Doberman n obedece

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Moderador: mcerqueira

lds6
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quinta abr 24, 2014 12:21 pm

zeca2 Escreveu: Concordo que o problema da agressividade por medo é um factor que pode ter explicação em transmissão genética do medo. Mas também pode resultar de traumas ocorridos na manipulação do cachorro, sobretudo (mas não só) durante a fase de imprinting.
Como é óbvio! Não podemos nunca chegar ao extremo de achar que só os genes influenciam e determinam. Creio que em momento algum alguém disse algo do género.

E, Zeca, não é só a agressividade por medo. Aliás, não é só na agressividade. Já se disse que o comportamento, enquanto tal, não é transmissível por herança genética. Mas a forma como um determinado comportamento ocorrerá com mais facilidade ou mais dificuldade, a forma como a sua aprendizagem é mais lenta ou mais rápida, a forma como um cão gosta mais ou menos de um determinado comportamento, tudo isso tem o seu peso de herança de traços genéticos.
Por muito que queira, nunca vai conseguir (ou dificilmente, para salvaguardar aquele caso muito particular que alguém conheceu em tempos) pôr um Rottweiler a correr mais rápido do que um Malinois da mesma idade (que não tenha problemas de maior); e isso é o quê? Determinação do meio?
Não é comportamento, pois não. Mas vai ter influências na forma como determinados comportamentos e mesmo certos traços de "personalidade" poderão ser determinados.
zeca2
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quinta abr 24, 2014 3:51 pm

Por muito que queira, nunca vai conseguir (ou dificilmente, para salvaguardar aquele caso muito particular que alguém conheceu em tempos) pôr um Rottweiler a correr mais rápido do que um Malinois da mesma idade (que não tenha problemas de maior); e isso é o quê? Determinação do meio?
Penso que não escolheu adequadamente o exemplo... as características morfológicas, ao contrário das psicológicas, são fortemente transmissíveis por via genética.

Por outro lado, o comportamento em si mesmo evolui e fixa-se em função das circunstâncias ambientais. O ponto de partida é o temperamento que, segundo os referidos estudos, e à excepção do medo, é apenas transmissível genèticamente no que concerne à normalidade.
lds6
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quinta abr 24, 2014 9:10 pm

zeca2 Escreveu:
Por muito que queira, nunca vai conseguir (ou dificilmente, para salvaguardar aquele caso muito particular que alguém conheceu em tempos) pôr um Rottweiler a correr mais rápido do que um Malinois da mesma idade (que não tenha problemas de maior); e isso é o quê? Determinação do meio?
Penso que não escolheu adequadamente o exemplo... as características morfológicas, ao contrário das psicológicas, são fortemente transmissíveis por via genética.
Mas existem dúvidas de que características morfológicas afectam determinados comportamentos, influenciam a forma como algumas apetências comportamentais se desenvolvem?

Volto a dizer (já lhe perdi a conta) que a questão não se prende com a transmissibilidade de traços específicos, mas com a influência que disposições genéticas têm em certos comportamentos.

Para não complicarmos mais: Zeca, consegue entender esta distinção entre transmissibilidade directa e influência?
Por outro lado, o comportamento em si mesmo evolui e fixa-se em função das circunstâncias ambientais. O ponto de partida é o temperamento que, segundo os referidos estudos, e à excepção do medo, é apenas transmissível genèticamente no que concerne à normalidade.
E o que é a "normalidade"?

Quarta e última questão, que me parece ter resposta naquilo que acabou de dizer, mas para que fique bem claro: segundo o que o Zeca pensa, os traços de comportamento são APENAS determinados/influenciados pelo meio e pela aprendizagem?

Pedia-lhe o favor de responder a estas quatro questõezinhas.

Cumprimentos
zeca2
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sexta abr 25, 2014 10:00 am

Se reparou no que tenho escrito, a minha intervenção referiu-se à hereditabilidade da agressividade (tout court...).
Volto a dizer (já lhe perdi a conta) que a questão não se prende com a transmissibilidade de traços específicos, mas com a influência que disposições genéticas têm em certos comportamentos.

Para não complicarmos mais: Zeca, consegue entender esta distinção entre transmissibilidade directa e influência?
Consigo.
E o que é a "normalidade"?
Se ler com atenção o post do LF Gomes, tem lá a resposta clarinha como água.
segundo o que o Zeca pensa, os traços de comportamento são APENAS determinados/influenciados pelo meio e pela aprendizagem?
Não. O carácter de um cão é, como já disse, determinado pela influência ambiental exercida sobre o temperamento com que ele nasce.

