daktari Escreveu:CRIADOR É FACIL INTITULAR-SE.
Quem tem uma cadela em cio, certamente arranjará um cão para a fecundar.
Nove semanas depois é um criador de cães....
Até parece uma receita culinária!...
Se fosse assim tão simples não seria necessário escrever este artigo. Não devemos confundir criar cães, com multiplicar cães.
Ser criador significa:
1. Ø Melhorar uma raça, agora e sempre.
2. Ø Não poupar tempo, nem trabalho.
3. Ø Ter amor aos animais.
Como é óbvio, ser criador não é trabalho fácil. Antes de mais é indispensável amar os animais, sem o que não conseguiríamos o objectivo primordial. Esse sentimento não pode ser fraco, mas sim poderoso, porque por vezes terá que haver vítimas. Mas esta carolice também não deve ser cega de forma a impedir o criador, no seu interesse, presente e futuro, de agir pelo bem da raça que escolheu.
Para além do amor dispensado a todos os animais, o criador deve ser capaz de eliminar imparcialmente um cachorro, que à nascença apresente defeitos.
Talvez deva ainda, no interesse evidente dos próprios cachorros a criar, suprimir animais de perfeita saúde, quando a ninhada for excessivamente numerosa, o que nem sempre é fácil tendo em conta que poderá acontecer eliminar por vezes um ou mais cachorros de grande valor em prejuízo de outros, que poderão mais tarde revelar anomalias.Criar cães com um objectivo bem definido exige do criador uma certa dureza, ao contrário dos seus próprios sentimentos para com os seus protegidos. Assim aquele que recuar perante esta dureza não terá estofo de criador. À sua firmeza de carácter será ainda posta a rude prova, aquando da colocação dos cachorros por si criados em boas mãos, pois as experiências com alguns proprietários de jovens cães são muitas vezes ocasião de depressão e dissabores. Julga-se ter encontrado o dono que convinha, mas, semanas depois, verifica-se o contrário: o cão que criámos com todos os cuidados estragou-se por mimos de um proprietário ignorante, que agora já não gosta dele. Porém, o cão com a sua percepção também já não lhe corresponde. E, regra geral, o proprietário vai exigir ao criador, que retome o cão que ele estragou, pedindo-lhe um preço superior ao da compra, pois «não se tratou um cão todo este tempo por nada». Inútil fazer entender a esses proprietários, que a culpa não é do cão, mas sim deles. Que não se devolve um cão trocando-o como a um objecto qualquer.
Melhor dizendo, não entendem que um cão não é uma mercadoria, mas sim um ser vivo, que tem direitos e perante quem tem obrigações. Este género de dificuldades repugna, por vezes, muito bons criadores. É pena! Talvez fossem estes os melhores criadores.
Quando criamos cães devemos saber suportar os homens, juízo seja feito, no entanto, e com satisfação, que é graças aos cães, que também concretizamos agradáveis relações, tendo a oportunidade de travar conhecimento com grande número de gentis pessoas.
Deve ainda o criador a quem acontece ter algum êxito, suportar a inveja sentida por aqueles colegas que nada conseguirão por incapacidade própria e que procurarão possivelmente prejudicá-lo. Certos criadores só se refazem disto com dificuldade, acabando às vezes por virar a costas à Cinologia, cheios de amargura e com certa estupefacção.
O criador tem ainda o dever de habituar os cachorros a serem asseados desde tenra idade a fim de evitar que eles cresçam como “porquinhos”, consagrando também grande parte do seu tempo à limpeza do canil e a pentear e escovar os cães.
É necessário, não só aos cachorros como também ao criador, dispor de imenso espaço, pois os animais dejectam várias vezes ao dia, o que implica ter o criador que se baixar e voltar a baixar-se multiplicando assim o seu trabalho, não sendo este de modo algum indicado a pessoas com saúde delicada.
O criador deve ele mesmo, cuidar dos cachorros desde muito cedo. O contacto com o homem é dos mais importantes para o desenvolvimento psíquico do cão, sendo-lhe esta ocasião proporcionada pelos cuidados corporais diários. Escovar e pentear, quanto mais não seja, uma ninhada de 5 ou 6 cachorros, controlando cada um deles uma vez por dia, toma-lhe muito tempo. Quem não dispõe desse tempo não deverá dedicar-se à criação de cães.
