Olá!
Tenho andado a "cozinhar" uma surpresa!
Aqui vai ela!
O meu contributo para os poemas!
Para quem tiver paciência para ler!
É grandinha!
A História da Snow, pela PRÓPRIA!
Desde sempre,
pelo menos tanto quanto me consigo lembrar,
vivi no medo...
o medo esteve na minha vida,
como uma garra a apertar-me,
a sufocar-me ....
medo dos outros “iguais” a mim,
mas tão grandes,
tão fortes ...
ou daqueles, já diferentes de mim,
e ainda maiores,
com aqueles grandes dentes,
a ameaçarem-me ...
quantas vezes fugi deles,
quantas vezes senti o seu bafo
rente ao corpo ...
Ou ainda daqueles seres ainda mais estranhos,
a andar de uma forma esquisita
apenas em duas patas ...
e a fazerem aqueles ruídos muito altos,
que eu não compreendia,
mas sabia que era para eu me afastar ...
Alguns davam-me comida,
mas eu nunca me aproximava,
não, nunca, porque sempre me lembrava aquela vez ...
Era ainda muito nova e confiante,
ouvi uma voz a chamar-me
e aproximei-me um bocadinho ...
alguns passinhos apenas,
com um miado baixinho,
a dizer-lhe “não me faças mal!”
Olhei para aqueles olhos que me fitavam,
talvez quisesse acarinhar-me ...
e, de repente, não senti mais o chão,
estava no ar, agarrada ...
e comecei a não conseguir respirar ...
o meu pescoço estava a ser apertado ...
o ar faltava-me ...
com todas as minhas forças,
em desespero,
mordi e mordi,
as minhas garras entraram numa carne macia,
sem pelos ...
na minha língua o sabor do sangue ...
e então, com toda a minha alma,
assim que a força que me esmagava, abrandou ...
Saltei!
Foi o maior salto da minha vida ...
E nunca, nunca mais me aproximei!
Devo ter tido mãe ...
Sim, mas não me lembro ...
Só de vez em quando umas leves lembranças ...
Um pêlo macio em que me afundava ...
Um gosto doce e morno na minha boca ...
Uma língua húmida a alisar o meu pêlo ...
a afagar-me o corpo ...
Devem ser apenas sonhos ...
Sonhos que guardo de noites longínquas ...
E que, às vezes, me assaltam durante o dia,
ou quando fecho os olhos ...
e que gosto de recordar ...
mas devem ser apenas sonhos ...
Depois houve um dia,
um certo dia,
em que algo de diferente aconteceu ...
uma sensação nova tomou conta de mim ...
uma energia nova me invadiu,
o sangue a correr mais rápido,
com mais ânimo,
a dar-me uma alegria tonta,
porque não sabia de quê,
nem porquê ...
continuava sozinha,
continuava com uma certa fome,
continuava com o medo ...
Mas havia qualquer coisa mais ...
Só me apetecia miar, miar alto,
como a chamar alguém,
uma vontade de rolar no chão,
de sentir o meu pêlo,
o meu corpo a roçar a erva ...
Uma vontade de fazer coisas que nunca fizera ...
Uma vontade de fazer loucuras ....
E uma noite,
uma noite linda,
com muita luz,
quase como se fosse dia ...
com uns cheiros fortes que nunca sentira,
e que me entonteciam,
vi-o ...
estava em cima de um muro,
recortado contra o céu,
a lamber um pata,
deliciado a gozar a calma,
a magia daquela noite!
Olhou para mim de lado e sussurrou
“Então, miúda! Como vai isso por aí?”
Depois saltou e aproximou-se de mim ...
Lentamente,
sedutoramente,
insinuantemente ...
Não fugi ...
O medo cá estava na mesma,
mas, não sei porquê,
já não era o mais importante ...
Ali fiquei, a senti-lo roçar-se em mim,
uma língua húmida e quente afagou-me o pêlo ...
seriam os sonhos reais?
E de repente ...
O medo desapareceu!