Só encontrei estas 3 questões no seu post. Dir-me-á qual é a quarta.
lds6
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sexta abr 25, 2014 3:08 pm

zeca2 Escreveu:Se reparou no que tenho escrito, a minha intervenção referiu-se à hereditabilidade da agressividade (tout court...).
Se calhar, até reparei bem demais, e reparei em dois pontos, um implícito e outro explícito, nos quais o Zeca referir-se-á a algo mais.

1. A sua intervenção surge numa altura em que se estava simplesmente a falar da influência dos genes no comportamento e não, simplesmente, da sua transmissibilidade directa. A questão em cima da mesa era muito circunscrita: há ou não influência dos genes no comportamento em geral, e, em específico, no possível desenvolvimento de agressividade.
Ora, se a sua intervenção surge rebatendo a importância da genética no comportamento, depreende-se que se esteja a insurgir contra a influência dos genes. Talvez não estivesse a fazê-lo, mas talvez, nesse caso, devesse ter sido mais explícito acerca do ponto que queria focar, em vez de, uma vez mais, querer apenas ter pegado em um ou outro ponto de ataque...

2. Mas, pronto, se o ponto 1. leva para questões implícitas, que podem ser sempre rebatidas por um "não era isso que eu queria dizer", vamos para um ponto, este agora, explícito. A dada altura, o caro Zeca refere:
"à excepção do medo, a influência genética de outros desvios comportamentais não está comprovada (pelo menos por estudos que eu conheça). Daí ser mais curial admitir que sejam transmitidos por aprendizagem.
Ora, para já, o Zeca refere-se, explicitamente, à influência dos genes, e não apenas, como diz agora, à hereditabilidade "tout court".
Em segundo lugar, na frase sublinhada, o Zeca procede ao raciocínio que tenho estado, desde início, a rebater. Qualquer coisa do tipo: se não há transmissão genética directa de um traço comportamental, então esse traço é determinado apenas e só por aprendizagem, sem influência da genética.

Isto é o que, se repararmos bem, o Zeca diz de forma bem explícita.

E, quanto a isso, eu volto a dizer o que já disse antes, assim digamos que vezes demais: o facto de não haver transmissibilidade directa de um dado traço genético não significa que não haja influência de componentes genéticas nesse mesmo traço; outras características que são inequivocamente parte do património genético influenciam o modo como um determinado traço comportamental se vai desenvolver.

Separar vincadamente genética de aprendizagem (não digo que o Zeca o faça, mas algumas intervenções suas vão nesse sentido) é um erro grosseiro. Até porque, como já disse lá bem atrás, a própria aprendizagem, ou a forma como esta se desenrola, é determinada por predisposições genéticas; bem como o património genético é actualizado/efectivado consoante o percurso de educação e interacção com o meio.

E o que é a "normalidade"?
Se ler com atenção o post do LF Gomes, tem lá a resposta clarinha como água.
Não, não é assim tão claro. Primeiro, não era claro que o Zeca se estivesse a apoiar na definição de tipo axiomático («entendamos...») referido no post da LFGomes. Logo aí, a clareza não é tanta.
Depois, a própria definição, concordemos, não é assim tão clara. Eu posso continuar a perguntar: e o que são problemas psicofísicos? Vamos andar de pergunta em pergunta até, muito provavelmente, chegarmos a uma convenção de base, e que, calculo eu, será a convenção presente nos estalões de cada raça, correcto?
Pronto, era aí que eu queria chegar, quando lhe perguntei o que será a "normalidade". Ora, o que é a normalidade, Zeca, senão padrões ou guias gerais acerca de traços desejáveis de predisposição genética para a formação do temperamento e consequente formatação de níveis desejáveis de reactividade ao meio, isto é, um grau mais ou menos fiável de previsão do tipo de resposta aos estímulos que o meio irá apresentar?
Ora, nada mais do que o próprio Zeca disse quando deu a sua última resposta. Falemos dela:
segundo o que o Zeca pensa, os traços de comportamento são APENAS determinados/influenciados pelo meio e pela aprendizagem?
Não. O carácter de um cão é, como já disse, determinado pela influência ambiental exercida sobre o temperamento com que ele nasce.
Pronto. Complicar para quê, quando a questão inicial apenas esta?
Só para completar. A acção de influência é bidireccional. Não só o ambiente vai moldar e influenciar o que vem com o temperamento, como o temperamento vai determinar a forma como cada indivíduo vai reagir aos estímulos que lhe surgem e a forma como cada indivíduo vai interagir e intervir com o meio que ele próprio ajuda a construir.