A criação de uma ninhada não se faz sem problemas. Apresentam-de variados variadíssimas dificuldades começando talvez pelo nascimento, seguindo-se os cachorros que adoecem e morrem, e alguns que também se desenvolvem mal.
Todos estes factores fazem parte da criação e aquele que não quiser admitir isto nunca será um verdadeiro criador.
Mas isto não acaba aqui!
Não sendo a perfeição uma dádiva do céu, ainda não aconteceu um criador nato cair do céu.
Ter vontade de aprender cada vez mais é essencial para que o criador adquira os seus galões. Está claro que alguns pretendem já tudo saber após terem criado com algum êxito uma ou duas ninhadas, profetizando os seus conselhos a torto e a direito, sendo o verdadeiro entendido aquele que: mesmo após dez ninhadas, revê o seu julgamento, modificando a sua opinião, no caso desta se revelar errada, conversando com outros criadores e tirando partidos disso. Será sempre este criador um estudioso da literatura respeitante à criação, comparando sempre os seus cães com os dos outros e evitando tomadas de posição.
Tudo isto se pode abarcar, se tivermos muito boa vontade. No entanto, saber diferenciar intuitivamente o essencial é um dote, que não se possui, mas que se pode cultivar.
Na sua área o criador é um artista comparável a um escultor, que vê no bloco de pedra a estátua já realizada. Pois ao primeiro golpe de vista o criador deve captar o que determina o valor de um cão, sabendo diferenciar particularmente, se este ou aquele cão é precioso ou não para a sua criação. Aquele que é dotado para a criação ainda será falado daqui a alguns anos nos meios da canicultura como um grande perfeccionista da raça.
Você não tem esses dotes? Não desencoraje!
Nem todos os cães são campeões, assim como os criadores também não o são. O nível de uma raça depende da qualidade média dos criadores, daqueles que com zelo e dedicação compreendem que se deve manter e reforçar o que com talento criativo foi feito pelos outros. Sem esta média o criador mais dotado trabalha no vazio. Como o escultor precisa de um bloco de pedra bruta para a sua obra, assim o criador de elite tem de começar com o material de criação que existe, fazendo progredir a raça tanto quanto melhor for a matéria-prima de base. O pequeno criador que põe essa matéria-prima à disposição, tem tanto valor quanto o criador experiente que fixa a meta a atingir.
As boas intenções de nada servem se não se dispuser de espaço suficiente para passar à execução dos seus projectos de criação. È ser optimista e idealista se pensar criar a primeira ninhada em casa, no seu lar. Nada resiste à actividade dos cachorros em crescimento. Nem os tapetes, nem o jardim, e muito menos o protagonista dessa ideia. Neste caso, qualquer criador teria arruinado os seus projectos se não construísse um canil provisório para esta primeira ninhada e um definitivo para as seguintes. Não pode ser de outra maneira, mesmo com raças pequenas! É necessário aos jovens cães estarem ao ar livre. Faz-lhes falta o contacto com a natureza e não podemos, nem devemos criá-los como flores de estufa. Tal como para as crianças, é vantajoso que os cachorros estejam em contacto com todos os tipos de bactérias e vírus, para que façam as suas doenças de infância enquanto são jovens e não quando forem adultos. Eles ficarão assim imunizados e ao abrigo de muitos problemas.
Da mesma forma, os cães em crescimento devem acostumar-se desde a mais tenra idade, ao clima das quatro estações, ora molhando-se, ora suportando o sole o frio. Eles terão o benefício de tudo isto mais tarde.
É também importante para o criador participar num grande número de exposições no seu país, assim como no estrangeiro, com cães por ele criados. Claro que isto implica o dispêndio de muito tempo e dinheiro.
Tendo esta regra já feito as suas provas, o bom criador deve cingir-se a uma só ninhada por ano, por cadela, não fazendo reproduzir antes dos vinte e quatro meses de idade e não permitindo a sua cópula com cães machos de idade inferior.
