quinta abr 26, 2012 6:08 pm
E é verdade. A bipata tinha tanto que fazer, mas tanto que nem lhe passava pela cabeça a manhã atribulada que iria ter quando, pela fresquinha, veio aqui debitar dislates, como se a vida fosse um mar de rosas e nada de mau se anunciasse nesta ditosa 5ª. feira, 26 de Abril de 2012.
Depois de postar a carta para a Rita, esta bipata dedicou-se à sua rotina, lavar o pátio, tratar dos gatos, dar a refeição matinal ao Ernesto, fazer camas, etc. Entretanto, o meu marido despachou-se antes de mim e levou as habituais cadelinhas a passear. Voltou e enquanto eu acabava de tomar banho e de me vestir, levou lá atrás ao terreno as pequenas Alzira e Telma.
Ouvi o barulho de um prato a cair no chão da cozinha e meio vestida fui ver o que se passava: a querida VyVy tinha aberto a porta da cozinha e ido comer a comida, em lata, dos gatos.
Fechei a porta da cozinha à chave e voltei para o meu quarto para acabar de me vestir. Quando terminei , e me dirigia à casa das traseiras para enfiar umas meias e outra roupa no cesto da roupa suja, constatei que a menina VyVy se me tinha adiantado, aberto a porta de comunicação e que vários deles (muitos e até a ceguinha Tess) tinham fugido para o campo. O J, claro, já vinha de volta, e apanhando uns e chamando outros, conseguimos que voltassem todos, de imediato, para casa. Com uma excepção: a VyVy, que desapareceu completamente. E aí começou a saga.
Chamámos e tornámos a chamar e nada de VyVy. Armados de um cajado para nos apoiarmos, devido ao acidentado e periculosidade do terreno, explorámos a área até onde podíamos e nada de VyVy. O J meteu-se no carro e percorreu toda a zona circundante em busca da VyVy. Nada. Enervadissimo, claro, já fora dele, cansadíssimo e cheio de dores no peito, porque a zona é cheia de dificuldades, armadilhas, poços destapados, buracos e moitas cerradas onde ela poderia ficar presa pela coleira ou engolir lixo perigoso para lá lançado. Basta pensar na morte inglória e estúpida do Sansão para avaliar quão graves podem ser as consequências, se um animal ingerir algo que por ali esteja.
Entretanto, eu continuava no terreno das traseiras, com capim até à cintura, em risco de me estampar e de partir um qualquer membro, braço ou perna ou ambos. Soprei no ultra-sons até perder o fôlego a chamar pela VyVy. Ao fim de mais ou menos uma hora, avistei a VyVy, impávida e serena, cirandando em volta de umas silvas. Para lá me encaminhei, sempre em risco de dar uma queda, e quando estava próximo , a VyVy resolveu ir-se embora. E assim andámos, eu tentando aproximar-me, pondo em risco a minha integridade física, ela esquivando-se e escafedendo-se nas moitas. E então, a certa altura, ao fim de duas horas deste inferno, exausta, pensei para mim: que se lixe, estou-me nas tintas, já não tenho idade para isto, não quero ir parar ao hospital por causa deste animal, não vou prejudicar todos os outros por causa da VyVy. Que volte quando quiser e se quiser.
E desistimos.
Fomos dar de comer aos outros, que protestavam porque já passava muito da hora habitual.
Quando acabámos, voltei às traseiras, metendo-me de novo pelos brejos para ver se a enxergava. Nicles. Regressei. Passados alguns minutos, o J abriu a porta de comunicação para ir lá atrás e vê passar um meteorito amarelo sujo para dentro de casa à velocidade da luz. Era a VyVy com uma coleira que, de início era vermelha, mas cujo tom era, agora, castanho escuro, bem como o focinho e grande parte da cabeça, dando a sensação que tinha ficado presa nalgum buraco ou toca.
O desejo do meu marido era castigá-la fisicamente; opus-me liminarmente. Por norma, não bato em cães e, de resto, estava tão aliviada por a ver sã e salva, que nem me apetecia castiga-la. Fui-lhe dar de comer, que ao fim de três horas na boa-vai-ela, vinha esganada.
Nós, quando nos sentámos à mesa para almoçar, estávamos completamente de rastos.
Desta vez passa, e espero que não volte a acontecer. Até porque, a partir de agora, quando algum de nós for lá para trás fechará a porta à chave (já o fazíamos, mas só quando íamos os dois ao mesmo tempo).
Mas se, mesmo assim, tal situação vier a ocorrer de novo, por muito que goste da VyVY, darei a mão à palmatória e reconhecerei que não tenho capacidade para continuar a cuidar de um animal cujo único anseio parece ser o de fugir. Não só por ela, mas também por nós. Uma enorme responsabilidade. Não podemos pôr em risco a nossa saúde por causa da VyVy, em detrimento de todos os outros, que cá estão e que precisam de nós.
Ao longo destes dois anos, temos feito tudo o que é possível para que ela seja um animal feliz. Dou, com ela e com a Liza, passeios diários de hora e meia, a pé (e que passeios! Sempre no comprimento máximo da trela e sempre a puxar, tão grande é a sede, o desejo de liberdade. Chego a casa toda desconchavada, mas até aceito isso bem); durante esses passeios, sobe e desce, e escava, e mete-se pelos arbustos e fareja tanto quanto lhe apetece. Nos limites dos 5 metros da trela faz o que ela quer. Tem companheiros para brincar e um pátio, não muito grande é certo, mas onde pode correr, tem boa alimentação, boas camas para dormir (a minha, de facto). Do meu ponto de vista, não há razão para que ela queira escapar-se. Mas isto sou eu, claro, que sou uma humana pouco inteligente. Na óptica dela, todas as razões são válidas para se pôr a milhas. O vento, o cheiro a coelhos, as toupeiras, que é exímia a desenterrar, os ratinhos, os passarinhos (ainda anteontem apanhou um, minúsculo). E dado o talento com que a Providência a dotou para abrir portas, fá-lo com a maior das facilidades, quando nos apanha desprevenidos.
<p>Au début, Dieu créa l'homme. Mais en le voyant si faible, il lui fit don du chien. (Toussenel)</p>