Só encontrei estas 3 questões no seu post. Dir-me-á qual é a quarta.
A quarta questão era , na verdade, a primeira. É só procurar pelo primeiríssimo ponto de interrogação desse meu post.

-----

Por fim, voltando à questão de uma ou duas páginas atrás. Qual é a dificuldade em compreender a importância do factor genético no desenvolvimento, em geral, de traços de comportamento do cão, e, em específico, em problemas como os da agressividade?
Ao contrário do que se chegou a dizer ao longo do longo off-topic: não, problemas como a agressividade não têm exclusiva dependência da aprendizagem.

Um abraço, Zeca.
ElMariachi
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sexta abr 25, 2014 9:02 pm

lds6 Escreveu:
zeca2 Escreveu:Se reparou no que tenho escrito, a minha intervenção referiu-se à hereditabilidade da agressividade (tout court...).
Se calhar, até reparei bem demais, e reparei em dois pontos, um implícito e outro explícito, nos quais o Zeca referir-se-á a algo mais.

1. A sua intervenção surge numa altura em que se estava simplesmente a falar da influência dos genes no comportamento e não, simplesmente, da sua transmissibilidade directa. A questão em cima da mesa era muito circunscrita: há ou não influência dos genes no comportamento em geral, e, em específico, no possível desenvolvimento de agressividade.
Ora, se a sua intervenção surge rebatendo a importância da genética no comportamento, depreende-se que se esteja a insurgir contra a influência dos genes. Talvez não estivesse a fazê-lo, mas talvez, nesse caso, devesse ter sido mais explícito acerca do ponto que queria focar, em vez de, uma vez mais, querer apenas ter pegado em um ou outro ponto de ataque...

2. Mas, pronto, se o ponto 1. leva para questões implícitas, que podem ser sempre rebatidas por um "não era isso que eu queria dizer", vamos para um ponto, este agora, explícito. A dada altura, o caro Zeca refere:
"à excepção do medo, a influência genética de outros desvios comportamentais não está comprovada (pelo menos por estudos que eu conheça). Daí ser mais curial admitir que sejam transmitidos por aprendizagem.
Ora, para já, o Zeca refere-se, explicitamente, à influência dos genes, e não apenas, como diz agora, à hereditabilidade "tout court".
Em segundo lugar, na frase sublinhada, o Zeca procede ao raciocínio que tenho estado, desde início, a rebater. Qualquer coisa do tipo: se não há transmissão genética directa de um traço comportamental, então esse traço é determinado apenas e só por aprendizagem, sem influência da genética.

Isto é o que, se repararmos bem, o Zeca diz de forma bem explícita.

E, quanto a isso, eu volto a dizer o que já disse antes, assim digamos que vezes demais: o facto de não haver transmissibilidade directa de um dado traço genético não significa que não haja influência de componentes genéticas nesse mesmo traço; outras características que são inequivocamente parte do património genético influenciam o modo como um determinado traço comportamental se vai desenvolver.

Separar vincadamente genética de aprendizagem (não digo que o Zeca o faça, mas algumas intervenções suas vão nesse sentido) é um erro grosseiro. Até porque, como já disse lá bem atrás, a própria aprendizagem, ou a forma como esta se desenrola, é determinada por predisposições genéticas; bem como o património genético é actualizado/efectivado consoante o percurso de educação e interacção com o meio.

