Não me intitulo de criador. Para mim um criador é quem já criou algo visível e reconhecido pela raça que cria. Considero-me um reprodutor / aprendiz de criador, pois não criei ainda o meu 1º campeão (e provavelmente estou ainda muito longe disso).
No entanto já fiz algumas ninhadas, cujos cachorros foram vendidos ou dados.
Vários têm sido o tipo de donos dos meus cachorros.
Há aqueles que nunca mais dão cavaco. Há aqueles que acabam por se tornar amigos íntimos de verdade. Aqueles que “assim assim” e infelizmente um ou outro com quem fico “piurso” por não tratar convenientemente os cães (que criei).
Chegando a extremos, há aqueles que gastaram 600 contos para safar um cão de uma doença e aqueles que deixam as moscas comer-lhe as orelhas.
Na ninhada do ano passado tive algumas dificuldades em vender as fêmeas que estavam em maioria. Três dessas cachorras estiveram expostas para venda na “mostra de ninhadas da Batalha” em paralelo com a Expo Nacional Canina.
Fui abordado por várias pessoas sobretudo no domingo, mas com todo o stress da expo em si, nem consegui fixar todas as pessoas que me abordaram. No entanto retive um comentário: - Estes são huskys com hormonas!
Perante tal comentário, esclareci que não se tratavam de huskys mas sim de malamutes e fiz um breve historial da raça, bem como se tratavam de raças diferentes, explicando as diferenças.
Passado duas semanas, telefonou-me uma pessoa que tinha estado na Batalha (da qual já não me lembrava) para saber se ainda tinha alguma das cachorras, dizendo que era aquele que pensava que os malamutes eram huskys com hormonas.
Veio cá a casa no mesmo dia com a namorada e a cunhada de 11 anos.
Para espanto meu a miúda de 11 anos tinha fobia a cães mesmo pequenos.
Disse para comigo: Isto está bonito!
Depois de alguns “avanços e recuos”, não é que a pequena já andava agarrada ao meu fang?
Pensei: - Bem, este pessoal não conhece a raça, mas pelo menos já ganhei o dia. Alguém já perdeu a fobia de cães!!
Com a conversa, fui-me apercebendo de que se tratavam de pessoas algo tímidas. Ele de 22 anos a trabalhar numa pedreira e ela de 17 a estudar, com namoro controlado” ao segundo” pelos pais.
No entanto, tratavam-se de pessoas que mostravam muita curiosidade em conhecer a raça (que reconheciam nunca ter ouvido falar), embora sem grandes efusões.
Tivemos 3 horas de conversa que não deu para mais, pois o “namoro controlado” estava a findar.
No dia seguinte voltaram. Mais conversa e contacto com os cães e cachorros.
Timidamente, ele disse se poderia pagar uma das cachorras em duas vezes.
Concordei, e escolhi uma das melhores da ninhada. Como residiam relativamente perto, tinha oportunidade de acompanhar a cachorra. Obtive imediatamente o acordo de esta poder a vir ser exposta em ring, caso se justificasse.
Cedi cassetes vhs e publicações sobre a raça como apoio.
Lá foram todos contentes com a cachorra.
Na 1ª visita a casa para observar o desenvolvimento do animal, verifiquei que o alojamento onde estava durante o dia era um pouco reduzido. Também constatei não serem pessoas com muitas posses.
No fim de semana seguinte já tinha um canil com o triplo do tamanho.
Muito antes do combinado, pagaram o restante da cachorra. A namorada “estudante” fez um pé de meia da mesada e fizeram questão de liquidar a dívida.
Mais uma visita e mais alguns acertos sobre trelas e controle do animal. A curiosidade, embora tímida, estava lá.
Das rações que recomendei após aquela que a cachorra estava a comer, optaram pela 2ª mais cara do mercado.
Todas as anotações que fiz em relação á supervisão veterinária (alem do ultimo reforço de vacinas), foi cumprido á risca.
Na exposição de VFX, fizeram questão de estar presentes com a cachorra para ver o pai em concurso (mesmo sob pena de levarem “raspanete” por causa do tal “namoro controlado”).
>> Hoje fiz mais uma visita durante a tarde.
Está tudo a correr bem. Estivemos a analisar a cadela morfologicamente e fizemos uns treinositos de trote e stay.
Enquanto me “extravasava” com pormenores técnicos, fui-me apercebendo que o dono da cachorra ia olhando para o relógio.
A certo ponto, ele pede-me desculpa e diz:
- Está a ficar tarde e ela tem que ir dar o passeio dela, os 4 Km pela serra a que se está a habituar.
Engoli em seco, passei com a mão pelo canto do olho direito que começou a ficar húmido, despedi-me um pouco á pressa e entrei no carro.
Disse para comigo:
- Toma lá que já levaste!
A porra da humidade no olho direito tornou-se lágrima teimosa.
Ao fim de 500 m parei o carro, dei uma palmada no volante, abri os braços enquanto a sacana da lágrima teimava em cair do olho direito e disse:
- fo**-*e! ( Com todas as letras porque sou do campo!!) Assim vale a pena!!!! Mesmo que esta cadela não vá ser uma show dog, pelo menos tem um DONO preocupado com ela enquanto cão que é!!!
Pelos 30 km até a casa e enquanto brigava com a porra da lágrima (porque até sou alérgico a lamechices), fui meditando nalgumas coisas:
- Será o nivel económico, social e cultural do dono o mais importante para o bem estar de um cão?
- Será que o nível de conhecimentos á partida do novo dono em relação a cães é assim tão importante? Ou será a vontade de aprender?
- Será que se deve preferir experts insensíveis ou sensíveis inexperientes mas com vontade como futuros donos dos nossos cães?
- E mais uma série de coisas que me ocorreram... sem importância...
Mas o mais curioso disto tudo é porque é que a porra da lágrima só atacava o olho direito (eu até nem sou do PP). Acho que tenho que ver o que se passa com o olho esquerdo...
PS: Isto das lágrimas não é frequente.
Devo andar carente...