Previamente o criador terá tomado conhecimento se existem prescrições de criação elaboradas e estabelecidas pelo clube especializado da raça que o interessa, pois grande parte destes clubes editaram regulamentos restritivos e cuidam que eles sejam observados e respeitados. Não pretendo aqui julgar se este ou aquele dirigismo é necessário ou não, quero simplesmente acreditar que esses regulamentos foram estabelecidos no interesse da raça, para a sua continuidade e progresso, inclinando-me perante o facto de que, se estes não forem cumpridos e respeitados, nenhum certificado de ascendência será obtido.
Não será talvez o caso no nosso país, visto ainda se admitirem em Portugal e no Clube Português de Canicultura cães de R.I. (Registo inicial), não se fazendo um controlo rigoroso das ninhadas, e não sendo também obrigatória a tatuagem nos cães de raça por parte dos criadores aquando da inscrição inicial desses no L.O.P (Livro de origens Português). Pois a identificação na maioria dos casos só é praticada após a venda dos cachorros, sendo os compradores da altura então obrigados a procederem a identificação dos seus animais em virtude de existirem exigências impostas pelo CPC só aquando dos pedidos de transferencia de propriedade assim como para na obtenção do LOP definitivo nesse mesmo órgão por parte dos supostos interessados. Tudo isto não faz muito sentido pois na verdade se controle houvesse teria de ser os criadores a proceder a identificação dos seus produtos aquando do nascimento dos mesmos e não os compradores a faze-lo após aquisição desses. Será isto uma lacuna provisória? O futuro nos dirá!
Por várias razões é desaconselhável praticar a criação de cães de “ raça pura, mas sem pedigree” (?!), como se pode por vezes ler nalguns anúncios. O que poderá significar «raça pura, mas sem pedigree»?
A pureza de uma raça deve precisamente ser notificada e comprovada pelo certificado de ascendência. Aquele que o não tem não pode pretender sem mais que o seu cão seja de raça pura.
Com a organização cinológica actual que é bastante restrita, é praticamente impossível tomar parte numa prova de trabalho com um cão sem documentos comprovativos de ascendência, assim como participar numa exposição de beleza com esses mesmos exemplares, sendo ainda invalidados os descendentes de tais animais, que como é óbvio também não irão conseguir os seus pedigrees.
Devemos ainda desconfiar daqueles que não registam todos os cachorros de uma ninhada, fazendo venda dos mesmos, assim como daqueles que nas suas instalações possuem exemplares não registados. Fariam melhor estes comerciantes de cães procurar outro ramo mais lucrativo.
Julgo eu que é lógico que tal não entre no âmbito do criador sério e que sito nem sequer seja por ele considerado.
Na altura da reprodução da sua cadela, esta anuncia-se aos cinólogos responsáveis da sua zona e em tempo oportuno segundo as directivas de criação, ela confirma-se conscientemente.
Na maior parte do tempo os órgãos dos clubes existem para dar conselhos ao principiante e se necessário ajudarem-no. Por isso é de grande vantagem para o criador fazer parte dessas organizações, tornando-se sócio, como membro activo.
É pena que alguns criadores façam pouco caso das leis da hereditariedade, dando assim muitas vezes origem à multiplicação de taras graves dos progenitores através da sua reprodução, não tendo aqueles feito um estudo de ascendência suficientemente aprofundado. Mas diga-se que a responsabilidade é também dos juizes de exposições para os quais julgar não é fácil, podendo acontecer por vezes atribuírem prémios a cães de inferior bagagem genética em prejuízo de outros, que ficam relegados para segundo plano e que muitas vezes poderão ser melhores transmissores das características genéticas que interessam a uma raça.
Que me perdoem os que com artigo se sentiram lesados, mas não foi com outro objectivo senão o de diferenciar os bons criadores dos maus, tendo, de certeza absoluta, omitido focar muitos outros problemas neste artigo.
Vitor Manuel Dos Santos Oliveira (criador de Pastor Alemão).