E o que é a "normalidade"?
Se ler com atenção o post do LF Gomes, tem lá a resposta clarinha como água.
Não, não é assim tão claro. Primeiro, não era claro que o Zeca se estivesse a apoiar na definição de tipo axiomático («entendamos...») referido no post da LFGomes. Logo aí, a clareza não é tanta.
Depois, a própria definição, concordemos, não é assim tão clara. Eu posso continuar a perguntar: e o que são problemas psicofísicos? Vamos andar de pergunta em pergunta até, muito provavelmente, chegarmos a uma convenção de base, e que, calculo eu, será a convenção presente nos estalões de cada raça, correcto?
Pronto, era aí que eu queria chegar, quando lhe perguntei o que será a "normalidade". Ora, o que é a normalidade, Zeca, senão padrões ou guias gerais acerca de traços desejáveis de predisposição genética para a formação do temperamento e consequente formatação de níveis desejáveis de reactividade ao meio, isto é, um grau mais ou menos fiável de previsão do tipo de resposta aos estímulos que o meio irá apresentar?
Ora, nada mais do que o próprio Zeca disse quando deu a sua última resposta. Falemos dela:
segundo o que o Zeca pensa, os traços de comportamento são APENAS determinados/influenciados pelo meio e pela aprendizagem?
Não. O carácter de um cão é, como já disse, determinado pela influência ambiental exercida sobre o temperamento com que ele nasce.
Pronto. Complicar para quê, quando a questão inicial apenas esta?
Só para completar. A acção de influência é bidireccional. Não só o ambiente vai moldar e influenciar o que vem com o temperamento, como o temperamento vai determinar a forma como cada indivíduo vai reagir aos estímulos que lhe surgem e a forma como cada indivíduo vai interagir e intervir com o meio que ele próprio ajuda a construir.

Só encontrei estas 3 questões no seu post. Dir-me-á qual é a quarta.
A quarta questão era , na verdade, a primeira. É só procurar pelo primeiríssimo ponto de interrogação desse meu post.

-----

Por fim, voltando à questão de uma ou duas páginas atrás. Qual é a dificuldade em compreender a importância do factor genético no desenvolvimento, em geral, de traços de comportamento do cão, e, em específico, em problemas como os da agressividade?
Ao contrário do que se chegou a dizer ao longo do longo off-topic: não, problemas como a agressividade não têm exclusiva dependência da aprendizagem.

Um abraço, Zeca.
Bom post :wink:

Alías, uma boa troca de ideias (e de ideais) entre os 2. Está a ser interessante ler este tópico!

Pedro
zeca2
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sábado abr 26, 2014 10:05 am

Dois pontos prévios:

O lsd tem tendência a fazer interpretações livres das minhas afirmações... seria bom que deixasse que fosse eu a explicitar o teor das mesmas.

O que motivou o meu primeiro post foram afirmações do tipo "cruze uma cadela agressiva com um macho agressivo e vai ver o berbicacho que arranja" como se isso comprovasse a determinação genética da agressividade.

Posto isto:

1. Segundo o lds, a questão está nos "traços desejáveis de predisposição genética para a formação do temperamento". Ora, sabendo-se que o temperamento não se forma, na medida em que nasce com o cachorro, a que "traços" se refere o amigo? Níveis instintivos diferentes e inatos? Características físicas hereditárias que contribuam para essa formação? Confesso que estranhei o exemplo do rotweiler dado pelo lds, mas talvez queira citar mais alguns (de ordem estrutural, claro) para a sua posição ser mais clara.

2. Eu, como interessado no tema mas não me considerando especialista, tendo a acreditar nas produções científicas como as do Scott e do Fuller, que o (a?) LF Gomes aqui nos trouxe, e que julgo não terem até ao momento sido contraditadas.

3. Daí que concorde com a teoria da transmissibilidade genética da normalidade de temperamento, entendendo esta como ausência de desvios importantes à norma (à excepção do medo, como demonstraram Scott e Fuller).

Quer isto dizer que a normalidade é assim tipo carimbo, imutável e não gradativa nas suas manifestações? Evidentemente que não: o contrário seria admitir que todos os cachorros teriam o mesmo ponto de partido em termos de carga instintiva e de qualidades psicológicas. Mas aqui entra a manipulação e os factores ambientais, com uma influência mais decisiva (no meu entender) que a bagagem genética do cachorro. A utilização de "mães adoptivas" é uma prova que respalda esta convicção.

Abraço, lds
zeca2
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sábado abr 26, 2014 2:36 pm

Mas existem dúvidas de que características morfológicas afectam determinados comportamentos, influenciam a forma como algumas apetências comportamentais se desenvolvem?
Levanta-me fortes dúvidas esta sua afirmação. Pedia-lhe que exemplificasse, assim como definisse claramente o que são "apetências comportamentais".
lds6
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segunda abr 28, 2014 5:50 pm

zeca2 Escreveu:Dois pontos prévios:

O lsd tem tendência a fazer interpretações livres das minhas afirmações... seria bom que deixasse que fosse eu a explicitar o teor das mesmas.
Foi com o cuidado de não fazê-lo que peguei numa afirmação sua onde, de forma explícita, dizia aquilo em que tenho estado a pegar ao longo de toda a discussão.
O que motivou o meu primeiro post foram afirmações do tipo "cruze uma cadela agressiva com um macho agressivo e vai ver o berbicacho que arranja" como se isso comprovasse a determinação genética da agressividade.
Tem razão. Mas o problema é que o Zeca rebateu essa inferência com a ideia de que "se não é determinada geneticamente, então é transmitido por aprendizagem", o que é igualmente abusivo de se concluir.


