Quero aqui mostrar a minha profunda convicção em relação ao conteúdo do presente tópico, que designo por “Lobo-Cão” ou “Cão-Lobo”.
O Lobo (Canis lupus) desapareceu de extensas regiões, tendo sido por outro lado aí substituído ecologicamente pelo Cão-vadio (pertencente também à espécie Canis lupus), o qual está legitimamente adaptado a ecossistemas humanizados, ao contrário do seu conspecífico parente, mais estritamente carnívoro e de cultura antropófoba secular.
Esta substituição, na realidade uma genuína evolução, faz parte de um equilíbrio dinâmico com direito próprio, ao preservar e integrar uma antiquíssima relação de proximidade entre Homem e Canídeos. Tão importante como o valor genético que constitui o facto de continuarmos a ter Lobos puros na nossa Natureza, é o seu nicho ecológico estar preenchido.
Não obstante a incrível beleza do Lobo, que impressiona de forma única e inesquecível quem tenha a oportunidade de observar este espectáculo incomparável, só um estudo aprofundado e científico sobre a complexíssima dinâmica dos ecossistemas onde se desenvolve este animal dá uma ideia real da grandiosidade desta espécie. Sobretudo quando se tem em conta que este animal dominou meio mundo, em grande parte graças ao desenvolvimento do seu cérebro, o qual contribui bastante para o grande desenvolvimento da sua cabeça, separando-se neste aspecto bastante dos Mabecos-africanos, menos inteligentes e portadores de músculos masseteres poderosíssimos, o que os aproxima neste parâmetro mais de animais de aspecto primitivo, como é o caso dos Marsupiais carnívoros.
Se o aspecto físico e a genética simbolizam e sintetizam os poderes de um animal, é por outro lado o nicho ecológico que o ser vivo ocupa, é o animal em acção, a interacção com o seu meio (na verdade um entre infinitas possibilidades potenciais), a sua conduta social, a forma como se reproduz, como se alimenta, como se adapta às estações e a outras mudanças (no tempo e no espaço), que de facto descrevem e dão uma ideia mais concreta, qualificada e diferenciada de todo o imenso número de parâmetros adquiridos pela evolução de uma espécie, submetida à tremenda força criadora da Natureza, dia após dia, ano após ano, glaciação após glaciação.
Ao ser destruído pelo Homem, o Lobo podia até ter sido (pelo menos como uma possibilidade teórica) substituído por um animal de aspecto e genética completamente diferentes. Devemos, como princípio orientador, não interferir naquilo que é uma integração saudável de populações de animais autóctones em ambientes totalmente dinâmicos, devíamos antes estudar e admirar a harmonia do ecossistema, sendo esta enormemente potenciada pela eterna mas lenta e pautada mudança. A adaptação dos Cães-vadios a um nicho ecológico deixado vazio pelo Lobo é nem mais nem menos que um exemplo da portentosa capacidade do Canis lupus (e até de todo o ecossistema, que inclui o próprio Homo sapiens) para se adaptar e integrar em novos nichos. E mostra também que não existe espécie substituta para um nicho ecológico tão complexo e dinâmico como o do Lobo.
Temporalmente, e localmente, o Lobo foi-se adaptando a comer gado e fruta domésticos ou semi-domésticos, mas a certa altura as relações de confiança, admiração e equilíbrio entre Homem e Lobo romperam-se devido ao uso intensivo da terra por parte do primeiro. Por outras palavras, o nicho do grande canídeo selvagem foi forçadamente deixado vago devido à perseguição de dimensões bíblicas que a sociedade humana infligiu àquela espécie. E imediatamente este mesmo nicho foi sabiamente ocupado por apropriadas populações do Canis lupus, os Cães vadios, que não são senão Lobos. Não uma família, ou género, ou espécie ou até uma subespécie diferente de Lobos, mas apenas e simplesmente uma especial e providencial população de Lobos. O nicho ecológico do Lobo foi ocupado por outros Lobos, num incrível e ancestral passo de selecção natural, ante os nossos olhos, a consertar visivelmente os nossos erros.
O Lobo foi substituído pelo Lobo. E seria de facto desastroso se assim não fosse, porque não existe espécie substituta para manter dentro de legítimos limites em número e saúde as populações de Raposas, Mustelídeos, Viverrídeos e Gatos (Felis silvestris, selvagens ou vadios), assim como de javalis, veados, corços e outros ungulados. Neste último caso os Lobos desempenham também um indispensável papel sanitário, ao eliminarem os indivíduos doentes ou os cadáveres destes, sendo neste aspecto grandes colaboradores dos Abutres, quer providenciando presas quer sendo guiados por estes últimos.
A grandiosa espécie, guardiã do equilíbrio ecológico que o Homem (incluindo a maior parte dos que se dizem proteccionistas, os chamados “naturalistas de cidade”) vem destruindo, adapta-se por uma extraordinária plasticidade (física e psicológica) à mudança dos tempos, como sempre se adaptou à mudança das estações e aos diversos habitats de todo o Paleártico.
A perseguição do Lobo Cão-vadio, pretendida por muitas cabecinhas intituladas de “proteccionistas” e movidas apenas pela moda social massiva que está em vigor num certo instante, só não será totalmente desastrosa ecologicamente se vier acompanhada da tentativa de reintegração do seu conspecífico “Lobo selvagem”.
O Canis lupus é tão inteligente e ubíquo, dotado de uma tal plasticidade, que a readaptação a um novo ou antigo ecossistema será quase imediata, pois eles têm os genes de plasticidade que os Cães-vadios não só herdaram mas também, de uma forma que não podia ser mais oportuna e providencial, exibiram em todo o seu potencial nos tempos modernos. A razão pela qual se perseguem os Cães-vadios na actualidade é a mesma que levou à exterminação do Lobo no passado, que é o facto de eles serem selvagens, terem vida e vontade própria e independente da humana, o não respeitarem as fronteiras físicas, económicas e sociais que só aos humanos dizem respeito, o ultrapassarem os limites das vedações, quintas ou parques aos quais eram destinados ou confinados.
Tais fronteiras são sempre culturais e temporárias, podem incluir-se na triste e efeminada onda das modas. Ainda há poucos anos apuravam-se linhas de Cães e exterminavam-se Lobos, porque a massa social assim o entendia. Hoje, porque a massa humana que vive na metálica, cimentada e monstruosa urbe sentiu repentinamente saudades dos Lobos que matou para a construir, decidiu que se devem preservar linhas puras de Lobos e exterminar os seus únicos filhos que a tal sanha escaparam: os incríveis, vigorosos e adaptáveis Cães-vadios. Sem dúvida, entre estes encontram-se alguns dos mais belos Canis lupus do mundo, tanto pelo seu aspecto como no que concerne ao seu nicho ecológico. Fazem parte de uma Natureza hostil e humanizada, selvagem e brilhante, sempre sã, equilibrada e dinâmica.
Cumprimentos

Lamas