços destes felinos «rateiros». O dr. Loir tinha esperança que as proezas deste animal fossem reconhecidas, e escreveu: «Não se deveria atribuir ao gato o mérito de ser reconhecido como um animal de utilidade pública?» Infelizmente, o seu sonho não se realizou!
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