1. Segundo o lds, a questão está nos "traços desejáveis de predisposição genética para a formação do temperamento". Ora, sabendo-se que o temperamento não se forma, na medida em que nasce com o cachorro, a que "traços" se refere o amigo?
Não se forma? Ui. Então o que se passa, uma geração espontânea e imediata, a-processual? O facto de algo ser inato quer dizer que não há formação desse algo? Antes do indivíduo nascer, existem diversos processos de formação de variadíssimos traços. Quando se fala em formação, não se fala necessariamente naquilo que se passa depois do nascimento. Logo, o facto de um dado traço ser inato não implica ausência de formação desse traço.

Seja como for, o temperamento não é assim tão imutável ao longo da vida de um cão, como é óbvio. Basta só definirmos com precisão o que é que consideramos traços de temperamento. Penso que aspectos como calma, afabilidade, predisposição para actividade, etc. farão parte desses traços. Ora, como me parece óbvio, tudo isto é maleável ao longo da aprendizagem de um cão...
a que "traços" se refere o amigo? Níveis instintivos diferentes e inatos? Características físicas hereditárias que contribuam para essa formação? Confesso que estranhei o exemplo do rotweiler dado pelo lds, mas talvez queira citar mais alguns (de ordem estrutural, claro) para a sua posição ser mais clara.
Penso ser claro, tendo em conta o contexto de onde retirou essa ideia, que me refiro a traços considerados desejáveis dentro do estalão de cada raça, físicos ou de temperamento.
2. Eu, como interessado no tema mas não me considerando especialista, tendo a acreditar nas produções científicas como as do Scott e do Fuller, que o (a?) LF Gomes aqui nos trouxe, e que julgo não terem até ao momento sido contraditadas.
Em primeiro lugar, o que a LFGomes nos trouxe aqui foi um curto artigo que usa os estudos de Scott e Fuller como base para uma argumentação própria, o que é bem diferente de apresentar os estudos originais, cuja extensão e complexidade sairiam completamente do âmbito de uma discussão como esta.
Em segundo lugar, e só ao nível das conclusões mais lineares, existem estudos mais recentes que apontam para a possibilidade real de «selecção de traços comportamentais» na criação, bem como estudos que apontam para a "afectação directa" da selecção em traços como o medo e a agressividade.

Em terceiro lugar, e mais importante do que tudo, pois é aqui que se prende o foco da nossa discussão, não está em causa se a agressividade é transmitida directamente pelos genes dos seus progenitores. Está em causa a influência que a herança genética tem no comportamento do indivíduo. Está em causa a ideia de que não é APENAS a aprendizagem e o meio que vão ditar o comportamento do indivíduo, e o próprio Zeca já o disse. É só isto.
3. Daí que concorde com a teoria da transmissibilidade genética da normalidade de temperamento, entendendo esta como ausência de desvios importantes à norma (à excepção do medo, como demonstraram Scott e Fuller).

Quer isto dizer que a normalidade é assim tipo carimbo, imutável e não gradativa nas suas manifestações? Evidentemente que não: o contrário seria admitir que todos os cachorros teriam o mesmo ponto de partido em termos de carga instintiva e de qualidades psicológicas. Mas aqui entra a manipulação e os factores ambientais, com uma influência mais decisiva (no meu entender) que a bagagem genética do cachorro. A utilização de "mães adoptivas" é uma prova que respalda esta convicção.
Nem mais.
Só ressalvaria dois pontos.
1. O facto de dizer que tem uma "influência mais decisiva do que a bagagem genética" é admitir que existe uma influência dessa mesma bagagem genética. Pouca ou muita, ela existe. E isso é completamente diferente do que dizer-se que o comportamento ou a agressividade nada devem à componente genética. (aliás, eu próprio já havia dito que também acredito que o ambiente e a educação terão um peso mais importante na formação geral do comportamento de um indivíduo, e que é um perigo muito grande quando dedicamos toda nossa atenção a aspectos como os progenitores ou as características da raça...)