CRIAÇÃO DE CÃES
Por princípio, ninguém deve empreender a criação de animais de que não conheça bastante bem os usos e costumes, as exigências orgânicas, as qualidades morais normais e as aptidões utilitárias, os caracteres morfológicos da espécie e da raça.
Correrá o risco de, inconscientemente ou por má orientação, estar a produzir indivíduos fisicamente imperfeitos e de deficiente ou imprópria produção.
Sobre cães, vou procurar dar ao leitor uma ideia, quanto possível clara, embora em termos forçadamente resumidos, das características morfológicas fundamentais de um grande número das raças de cães mais conhecidas e das particularidades anatómicas que, dentro do tipo das raças, definem os «cães bons» e os «cães bonitos» e pô-lo de sobreaviso contra as que devem recusar-se intransigentemente nos cães de trabalho, seja qual for a sua raça.
Por outras palavras: procurámos habilitá-lo a proceder conscientemente a selecção dos seus produtos, com vista a mantê-los no desejável tipo «Standard» da raça.
Reagindo contra certos preconceitos e contra-sensos com profundas raízes no espírito de muitas pessoas, é a altura, agora de dizer-lhes como deverá orientar-se na escolha dos reprodutores, para que os descendentes tenham todas as probabilidades de corresponder inteiramente ao que deles se espera, em que condições devem ser criados, alimentados e instalados e quais os mínimos cuidados de higiene que devem ser-lhes dispensados para que possam viver em perfeito estado sanitário e em condições, portanto, de prestar melhor os serviços que lhes podem ser confiados.
I.GENERALIDADES
Nunca será de mais repetir que são os animais de pura genealogia de raça os que apresentam, mais acentuados, os respectivos caracteres físicos, qualidades morais e aptidões, fixados por selecção.
No actual estado de aperfeiçoamento da animalicultura, isto equivale a dizer-se que «nenhum cruzamento poderá dar origem a animais com melhores qualidades que as dos indivíduos puros das raças que nele intervieram».
Muito excepcionalmente, o produto de um cruzamento poderá apresentar qualidades que o tornem particularmente apreciável, sob o ponto de vista da utilização prática de uma determinada aptidão. Mas, mesmo nestes casos muito pouco frequentes, estaremos em presença de um indivíduo apenas bom para um determinado fim e que, embora se preste a ensaios de fixação, segundo as leia da genética que o criador, não sendo zootécnico, em geral desconhece, não deverá ser empregado como reprodutor, nas condições normais, uma vez que aptidão ou particularidade que o valoriza não se reproduziria com a mesma intensidade nos respectivos descendentes.
Estes cruzamentos, chamados de primeira geração porque se destinam ao aproveitamento do produto para qualquer fim, excluindo-o da reprodução, são muito usados em avicultura. Por exemplo: cruzam-se galos Indian Game, de peito larguíssimo e muito pesados, mas de carne bastante inferior, com galinhas Dorking ou de qualquer outra raça famosa qualidade da carne, mas de muito menor peso, para se obterem frangos de carne regular e abundante.
Entre nós foi generalizado costume, ainda não posto de parte totalmente, fazer os mais disparatados cruzamentos de cães e cadelas de raças diferentes, individualmente tidos e reconhecidos como possuidores de qualidades que tornavam cada um altamente recomendável sob um determinado aspecto, na crença ingénua de que esses dotes excepcionais apareceriam reunidos nos filhos.
Cada tentativa era uma decepção: os produtos assim obtidos em vez de apresentarem reunidos, como se julgava infalível, as qualidades primorosas dos pais, regra geral acumulavam os defeitos de um e outro, quando não acusavam uma regressão a tipos de antepassados indesejáveis. Mas tomava-se por excepção o que, afinal, era a regra e ia-se insistindo na prática, sempre, como não podia deixar de ser, com resultados negativos.
Portanto, por mais vantajosos que quaisquer cruzamentos pareçam, salvo o caso já apontado dos chamados de primeira geração, devem ser postos inteiramente de parte, empregando-se como reprodutores sempre e só animais de boa genealogia.