Como uma tonta miei,
um outro miar,
que me enchia de alegria,
e rolei no chão
como uma tonta ...
Essa noite também se juntou
aos outros sonhos,
talvez tenha sido mais um sonho...
apenas só mais um ...
talvez ...
Outros se aproximaram de mim,
e também não fugi ...
mas esses não tinham o encanto
e a doçura dele ...
esses magoaram e feriram ...
deixaram-me mais só
e com mais medo ...
Depois tudo passou,
essa onda estranha recuou e esfumou-se,
e os dias continuaram iguais ...
Mas algo diferente estava a acontecer ...
não sabia o que era, e assustava-me ...
assustava-me cada vez mais ...
era como se estivesse a ficar mais pesada,
quando lambia o pelo da minha barriga
parecia-me que aumentava dia a dia ...
até que comecei a sentir movimentos dentro dela,
como se houvesse vida própria dentro de mim ...
A primeira vez que os senti,
dei um grito e corri a esconder-me ...
Mas qual quê?
Aquilo continuava ...
Cada vez com mais força ...
A minha barriga ondulava,
como se já não a dominasse ...
Comecei a sentir necessidade de encontrar um refúgio seguro,
ainda mais escondido do que o que tinha,
onde ninguém me encontrasse,
onde me sentisse à vontade ...
e que fosse quente e confortável ....
Foi por um “acaso” que encontrei o que buscava ...
Entrava-se por uma fresta,
uma fresta grande o bastante para passar a minha barriga,
que tinha crescido imenso,
mas pequena para passarem os meus mais temidos inimigos ...
Ninguém lá dentro ...
Apenas uns seres pequenos,
que não temia,
não me fariam mal,
eles é que pareciam ter medo de mim ...
Um cantinho abrigado e quente ...
Deitei-me cansada e a sentir-me mal de repente ...
Dores horríveis começaram a atingir-me ...
Pareciam trespassar-me ...
Ondas sucessivas que me faziam querer gritar ...
Mas não podia ...
Ninguém podia saber que estava ali ...
Ninguém ...
Estava fraca e vulnerável ...
Seria tão fácil vencerem-me ...
Comecei a suar ...
O pêlo colava-se-me ao corpo ...
Parecia quase daquela vez ...
Quando, a fugir dum grande, grande ser,
que me queria morder ...
caí a um buraco, mas não era chão ...
afundava-me por ele dentro ...
e envolvia-me toda ...
tive que me mexer muito depressa,
e fiquei toda molhada ...
agarrei-me a um ramo e consegui sair ...
mas fiquei também assim ...
a escorrer, a pingar ...
O que é isto?
Algo está a lutar para sair de mim ...
Concentrei-me toda ali,
naquele pequenino, que estava já deitado,
fora de mim,
e no entanto ainda preso a mim ...
De súbito soube o que fazer ...
De súbito compreendi ...
Eram os MEUS MENINOS que nasciam ...
EU ESTAVA A SER MÃE!
Talvez os sonhos fossem realidade!
Mais um!
Desta vez acompanhei-o na sua luta,
Ajudei-o com ternura!
Era uma menina!
A minha língua deu-lhe as boas vindas!
Que nunca conheças o que eu conheço,
minha querida!
Eu estou cá e não deixarei que te façam mal!
Não!
Nunca!
Não permitirei tal!
O medo não estará na tua vida!
NUNCA!
PROMETO!
Havia mais dentro de mim ...
Mas ...
Algo não está a correr bem ...
Não conseguem sair...
Como me estou a sentir mal ...
Dores terríveis,
que não me deixam respirar ...
Sinto-me tão fraca,
tão sem forças ...
E agora, o que é mais?
NÃO!
Uma grande fresta abriu-se ...
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Um daqueles seres tão temidos entrou ...
Vai ser o meu fim ...
O FIM dos MEUS QUERIDOS!
E eu NÃO POSSO LUTAR!
Mas ainda consegui mostrar que sim,
que iria lutar ...
Bufei!
