E o que o leva a dizer que aquilo de que eu falo é de carácter? Só porque eu digo que os traços (sim, traços) de temperamento não são imutáveis, já estou a confundi-los com traços de carácter?zeca2 Escreveu:Por acaso até há... carácter e temperamento são coisas bem diferentes, confundir os termos parece-me incorrecto. O temperamento é inato, é a matriz a partir da qual, por influências externas, se forma o carácter.Não, não há confusão nenhuma.
Ouça, uma vez mais: adaptabilidade e reactividade são dois traços de temperamento reconhecidos sem grande espaço para polémica, hoje. Ora, uma coisa é avaliar esses traços de temperamento, por exemplo, perceber qual o índice aproximado de facilidade de adaptação de um cachorrinho a uma dada situação. Outra coisa é moldar esse traço de forma a que, por exemplo, a resposta a situações novas seja tendencialmente mais suave e "adaptativa". O hard-wire do cachorro permanece o que é, mas podemos moldá-lo.
E isto não é confundir temperamento com carácter. É, simplesmente, pegar na ideia inicial de que o conjunto de traços que constituem o temperamento não são imutáveis, invariáveis, "a-moldáveis". Está claro?
Se percebe pouco ou muito, não me diz respeito. Agora, que o termo 'traço' é usado vulgar e até preferencialmente ao termo 'qualidade', quando aplicado a temperamento, é algo relativamente aceite, tanto quanto sei. É que uma 'qualidade' pressupõe que se esteja a determinar (qualificar) algo de teor substancial, enquanto um traço aponta para algo de fundo mais "formado", isto é, uma característica (e não uma qualificação de uma característica).Bem, eu de "traços" pouco percebo. Prefiro definir o temperamento como o conjunto de instintos, impulsos e qualidades psicológicas como a sensibilidade, intrepidez, tenacidade, capacidade resolutiva, gregarismo etc.Adaptabilidade e reactividade são dois traços, hoje sem polémica (julgo), considerados como traços de temperamento.
Zeca, mas é isso mesmo. Justamente os mesmíssimos traços que identificamos como fazendo parte do temperamento são moldáveis, nomeadamente ao longo da experiência do cão. Se o composto obtido pela variação dos traços de temperamento se chama carácter, isso não muda uma vírgula ao que disse, pois tudo o que disse foi que os traços de temperamento são moldáveis, são dados a relações de influência que acabam por lhe conferir variações.Estas qualidades, sendo inatas, podem ser desenvolvidas num ou noutro sentido através de influências externas, ao longo da vida do cão (prioritàriamente na fase de imprinting, mas também na neonatal, na juvenil, na de transição, etc) definindo o carácter do cão num ou noutro sentido.
Repito-me: temperamento = bagagem genética; carácter = temperamento + influência ambiental.
Hm, mais ou menos. Num ponto muito concreto, continua, ainda agora, a fazer uma separação que, quanto a mim, aponta para mais do que mera relevância. O Zeca baseia a sua concepção de complementaridade entre hereditariedade e meio num dualismo hoje completamente em desuso em qualquer área da biologia. Ou seja, até um determinado ponto há a "bagagem genética", e depois há a influência do meio.Também o convido a reler os meus posts... afirmei explicitamente isso várias vezes. Mas, tendo em conta que é a normalidade que se transmite, a manipulação externa é fundamental, na medida em que pode influenciar num ou noutro sentido essa normalidade.Relevância é uma coisa; exclusividade é outra.
Tudo bem que o Zeca não diz - e isso já ficou esclarecido - que haja apenas influência do meio em aspectos como a agressividade, ou, em geral, desvios comportamentais. Certo. Mas configura as coisas de modo a que haja uma rígida cisão temporal e processual entre genes e ambiente, quando existe uma co-influência constitutiva em ambos os processos.
Falo disso imediatamente a seguir.
Pois, mas o Zeca continua a fazer uma mistura muito prejudicial. Está a pôr, no mesmo nível de inferência, duas concepções que não só são distintas, como tal distinção é vital em toda a discussão.Pois é... está a acrescentar o "apenas". Repito: se apenas a normalidade se transmite (à excepção do medo e derivados) é curial admitir-se que os desvios à norma se devem a factores ambientais.Citação:
«a influência genética de outros desvios comportamentais não está comprovada (pelo menos por estudos que eu conheça). Daí ser mais curial admitir que sejam transmitidos por aprendizagem.» ?
Será assim tão abusivo interpretarmos destas palavras que o que o Zeca quis dizer era algo como o que eu disse antes, isto é, que "se não há transmissão genética comprovada de desvios comportamentais, então tais desvios serão apenas transmitidos por aprendizagem"? Eu sei que eu estou a acrescentar o "apenas
Repare, o Zeca está a usar, na sua afirmação, um antecedente que fala em "transmissão genética comprovada" (ou seja, transmissão directa); e, depois, na conclusão que daí derivaria, o Zeca diz "os desvios à norma devem-se...". Ou seja, começa com a transmissão genética directa para concluir com o plano a que penso já termos aceite que se passa mais no nível da influência.
Vou repetir aquilo que, quanto a mim, é o foco da nossa discussão: logo por não haver transmissão directa de um determinado item, não quer dizer que não haja influência genética na formação desse mesmo item. Ou seja, não, não é só o ambiente que vai determinar aquilo que não foi transmitido geneticamente. A própria constituição genética de um indivíduo vai influenciar a forma como o ambiente vai agir no indivíduo. Os desvios à norma sofrem também influência de disposições genéticas.
É isto.
Já reparei que o Zeca decidiu não comentar um certo esclarecimento meu a algo que tantas dúvidas lhe suscitaram. Tudo bem. Não podemos estar a estender a nossa discussão a todos os pontos possíveis, e ainda bem, embora seja curioso notar qual o tipo de selecção dos pontos usados para manter o debate... Mas tudo bem. Peço-lhe só uma coisa, numa tentativa de criar algum tipo de clareza na discussão. Comente, por favor, esta parte final que destaquei em itálico; e faça-o, tanto quanto possível, de forma a que se entenda "a sua posição" acerca do que o que afirmo.