Os ingleses, a que, sem favor, podemos chamar os mestres da animalicultura, tiveram sempre o culto da pureza de sangue e do animal perfeito e foi assim que conseguiram assegurar a continuidade das raças e o seu prestígio.
Deve dizer-se, em abono da verdade, que a selecção das raças, com vista ao aperfeiçoamento e desenvolvimento das suas aptidões características, teve o seu início em França, na idade média, e só mais tarde foi continuada e aperfeiçoadíssima na Inglaterra.
O cão doméstico é uma das espécies zoológicas de que existe maior número de raças e de variedades.
Dá-se o nome de raças aos grupos de animais da mesma espécie zoológica como características e aptidões próprias, que se transmitem de geração para geração; e chamam-se variedades os grupos de indivíduos de uma determinada raça que, além dos respectivos caracteres gerais, apresentam certas particularidades que lhes são peculiares e igualmente se transmitem de pais para filhos, embora com menos regularidade.
Em zootecnia, ainda se dão os nomes de família aos conjuntos de animais unidos por vínculos de parentesco consanguíneo em graus diferentes, e de linha pura à descendência de um casal de reprodutores conhecido, da mesma raça e variedade, que se perpetua sem intromissão de sangue estranho.
Os criadores podem ter em vista dois objectivos distintos:
a) conservar-se as suas raças e variedades sob a forma reconhecidamente pura;
b) procurar corrigir-lhes quaisquer pequenas falhas ou acentuar alguma característica ou aptidão mais apagadas.
Ao amador recomendamos que limitem as suas actividades às da alínea a), praticando apenas a selecção dos seus produtos.
As actividades da alínea b) obrigam a cruzamentos da raça a melhorar com uma raça melhoradora, judiciosamente escolhida, e esses cruzamentos raras vezes dão os resultados desejados, mesmo quando orientados por técnicos experientes e possuidores de conhecimentos que, em geral, faltam, não só aos simples proprietários, como à generalidade dos próprios criadores, uns e outros pouco versados em biologia.
É a razão por que já dissemos, e repetimos, que o interesse maior do criador, que não seja especializado em zootecnia, está em possuir animais de raça pura, com as suas características físicas e morais suficientemente nítidas e constantes para merecerem a confiança e preferência do proprietário e permitirem-lhe escolher as que melhor correspondem ao seu gosto, ao fim a que as destina e melhor se prestem a servir esse fim nas condições climáticas e nas da configuração geológica da região em que se propõe utilizá-las, tirando, assim, todo o proveito possível das qualidades fixadas por criadores inteligentes e verdadeiramente merecedores do título de cinofilos.
Como é óbvio, a qualidade dos filhos depende de múltiplos factores que derivam da própria natureza íntima dos pais e se reflectem na dos descendentes, o que impõe uma escolha muito judiciosa e cuidada, sob vários pontos de vista, dos indivíduos destinados a reprodutores.
Em ligeiras notas e com o mero intuito de dar ao leitor uma ideia muito geral sobre estes assuntos, vamos passar em revista a origem e natureza daqueles factores.
II. MÉTODOS DE REPRODUÇÃO
A criação de animais de raça pura pode fazer-se segundo dois métodos: usando reprodutores mais ou menos estreitamente aparentados (pais e filhos, irmãos e irmãs, etc.), ou fazendo os acasalamentos entre indivíduos da mesma raça e de pura genealogia, mas pertencentes a famílias entre as quais não existe o menor laço de parentesco, próximo ou remoto.
O primeiro destes métodos, chamado apuramento em consanguinidade, tem sido muito discutido por autores que, levados pelo entusiasmo das suas convicções, ou para as fazer valer perante o público e os seus opositores, lhe atribuem as maiores virtudes ou os piores inconvenientes, em qualquer dos casos, a maior parte dos inconvenientes de que é acusado este método de reprodução é muito mais da responsabilidade de quem o utiliza sem peso nem medida, a torto e a direito, como costuma dizer-se, do que propriamente do método em si.
