O cão tanto pode criar vícios como traumas. O vício, normalmente, provém de uma coisa que lhe agrada e que, sendo repetida, lhe cria o hábito ou o vício. Se o levarmos sistematicamente à rua à mesma hora, ele fixa essa hora como se tivesse um BigBen na cabeça e, mesmo que não necessite de ir, ele não larga a pessoa até lhe satisfazer … o vício (chamesmo-lhe assim). A única forma de lhe contrariar o vício é trocar-lhe as voltas, levando-o a horas trocadas para ele tirar a cisma.
O trauma é diferente, normalmente provém de algo que o incomodou, sem que para tal a situação tenha que ser repetida. Para ilustrar a ideia, vou descrever dois traumas que os meus cães têm.
O Guga receia as criancinhas à volta dos três anos ou por aí. Receia-as quando elas se metem com ele de forma exuberante. Isto deve-se a um episódio que se passou quando ele era ainda um cachorrinho com poucos meses (meio ano, por aí). Uma vizinha nossa veio cá a casa e trouxe a filha, a Inês, que tinha cerca de dois a três anos. Ela gostou do cachorro e pôs-se a andar atrás dele à volta da mesa, simulando que lhe queria bater com um brinquedo. Ela corria e ele fugia dela e, na altura, a cena era mais ou menos cómica e eu não dei qualquer importãncia ao assunto.
A partir daí, notei que ele ficava todo encolhido, cheio de medo, quando alguma criança se aproximava ou passava por nós na rua. Inicialmente, eu não relacionava a reacção dele às crianças com a Inês. Mas um dia, encontrámos mesmo a Inês e ela, naturalmente , de forma efusiva e simpática, quis-lhe fazer uma festa e ele rosnou-lhe.
Não havia dúvidas.
O que merece reflexão é que presentemente, com 12 anos, ele continua a ter muito respeitinho pelas crianças pequenas. Quando elas se aproximam e os pais me perguntam se a criança lhe pode fazer uma festa, eu fico encavacado e com mais medo do que o Guga pela criança. Nunca houve problemas, ele nunca mais rosnou, mas continua a ficar desconfiado e encolhido. Sabe-se lá o que vai naquela cabecinha... e se a criancinha resolve dar uma chapada ao cão? Sim, porque muitas criancinhas são mesmo brutinhas...
Resta dizer que este trauma em relação às criancinhas só se verifica com o Guga. Tanto o Kiko como também o Fozzy acei tavam-nas tranquilamente.
O trauma do Kiko é diferente e só posso tentar adivinhar a causa, porque não a presenciei. O Kiko tem medo de alguém que passe perto de nós de bengala, de canadianas ou mesmo de guarda-chuva. Quando saímos aqui fora à rua, como o passeio é bastante estreito, as pessoas passam umas rente às outras. É certo e sabido, quando se aproxima alguém de bengala, ele tenta sempre afastar-se o mais possível e eu tenho que o amarrar bem com a trela. Deve ter sido alguém que lhe deu uma bengalada sem eu dar conta...
A partir daí, passei a observar melhor os transeuntes. Xiiii, anda tanta gente de bengala ou de canadianas, nunca tinha reparado que havia tantos aleijadinhos. E quando param no passeio a conversar e o da bengala ou do guarda-chuva se põe a gesticular com o objecto? É mesmo caso para o Kiko se borrar todo de medo, tadinho.