Mostrei os meus dentes!
Passados uns momentos saiu,
foi-se embora!
Consegui!
Voltei a concentrar-me em mim,
e naquele pequenino que estava ali,
preso dentro de mim,
a lutar para sair ...
Quanto tempo?
Não sei ...
As coisas estavam a ficar enevoadas,
como se um véu cobrisse tudo ...
De novo a fresta a abrir ...
De novo o ser ali ...
Desta vez aproximou-se mais ...
Sem grande força, bufei de novo também,
mostrei os dentes ...
ele pousou qualquer coisa no chão ...
e saiu ...
era comida ...
Pelo menos era um daqueles que não faziam mal ...
Sim, porque tinha aprendido já que havia dos dois tipos ...
Os que queriam magoar e destruir ...
esses tinham um cheiro diferente,
aprendera a captá-lo há muito ...
e havia os outros,
os que deixavam comida,
e falavam comigo ...
tinham um cheiro diferente ...
mas não queria dizer que me aproximasse ...
Não ...
Eram muito grandes e diferentes de mim ...
E havia a lembrança ....
a lembrança ...
os sonhos ...
quero afundar-me de novo no teu pêlo, mãe ...
afaga-me de novo ...
Preciso tanto ...
Dá-me forças para lutar ...
Quanto tempo se passou?
Não sei ...
Tudo era confuso ...
As dores,
os suores ...
já não sentia mexer dentro de mim ...
tudo tinha parado ...
se conseguisse comer ...
mas não me podia mexer ...
caí num sono estranho ...
era como se flutuasse ...
estaria outra vez naquele buraco?
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De novo a luz mais forte,
a fresta grande,
desta vez são dois, esses seres estranhos ...
chegam-se a mim ...
que importa?
Já não consigo lutar ...
Que tudo acabe depressa ...
E os meus meninos?
Que será deles?
Perdoa, minha filha,
Não posso cumprir a promessa ...
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Muitas figuras misturadas ...
sítios estranhos ...
pegam em mim ...
já não estou no chão ...
mas não é como da outra vez ...
agora pegam com cuidado,
com carinho, talvez ...
mas sinto uma coisa a espetar-me ...
como uma garra ...
mas mais fina e mais longa ...
um sono imenso fecha-me os olhos ...
não os consigo abrir ...
também não importa ...
não quero ver nada do que está à minha volta ...
o que foi feito dos meninos?
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Os sonhos voltam ...
Mas misturam-se ...
O pêlo quente da minha mãe ...
A língua quente dele ...
O sangue quente daquele ser ...
Os corpos quentes dos meninos ...
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Abro os olhos ...
Que sítio é este?
Não conheço ...
Está escuro, mas sossegado ...
Ao longe ouço sons ...
Os daqueles seres ... vozes ...
Outros mios ...
seres iguais a mim ...
Os sons dos seres grandes que mordem ...
Mas estou quente e aconchegada ...
Sinto-me fraca ...
Mas já não tenho dores ...
Os meninos!?!
Tento levantar-me ...
Uns passitos trôpegos ... e caio ...
Não, ainda não estou bem de todo ...
Volto a fechar os olhos ...
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Sinto que me percorrem o corpo levemente,
Suavemente ...
Mãe?
Abro os olhos ...
Bufo!
Não, é um dos seres esquisitos ...
Parece-me aquele que entrou junto do outro,
quando estava muito mal ...
traz-me comida e fala comigo ...
Não, não vou nessa ...
Não sabes que sou uma gata brava?
Não me aproximo, NUNCA!
Que está a fazer?
Cheira bem ...
Um cheiro suave ...
Já sei ...
É daqueles que não fazem mal ...
Mas nunca se sabe ...
Não ...
Não me convences ...
Eu não me aproximo! ....
NUNCA!
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Os dias vão passando.
Sinto as forças voltarem pouco a pouco.
Agora já me mexo bem,
Salto mesmo!
Já recuperei quase a minha agilidade!