O apuramento em consanguinidade, ao contrário do que muitos pretendem fazer crer, não cria novas qualidades, aptidões ou caracteres, nem, tão pouco, novos vícios, doenças ou taras, pela razão muito simples de não poderem os progenitores transmitir aos filhos senão aquilo que neles já exista. Este método de criação, porque acentua o poder de hereditariedade, o que assegura é a transmissão mais regular e evidente dos caracteres e aptidões dos reprodutores aos respectivos descendentes.
O emprego deste método de reprodução é, pois, indispensável sempre que se tem em vista acentuar um carácter, uma particularidade, ou uma aptidão pouco evidentes; e o maior elogio que pode fazer-se-lhe é reconhecer, como os mestres de animalicultura ingleses, que o seu uso e indispensável e o único meio seguro de se criarem e fixarem novas raças e de aprimorar as já existentes.
Os criadores ingleses usam normalmente o método do apuramento em consanguinidade, que só abandonam quando a experiência lhes diz que é indispensável fazê-lo, passando então a empregar reprodutores de parentesco cada vez mais afastado, chegando raras vezes a ir além do emprego de um colateral e a usar reprodutores de famílias diferentes; mas, só em casos muito especiais, passam abruptamente da consanguinidade próxima para a ausência total de parentesco.
A reprodução em consanguinidade é muito frequente entre os animais no estado natural, tanto entre os que se reproduzem aos casais, como nos que vivem em bandos mais ou menos numerosos e nos que se encontram confinados em pequenas propriedades, sem comunicação com o exterior.
Quaisquer inconvenientes que do facto resultem, a sábia Natureza se encarrega de os eliminar pela chamada selecção natural, que consiste em afastar das funções de reprodutor, por meios por vezes curiosos, os mais fracos, os doentes, os de qualquer modo inferiorizados.
Os inconvenientes do apuramento em consanguinidade mais frequentemente observados são o enfraquecimento orgânico e a consequente tendência para a esterilidade, que resultam, na maioria dos casos, o emprego da mesma cadela para sucessivas criações, ou do mesmo cão, como reprodutor, em excessivo número de vezes num curto prazo.
Esses inconvenientes podem combater-se por meio de regimes alimentares especiais, pela moderação no emprego dos indivíduos dos dois sexos nas funções de reprodutores e por bem orientada selecção.
Não é este texto, pela sua índole e finalidade, o local mais apropriado para explanação e debate, destes problemas de zootecnia, pelo que nos limitamos a pouco mais que enunciá-los.
III. ESCOLHA DE REPRODUTORES
Seja qual for o método de reprodução empregado, o factor de que essencial e decisivamente depende a excelência, a banalidade, a mediocridade ou a completa nulidade do valor dos produtos é, sempre, o critério inteligente que presidir à escolha dos reprodutores.
Antigamente (e hoje ainda há quem sinceramente creia) supunha-se que cada um dos reprodutores transmitia invariavelmente aos filhos determinadas características: o pai, as formas exteriores e, a mãe, as qualidades morais.
Convencidos da veracidade indiscutível deste princípio, muitos criadores realizaram os mais disparatados cruzamentos, que tiveram, como não podia deixar de ser, os resultados também mais deploráveis.
É curioso assinalar que, na Inglaterra, onde estas coisas costumam ser tratadas a sério, esteve muito em voga, nos primeiros anos deste século, um cruzamento de cães Pointer e cadelas Setter, a cujos produtores era dada a designação de «dropers» e nos quais se pretendia ver reunidas a aristocrática linha do Pointer e o temperamento calmo e dócil da Setter.
Mas o que mais vezes se viu foram uns ridículos Pointer com franjinhas nas orelhas e na cauda e Setters com a cauda de pelo curto e outras deficiências pilosas por diferentes partes do corpo.
Pela própria evidência dos factos, aquela teoria simplista teve que ser posta de parte e chegou-se à conclusão, muito mais racional, de que o tipo predominante nos descendentes será imposto pelo reprodutor que, no momento da união sexual, tenha sobre o outro vantagens, tanto no que respeita às suas constantes, adquiridas através de numerosas gerações, como também pelo seu melhor estado fisiológico. Quer dizer, quando se pretenda reproduzir os caracteres de determinado cão é preciso que este seja de constituição robusta, possua os caracteres de raça acentuados e distintos e que, no momento do acasalamento, não se encontre deprimido por excessos de qualquer natureza, como pode suceder frequentemente nas épocas de provas e concursos, ou quando, recentemente, tenha sido solicitado diversas vezes para reprodutor.