2. Repetindo aquilo que já disse algumas vezes antes: a própria forma como o ambiente e a educação vão intervir no cão e no seu comportamento é altamente influenciada pela tal bagagem genética. E é aqui que entra a noção de "influência" genética no comportamento. Mesmo que não haja transmissibilidade de genética deste ou daquele traço concreto, a verdade é que não podemos dizer que ela não tem influência no comportamento de um indivíduo.
É isto.

Um abraço
lds6
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segunda abr 28, 2014 7:11 pm

zeca2 Escreveu:
Mas existem dúvidas de que características morfológicas afectam determinados comportamentos, influenciam a forma como algumas apetências comportamentais se desenvolvem?
Levanta-me fortes dúvidas esta sua afirmação. Pedia-lhe que exemplificasse, assim como definisse claramente o que são "apetências comportamentais".
Estou-me a referir à mais do que conhecida interacção entre forma e função. Ou seja, a morfologia é, ou vai sendo, moldada de acordo com a função desempenhada. E é também relativamente estável a aceitação da noção de comportamento como 'factor de relação integrada entre forma e função'. Pois a função não é nada senão uma espécie de ponto de actualização de um conjunto de comportamentos.
Assim sendo, não me parece sequer polémico aceitar uma relação de influência entre morfologia e comportamento.

Aceitemos como comportamento algo que decorre de uma acção do indivíduo, despoletada por um tipo de escolha, com maior ou menor processamento neuronal, e que é quantificável, ou determinável de uma forma concreta. Aceitemos, portanto, que 'ladrar', 'correr', 'morder' são comportamentos. E que ladrar forte (ou alto), ladrar frequentemente, correr rápido, correr muito, morder muito, morder forte são determinações (qualitativas ou quantitativas) de um comportamento específico.
Ora, a morfologia de um Rottweiler não permite, nem está desenhada para grandes correrias e grandes saltos; pelo menos correrias e saltos de que um Malinois será capaz. Pura influência da morfologia no comportamento; ou não? Mas também podemos pensar inversamente. Podemos pensar que também houve influência da função na constituição evolutiva da forma. Sem dúvida. Ponto de base: existe influência (mútua) entre morfologia e comportamento, e estranho que isto possa suscitar dúvidas.

Qualquer dúvida que ainda lhe reste, remeto o Zeca para aqui: http://rstb.royalsocietypublishing.org/ ... full#sec-1

Para a discussão em causa, sem prejuízo do resto do corpo do texto, eu destacaria estes dois excertos:

Since behaviour, considered frequently as ‘integrator’ of form and function, plays an important role in adaptive evolution, it would be ‘simplistic, and indeed potentially misleading, to consider the evolution of form without taking into account its interactions with behaviour in the arena of selection’

Morphology and behaviour influence each other's development. Development of the withdrawal reflex system in mice, for instance, requires sensory feedback from muscle contractions to adjust correct synaptic organization. An extreme example illustrating this mutual influence is provided by the so-called two-legged goat and discussed by West-Eberhard. The goat, born without forelegs, adopted a semi-upright posture and bipedal locomotion from the time of its birth. This behaviour caused morphological changes in bones, pelvic skeleton and musculature and thoracic skeleton not found in normal goats of the same age. Besides demonstrating the interplay between morphology and behaviour in development, this example reveals something else: development is contingent and accommodating.

(curiosamente, um dos intuitos deste artigo até é o de salvaguardar um papel crucial ao ambiente do desenvolvimento de traços de comportamento, que é, parece-me, a sua maior preocupação, mas que, apesar do que possa parecer desta discussão, é algo que eu também tendo a defender).
zeca2
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terça abr 29, 2014 9:37 am

Não se forma? Ui. Então o que se passa, uma geração espontânea e imediata, a-processual? O facto de algo ser inato quer dizer que não há formação desse algo? Antes do indivíduo nascer, existem diversos processos de formação de variadíssimos traços. Quando se fala em formação, não se fala necessariamente naquilo que se passa depois do nascimento. Logo, o facto de um dado traço ser inato não implica ausência de formação desse traço.

Seja como for, o temperamento não é assim tão imutável ao longo da vida de um cão, como é óbvio. Basta só definirmos com precisão o que é que consideramos traços de temperamento. Penso que aspectos como calma, afabilidade, predisposição para actividade, etc. farão parte desses traços. Ora, como me parece óbvio, tudo isto é maleável ao longo da aprendizagem de um cão...
Não penso que haja lugar para o espanto que o lds manifesta... Na verdade, acho que o amigo incorre numa confusão terminológica: confunde temperamento (bagagem instintiva e psicológica com que o cão nasce) com carácter (resultado da influência das condições ambientais sobre o temperamento inato).

