Noticia retirada do Jornal Expresso
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Polícias apostam nas lutas de cães
Criador afirma que agentes da PSP e da GNR têm participado nos combates ilegais. Os «pitbull» são estrelas no Porto e em Lisboa
AGENTES da PSP e da GNR estão envolvidos no combate de cães, uma prática proibida por lei e de difícil detecção. A denúncia foi feita ao EXPRESSO por José Almeida, professor e criador da raça pastor alemão, em Vila Real. «É comum ver agentes da autoridade vestidos à civil envolvidos nas apostas», assegura.
O criador afirma que a presença de elementos policiais não é de estranhar, já que durante muitos anos tiveram a exclusividade nas escolas de treino de cães, exercendo em simultâneo aquela actividade em casas particulares. «Com a liberalização do mercado, deu-se a proliferação das escolas e muitos destes agentes, ainda no activo, dedicaram-se ao negócio clandestino», diz.
Nas lutas de morte, as apostas chegam aos 10 mil euros
Contactado pelo EXPRESSO, o Comando Metropolitano da PSP do Porto afirma não ter registo de qualquer auto levantado sobre esta actividade ou o envolvimento de agentes seus nos combates. Mas uma fonte policial admite que a presença de polícias «não é surpreendente».
Estacionamentos e bairros degradadosEsta modalidade clandestina envolve, sobretudo, cães «pitbull» (não reconhecidos como raça pura) e das raças «bulldog» e «rottweiler». «Muitos dos animais são roubados ou então adquiridos com o único fim de se tornarem rentáveis na arena», diz José Almeida.
No Norte do país, as lutas são travadas, geralmente, no Grande Porto e nos arredores de Braga, Barcelos e Viana do Castelo. Gondomar, Maia, Póvoa de Varzim e Vila Nova de Gaia são cidades referenciadas como as principais áreas dos apostadores com posses, enquanto no Minho predominam as pequenas apostas.
Os proprietários de cães menos endinheirados recorrem aos campos de futebol ou a parques de estacionamento, mantendo um esquema de segurança contra estranhos e o «passa-palavra» como meio de comunicação.
Também na Grande Lisboa estão a surgir indícios de combates de cães. Há quem mencione a Trafaria e a Quinta da Marinha como locais de lutas, mas a maioria dos indícios aponta para os bairros das Marianas, Cova da Moura, Pedreira dos Húngaros e Chelas. E, a prová-lo, está a recente captura de três «pitbull» na Zona J de Chelas.
Os cães foram encontrados pela PSP dos Olivais no decurso de uma operação contra o tráfico de droga e serão apresentados em tribunal como prova das lutas. Ainda assim, tanto a Polícia como outras autoridades e organizações zoófilas garantem não ter recebido qualquer queixa oficial.
Só à Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais (LPDA) têm chegado relatos anónimos sobre a realização de combates. «Nos últimos dois meses, tivemos conhecimento de muitos cães desaparecidos e feridos. Já pedimos a intervenção, ainda sem resposta, da Procuradoria-Geral da República e do Ministério da Administração Interna», informa a presidente da LPDA, Maria do Céu Sampaio.
Cães são enterrados na arena de combate
Dependendo da raça do cão e do dono, o combate pode durar escassos minutos ou prolongar-se até à morte. Neste último caso, as apostas, que atingem em média dois a três mil euros, podem, excepcionalmente, ir até aos 10 mil euros (dois mil contos).
Nos combates participam frequentemente emigrantes portugueses que trazem os animais do estrangeiro, sobretudo de França. Um participante assíduo confessou ao EXPRESSO já ter assistido a lutas «sangrentas», mas disse desconhecer o destino final dos animais, já que em todos os combates que viu os cães saíram vivos do local.
O destino dos animais mortos nas lutas é, geralmente, o enterro clandestino nos locais da contenda.
Nos casos em que os ferimentos são tratáveis, os cães são transportados para clínicas veterinárias. «É costume receber aqui 'pitbulls' e outros animais muito maltratados», confirma um médico veterinário de Braga. «Os donos dizem-nos que eles foram mordidos, estão lá as marcas, mas nunca admitem que aconteceu em combate», acrescenta.
A atracção pelo negócio é elevada e ajuda a rentabilizar a actividade dos criadores e das escolas de treino. As acusações do criador de Vila Real estendem-se à legislação que enquadra a abertura das escolas e que facilita que «gente sem escrúpulos» treine animais com o único objectivo de os preparar para «a arena».
Lei exige seguro e cadastro limpo o limpo
EM PORTUGAL podem ter animais potencialmente perigosos os cidadãos maiores de idade, sem cadastro e com seguro de responsabilidade civil contra terceiros. Só na posse destes requisitos será possível obter a licença camarária anual exigida por lei, sob parecer favorável do veterinário municipal.
O dono fica obrigado a assinalar a presença do cão com um aviso e a colocar-lhe trela e açaime sempre que o passeie em lugares públicos. Tem ainda que o domesticar e em nenhuma circunstância poderá treiná-lo para combate.
Estas são algumas das novas regras para a posse de animais de companhia considerados perigosos, em vigor desde Outubro de 2001. O diploma obedece à Convenção Europeia para a Protecção dos Animais de Companhia e às normas comunitárias específicas sobre a detenção dos que são considerados potencialmente perigosos.
A lei não se limita a proteger as pessoas dos animais, introduzindo também normas para defender os bichos dos próprios donos. Cães e gatos deverão ter um «chip» de identificação, e os canídeos de raças puras têm que estar registados no Clube Português de Canicultura (CPC). Assim, em caso de abandono ou de maus tratos, será possível identificar o responsável e aplicar coimas entre os 25 euros e, para pessoas colectivas, os 45 mil euros.
Apesar de a lei constituir um progresso, algumas entidades zoófilas entendem que ela peca por continuar a responsabilizar, sobretudo, os animais. Rui Valente de Araújo, do CPC, alega que «não há cães perigosos, há donos irresponsáveis». E Maria do Céu Sampaio, presidente da Liga Portuguesa dos Direitos dos Animais, diz que «devem ser os proprietários os penalizados criminalmente e não o animal a pagar com a vida».
Contudo, Portugal é mais brando na matéria do que outros países europeus. Em algumas regiões espanholas, os donos são obrigados a fazer um teste psicológico e em França está a iniciar-se o extermínio de cães como o «pitbull». Tudo porque são cada vez mais os ataques, alguns mortais. No caso português, em 2001 foram feridas com gravidade duas crianças, em Sesimbra e São Pedro do Sul (Viseu), e um adulto, em Lisboa. Mas em nenhuma destas situações o ataque foi desferido por cães «pitbull», há muito famosos pela sua possante fisiologia e envergadura, aliás, «fabricadas» pelo Homem.
Ao longo dos últimos três séculos, o combate entre cães foi popular em Inglaterra. A fama destes «jogos» espalhou-se pela restante Europa e ganhou raízes, ainda que de forma clandestina. Em meados do século XIX, já não eram só os combates de cães com outros animais, entretanto proibidos em Inglaterra, mas as lutas entre «bulldogs» que animavam os apostadores.
Desde então, os criadores dedicaram-se ao aperfeiçoamento de raças, procurando criar um animal mais leve, rápido e ágil. E isso veio a acontecer quando os «bulldogs» foram cruzados com diversos tipos de «game-terriers». A evolução e o apuramento levaram ao aparecimento do «pitbull», um cão que, por ser cruzado, não é considerado pelos especialistas como uma raça.