Também antigamente se supunha que seria impossível formular quaisquer leis capazes de explicar os fenómenos de hereditariedade, que era considerada consequência de uma força misteriosa que distribuía, cegamente, entre pais e filhos, as semelhanças, tanto de ordem morfológica, como de natureza fisiológica e moral.
Hoje, embora as opiniões dos cientistas apresentem certas divergências, quanto à forma como exerce a sua acção, a hereditariedade é tida no consenso geral como um fenómeno fisiológico, não completamente esclarecido, mas que não tem nada de misterioso, no sentido em que era tida.
Foram as observações e experiências de Beneden Hertwig, Fol, Strassburger, Bambeke que forneceram as bases científicas do problema, confirmadas por tantos outros, de então para cá.
Na reprodução reservada, normal entre os animais e apenas com as raras excepções dos que se multiplicam por autonomia, destacando do seu organismo pequenas partes que, depois, regeneram e que lhes falta para constituírem novos indivíduos completos, independentemente de qualquer intervenção dos sexos, na reprodução reservada, dizia-mos, dá-se a intervenção de duas células, uma destacada do organismo do pai e outra do da mãe, que formam um ovo e são as células deste, pelo seu sucessivo desdobramento de cada uma em duas, que dão origem a um novo ser.
São raros os casos em que o potencial hereditário é igual nos dois progenitores e raros igualmente, portanto, aqueles em que os produtos apresentam igualmente vincados os caracteres dos dois progenitores.
Regra geral, os filhos «parecem-se» mais com um dos geradores, com o que, no momento da união sexual permanente ou transitoriamente, possuía o potencial hereditário preponderante.
As características do ovo são muito diferentes, segundo os pais pertencem à mesma raça pura ou a raças diferentes. No primeiro caso, todos os indivíduos, formados em múltiplas gerações, descendem de pais morfológica e fisiologicamente iguais ou, pelo menos, muito semelhantes e, assim, mesmo que uma das células reprodutoras tenha um potencial hereditário mais forte ou menos vincado, o produto é sempre de raça pura e a continuidade dessa matéria viva mantém-se nas características da raça, através das gerações futuras. No segundo caso, perturba-se o fenómeno da continuação da matéria viva, criando-se um produto com caracteres mistos, dissociáveis, que não podem manter a estabilidade consequente de um património hereditário, inalterável, obtido através de inúmeras gerações.
Os criadores mais exigentes consideram factor também muito importante, para a judiciosa escolha dos reprodutores, o conhecimento tão completo quanto possível da ascendência dos dois indivíduos em presença exigências estas que aos amadores desprevenidos podem parecer excessivas, mas que se justificam perante a possibilidade de, entre os produtores de irmão e irmã da mesma raça e variedade, aparecem, como de facto aparecem, com certa frequência, indivíduos com caracteres de outra variedade, quando na respectiva árvore genealógica comum figura algum antepassado dessa variedade, ainda que bastante remoto.
É, por exemplo, o caso, que já se tem verificado, de numa ninhada de cachorros filhos de «irmão e irmã da raça Setter «blue belton», aparecerem alguns «lemon belton», ou mesmo tricolores.
São as surpresas o atavismo, moção antiga que admitia o regresso brusco, mas misterioso, de um descendente a um antepassado mais ou menos remoto e que, hoje, se explica pela disjunção dos factores hereditários que, nos cruzamentos entre raças domésticas, pode conduzir a descendentes do tipo primitivo, ou selvagem, de alguma delas.
Não basta que cão e cadela sejam da mesma raça pura e de bom tipo para se poder confiar inteiramente no bom êxito do seu acasalamento.
