Correio da Manhã 2002-06-27 01:26:00
DECLARADA GUERRA ÀS LUTAS DE CÃES
As autoridades iniciaram um processo de recolha de informação e análise de legislação sobre combates com animais - um fenómeno recente e em crescimento. Mas que pode não ser considerado crime.
As lutas de cães podem envolver avultadas apostas
A luta contra os combates de cães em Portugal trava-se, neste momento, em várias frentes e a diferentes níveis.
No terreno, coordenadas pelo Ministério Público, as autoridades tentam efectuar um levantamento das situações, procurando identificar cães, donos e lutas.
Nos gabinetes do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), os magistrados procedem a uma análise da legislação, de modo a conseguirem actuar sobre situações que, de acordo com fonte da Procuradoria Geral da República (PGR), “sendo claramente enquadráveis na perspectiva contra-ordenacional podem não ser inequivocamente passíveis de censura criminal.
”Na origem deste processo está uma exposição dirigida à PGR e posteriormente remetida para o DIAP. Ainda que a informação não seja confirmada pela PGR, a Lusa refere que a exposição partiu de associações zoófilas.Mas, e segundo alguns elementos das forças de segurança contactados pelo Correio da Manhã, as autoridades pouco podem fazer.
“Existe um vazio legal, já que as lutas de cães são encaradas como contra-ordenações. Não são um crime e, como tal, é impossível, por exemplo, conseguir um mandado judicial para uma propriedade privada onde decorram combates”, referiu um elemento policial.
A complicação remete para uma de duas faces da moeda. De acordo com um responável da PSP, afecto ao Comando de Lisboa - onde têm sido recuperados alguns cães roubados - “existem dois mundos relacionados com esta realidade, e é difícil garantir que não se tocam”. Mais fácil é dizer que o acesso a ambos é “muito complicado”.
Num dos casos, os indivíduos, muitas vezes treinadores ou criadores, têm um cão e usam-no para lutas combinadas. Diferente é, segundo o responsável, “a existência de um circuito organizado, com um subsistema próprio destinado ao roubo dos animais, com uma componente de treino e outra de lutas”.
“E é difícil garantir que as duas não se tocam. Basta perguntar como se arranjam os cães para os combates combinados...”, lembra o elemento da PSP. “Este tipo de fenómeno ocorre muitas vezes em bairros degradados ou áreas isoladas.”As apostas, que chegam às centenas ou milhares de euros, podem existir nos dois casos.
A definição de uma ‘hierarquia social’, de cães vencedores e respectivos donos, é frequente nas lutas de rua. Para os animais, no entanto, é apenas uma questão da sua natureza, segundo explicou um elemento das forças de segurança que lida com cães.
“O cão luta porque sente o seu espaço ameaçado. Numa arena, mesmo que não conheça o ambiente, o cão reage à presença de outro animal. Numa situação normal, em natureza, tudo não passaria de um ou outro golpe - com o animal mais fraco a desistir”, refere.
Ricardo Marques
Diário de Notícias 27-06-2002
Não pode ter cães quem tiver sido condenado por crime contra a vida ou a integridade física
Vestidos com fatos impenetráveis, apoiados por um laço de detenção, uma jaula e um sedativo: assim se apresentam os elementos das equipas de segurança que, em breve, deterão animais perigosos que estejam ilegais.
Segundo a jornalista Sandra Moutinho, da agência Lusa, a medida visa combater o crescente número de incidentes com cães perigosos que têm sido noticiados e que envolvem, nomeadamente, canídeos da raça pit bull. Mas a detenção destes animais não pode ser feita por elementos de segurança sem preparação específica, pelo que as companhias cinotécnicas da GNR e PSP vão ser chamadas a actuar.
Como explicou à Lusa o capitão Gomes de Almeida, que dirige a companhia cinotécnica da GNR, deter um cão que pode ter características perigosas requer muitas horas de treino. A equipa tem sido chamada, por exemplo, a deter animais violentos que atacam os donos nas suas próprias residências ou imobilizar canídeos que se encontram em espaços particulares e são utilizados para não deixar entrar ninguém, nomeadamente as forças de segurança.
Por esta razão, não poderiam as companhias cinotécnicas ficar à parte das iniciativas que as autoridades estão a elaborar para deter animais perigosos que se apresentem ilegais. Sobretudo nos últimos tempos, têm sido detectados combates entre cães em várias zonas do País, suspeitando-se que este "negócio" movimenta milhares de euros.
Segundo a legislação em vigor, "os espectáculos ou outras manifestações similares que envolvam lutas entre animais de companhia" constituem contra-ordenações puníveis pela Direcção-Geral de Veterinária com coima cujos montantes variam entre os 500 e os 3750 euros.
Para Gomes de Almeida, a aplicação rigorosa da lei passa pela identificação dos animais. Ou seja, um pit bull tem de ter uma licença emitida pelo município, sob parecer favorável, obrigatório, do médico veterinário municipal da área do alojamento.
O município, por seu lado, só pode outorgar a licença se o requerente for maior de idade e não estiver interdito, por decisão judicial, para gerir a sua pessoa e os seus bens.
O proprietário do animal não pode ter sido condenado por crime contra a vida ou a integridade física nem ter sido condenado por infracções em matéria de detenção dos animais. Terá ainda de apresentar um documento que certifique a formalização de um seguro de responsabilidade civil por danos a terceiros que possam ser causados pelos animais. Esta licença deve ser renovada todos os anos.
São estes preceitos legais que serão fiscalizados. Se não estiver tudo em ordem, as forças de segurança levarão o animal para o canil, onde será abatido.