Sim, porque, não é para me gabar,
mas poucos gatos saltam tão alto como eu!
Aprendi daquela vez,
e fui aperfeiçoando!
Foi assim que escapei muitas vezes ...
Tantas vezes! ...
A menina?
Onde está?
Já quase não me lembrava ...
Com tudo isto, tinha-me passado ...
Talvez tenha acabado ...
Talvez tenha sido melhor assim ...
Não queria que sofresse como eu ...
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Outra vez “ela”
(é como lhe passei a chamar, ao tal ser, que aparece aqui)
faz-me lembrar sempre a minha mãe,
não sei porquê ...
É por isso que lhe chamo assim ...
dá-me de comer e faz-me festas ...
e faz umas coisas estranhas que me dão vontade de saltar e rebolar ...
???
BRINCAR!!
As recordações voltam!
Os sonhos!
A minha mãe, os meus irmãos ...
As BRINCADEIRAS juntos,
as sonecas grandes, juntos,
todos num só novelo,
muito unidos,
aquecendo-nos uns aos outros,
protegendo-nos uns aos outros!
Os tempos da meninice,
quando ainda não havia o medo ...
O MEDO ...
Uma sombra passou ...
Parei com a brincadeira,
fui-me esconder no meu refúgio de agora ...
Sim, porque todos os gatos bravos têm um!
Seja onde for que estejamos,
temos sempre um sítio especial,
onde podemos defender-nos,
onde podemos proteger-nos,
onde é mais difícil agarrarem-nos,
onde é mais difícil magoarem-nos ...
É preciso que saibam!
Nós temos que nos esconder,
não podemos brincar assim,
não podemos ficar expostos assim,
vulneráveis, frágeis assim ...
Porquê?
Porque temos medo,
porque nos ensinaram a ter medo!
PORQUE NOS FIZERAM MAL!
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Mas ando a aprender uma coisa muito importante
Ando a aprender a
NÃO TER MEDO!
Parecia impossível ser capaz de tal,
sinceramente, nem eu mesma acredito muito ...
tenho medo de acreditar ...
Mas talvez seja mesmo possível!
Tal como sou capaz de brincar outra vez,
de brincar como nunca brinquei ...
e é ela que me anda a ensinar!
Brinco porque sei que não me fazem mal ...
Brinco porque me sinto segura ...
Brinco porque sinto alegria ...
ALEGRIA!
Que eu não conhecia,
não sabia o que era ...
E como podia saber,
vivendo no medo como vivia?
Como teria gostado que a minha menina brincasse assim ...
A menina ...
Outra vez a sombra ...
Vou-me esconder de novo ...
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Lá vem ela!
Agora estou sempre à espera,
gosto das festas que me faz,
gosto de a ouvir falar comigo,
gosto de brincar com ela ...
Tudo coisas novas,
tudo coisas que eu não conhecia,
nem sabia que existiam ...
e como podia ...
Espera aí!
Que é aquilo que ela traz?
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A MENINA!!
A MINHA FILHA!!!
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Está VIVA!
E GRANDE, e LINDA!
Deve haver ALGUÉM que vela pelos gatos bravos!
HÁ MESMO!
E eu quero agradecer!
Que ALEGRIA!
Como queria lambê-la,
acariciá-la,
alisar aquele pêlo lindo,
sentir o calor do seu corpinho ...
como a minha mãe me fazia ...
Para que ela também possa recordar ...
Mas não me deixam ...
Porque é que tem de haver sempre uma sombra?
Porque é que a alegria não pode ser total?
Mas há uma coisa que já não me podem tirar
Esta ALEGRIA!
De saber a menina VIVA!
De me sentir VIVA!
De ter aprendido a BRINCAR!
De saber que os SONHOS
SÃO REAIS!
Mas ...
Há um mas ...
Há sempre um mas ...
uma sombra ...
que não deixa de me aparecer ...
e que vem sempre toldar esta alegria ...
E se tudo isto não passa de um sonho?
Apenas MAIS UM SONHO?
SNOW