Partindo do princípio que o temperamento (reportando-me ainda a Scott e Fuller) se baseia (à excepção do medo) na transmissão da normalidade, não me parece difícil de entender a relevância da influência ambiental no apuramento do carácter.

Como disse antes, os estudos que referi são os que eu conheço. Se o lds conhece outros que os contradigam (o que à partida não ponho em causa) gostaria que os identificasse para poder conhecê-los.
Penso ser claro, tendo em conta o contexto de onde retirou essa ideia, que me refiro a traços considerados desejáveis dentro do estalão de cada raça, físicos ou de temperamento.
Pois, mas ajudaria muito deixarmo-nos de abstracções e atendermos a exemplos concretos...
estudos que apontam para a "afectação directa" da selecção em traços como o medo e a agressividade.
Já tinha concordado com isso sem precisar de outros estudos... o medo é transmissível a uma taxa de 40 a 50%, e sabemos que a agressividade por medo é uma das formas frequentes de manifestação desse caracter.
O facto de dizer que tem uma "influência mais decisiva do que a bagagem genética" é admitir que existe uma influência dessa mesma bagagem genética. Pouca ou muita, ela existe. E isso é completamente diferente do que dizer-se que o comportamento ou a agressividade nada devem à componente genética.
Nunca pus isso em causa, como sabe. Nem nunca afirmei o que refere na última frase.
zeca2
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terça abr 29, 2014 9:38 am

repetido
Ressa
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terça abr 29, 2014 12:10 pm

Parabéns pela discussão. :D

Apesar de as respostas serem extensas, foram bastante informativas.
lds6
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terça abr 29, 2014 8:10 pm

zeca2 Escreveu:
Não se forma? Ui. Então o que se passa, uma geração espontânea e imediata, a-processual? O facto de algo ser inato quer dizer que não há formação desse algo? Antes do indivíduo nascer, existem diversos processos de formação de variadíssimos traços. Quando se fala em formação, não se fala necessariamente naquilo que se passa depois do nascimento. Logo, o facto de um dado traço ser inato não implica ausência de formação desse traço.

Seja como for, o temperamento não é assim tão imutável ao longo da vida de um cão, como é óbvio. Basta só definirmos com precisão o que é que consideramos traços de temperamento. Penso que aspectos como calma, afabilidade, predisposição para actividade, etc. farão parte desses traços. Ora, como me parece óbvio, tudo isto é maleável ao longo da aprendizagem de um cão...
Não penso que haja lugar para o espanto que o lds manifesta...
O meu espanto, como é bastante perceptível, julgava eu, deve-se à sua noção de "formação", bastante equivocada, por sinal.
Na verdade, acho que o amigo incorre numa confusão terminológica: confunde temperamento (bagagem instintiva e psicológica com que o cão nasce) com carácter (resultado da influência das condições ambientais sobre o temperamento inato).
Não, não há confusão nenhuma. O que disse é que podemos, sem grandes polémicas, identificar alguns traços como sendo traços de temperamento (calma, por exemplo). E esses traços são moldáveis ao longo da aprendizagem. Dúvidas?
Se as houver, vejamos. Adaptabilidade e reactividade são dois traços, hoje sem polémica (julgo), considerados como traços de temperamento. E, como o Zeca sabe, são traços com graus de variação ao longo da aprendizagem; por exemplo, podemos diminuir os índices de reactividade a estímulos estranhos, etc.
Partindo do princípio que o temperamento (reportando-me ainda a Scott e Fuller) se baseia (à excepção do medo) na transmissão da normalidade, não me parece difícil de entender a relevância da influência ambiental no apuramento do carácter.
Relevância é uma coisa; exclusividade é outra. E é apenas aí que encontro os problemas. Quanto à relevância da aprendizagem e do meio, releia as minhas mensagens anteriores para perceber qual a minha posição (se é que há posição a ter...) em relação a isso.


Penso ser claro, tendo em conta o contexto de onde retirou essa ideia, que me refiro a traços considerados desejáveis dentro do estalão de cada raça, físicos ou de temperamento.
Pois, mas ajudaria muito deixarmo-nos de abstracções e atendermos a exemplos concretos...
Na outra mensagem que lhe enviei, e que o Zeca curiosamente se esqueceu de comentar, penso ter-lhe dado exemplos disso mesmo. Sendo que o que eu pretendia focar dispensava exemplos, pois apenas queria ir de encontro à ideia de que as características presentes num estalão, sejam elas quais forem, pressupõem a possibilidade de um controlo dessas mesmas características através da selecção. E, relembro, era essa a questão problematizada quando o Zeca interveio pela primeira vez neste tópico.
estudos que apontam para a "afectação directa" da selecção em traços como o medo e a agressividade.
Já tinha concordado com isso sem precisar de outros estudos... o medo é transmissível a uma taxa de 40 a 50%, e sabemos que a agressividade por medo é uma das formas frequentes de manifestação desse caracter.
Pois, mas o que está em causa nestes estudos (reporto-me a estudos de Adam Mikolski) não é a simples "influência genética" a que eu me venho referindo (e que me parece por demais evidente), mas à transmissibilidade directa de traços de agressividade...
O facto de dizer que tem uma "influência mais decisiva do que a bagagem genética" é admitir que existe uma influência dessa mesma bagagem genética. Pouca ou muita, ela existe. E isso é completamente diferente do que dizer-se que o comportamento ou a agressividade nada devem à componente genética.

Nunca pus isso em causa, como sabe. Nem nunca afirmei o que refere na última frase.

Ok, sinta-se à vontade, como é óbvio, para comentar o que está para cima, mas gostaria particularmente de me centrar aqui, nesta questão, para não estarmos a proliferar com subpontos que só deixam a discussão mais ambígua.
Pergunto-lhe, o que pretenderia o Zeca dizer com a frase
«a influência genética de outros desvios comportamentais não está comprovada (pelo menos por estudos que eu conheça). Daí ser mais curial admitir que sejam transmitidos por aprendizagem.» ?
Será assim tão abusivo interpretarmos destas palavras que o que o Zeca quis dizer era algo como o que eu disse antes, isto é, que "se não há transmissão genética comprovada de desvios comportamentais, então tais desvios serão apenas transmitidos por aprendizagem"? Eu sei que eu estou a acrescentar o "apenas", mas não só esta sua afirmação como algumas das continuações da discussão deram a entender que essa seria a sua posição.
Peço, então, que esclareça esta questão e talvez poupe mais mal entendidos.
zeca2
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quarta abr 30, 2014 10:12 am

Não, não há confusão nenhuma.
Por acaso até há... carácter e temperamento são coisas bem diferentes, confundir os termos parece-me incorrecto. O temperamento é inato, é a matriz a partir da qual, por influências externas, se forma o carácter.

Adaptabilidade e reactividade são dois traços, hoje sem polémica (julgo), considerados como traços de temperamento.
Bem, eu de "traços" pouco percebo. Prefiro definir o temperamento como o conjunto de instintos, impulsos e qualidades psicológicas como a sensibilidade, intrepidez, tenacidade, capacidade resolutiva, gregarismo etc. Estas qualidades, sendo inatas, podem ser desenvolvidas num ou noutro sentido através de influências externas, ao longo da vida do cão (prioritàriamente na fase de imprinting, mas também na neonatal, na juvenil, na de transição, etc) definindo o carácter do cão num ou noutro sentido.

Repito-me: temperamento = bagagem genética; carácter = temperamento + influência ambiental.


Relevância é uma coisa; exclusividade é outra.
Também o convido a reler os meus posts... afirmei explicitamente isso várias vezes. Mas, tendo em conta que é a normalidade que se transmite, a manipulação externa é fundamental, na medida em que pode influenciar num ou noutro sentido essa normalidade.
Citação:
«a influência genética de outros desvios comportamentais não está comprovada (pelo menos por estudos que eu conheça). Daí ser mais curial admitir que sejam transmitidos por aprendizagem.» ?
Será assim tão abusivo interpretarmos destas palavras que o que o Zeca quis dizer era algo como o que eu disse antes, isto é, que "se não há transmissão genética comprovada de desvios comportamentais, então tais desvios serão apenas transmitidos por aprendizagem"? Eu sei que eu estou a acrescentar o "apenas
Pois é... está a acrescentar o "apenas". Repito: se apenas a normalidade se transmite (à excepção do medo e derivados) é curial admitir-se que os desvios à norma se devem a factores ambientais.
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