Um e outro podem apresentar, sob o ponto de vista morfológico, qualidades excepcionais e, no entanto, ser definitivamente ou estar transitoriamente contra-indicados para a reprodução. Os casos que aconselham a exclusão das funções de reprodutor são mais frequentes nas fêmeas que nos machos. Nestes, o primeiro motivo de exclusão é a presença de uma hérnia umbilical, não porque esta se revista de qualquer importância com influência sobre a aptidão à reprodução, mas por estar comprovado que essas heroínas são de origem hereditária e haver, portanto, todas as probabilidades de se transmitirem aos filhos.
Nas cadelas, as principais contra-indicações, são a existência de uma hérnia inguinal, também de origem hereditária, que nos partos particularmente perigosas e se reproduz muito frequentemente nos filhos; as deformações ou alterações dos ossos da bacia, resultantes de raquitismo ou de fracturas que constituem, também, sério obstáculo para o parto, obrigando, em certos casos, a torná-lo completamente impossível.
Devem ser igualmente motivo de exclusão das funções de reprodutor todas as doenças hereditárias e as que se transmitem por infecção mediante um simples contacto directo, embora de curta duração.
As doenças não têm todas a mesma importância nem se transmitem com igual facilidade; sob um ponto de vista prático, costumam dividir-se em três grupos: no primeiro, incluem-se todas as altamente contagiosas, que impõem o afastamento absoluto dos animais atacados, não só das funções de reprodução, mas ainda de qualquer contacto com outros animais da mesma espécie, dado o perigo de os contaminarem; no segundo grupo, reúnem-se as doenças não contagiosas, que denotam um temperamento especial que pode, sob a influência da hereditariedade reproduzir-se nos cachorros, com a obesidade, eczemas, diabetes, etc.; no terceiro grupo, finalmente, figuram as afecções ou deformações acidentais, amputações da cauda ou das orelhas, cicatrizes de desastres ou de intervenções cirúrgicas, que não têm nenhuma influência no caso em questão.
Entre os cuidados a observar na escolha dos reprodutores, há que atender, também, a respectiva estatura e conformação.
Ainda que sejam da mesma raça, nunca se deve fazer cobrir uma cadela de pequena estatura por um cão exageradamente grande, porque é sujeitá-la inevitavelmente, às) consequências de um parto difícil, com todos os inconvenientes que do facto derivam para a mãe e para os filhos.
Na escolha dos reprodutores deverá, pois, atender-se tanto à semelhança da configuração geral, como à relatividade da estatura dos animais, dentro do tipo da respectiva raça.
Também, para uma boa solução deste problema, é muito de ter em consideração a idade dos animais que se pretende acasalar. A mais favorável, nos dois sexos, é a compreendida entre os dois e os cinco anos.
Antes dos dois anos, corre-se o risco de não terem os reprodutores, ou algum deles, atingido, ainda, o seu pleno desenvolvimento e de, por tal motivo, os descendentes apresentarem sinais de raquitismo ou quaisquer outros traços de degenerescência; e, depois dos cinco anos, o de os cachorros perderem rusticidade, apresentarem-se delicados, com predisposição para várias doenças, ao mesmo tempo que as ninhadas começam a ser irregulares.
Para além dos limites apontados, particularmente para cima dos sete ou oito anos, só deverão empregar-se como reprodutores, cães ou cadelas de características ou aptidões excepcionais que valha a pena procurar reproduzir o maior número possível de vezes.
Quer os reprodutores sejam ou não consanguíneos, a preocupação maior do criador, cioso da boa qualidade dos seus produtos, deverá ser a de evitar, sistemática e intransigentemente, as uniões entre indivíduos de temperamento semelhante, de idênticas e indesejáveis tendências mórbidas.
Ora, tanto nas uniões consanguíneas podem empregar-se animais estreitamente aparentados, mas que à parte as características de raça, em ambos igualmente bem acentuadas, sejam completamente diferentes física e moralmente, como, nos acasalamentos de animais da mesma raça e sem nenhum parentesco entre si, se podem unir indivíduos que, não obstante as respectivas «pedigrees» lhes assinalarem origens em que não há nenhum antepassado comum, são, de jacto, mais consanguíneos que os primeiros, por serem, portadores de taras comuns, de temperamentos iguais, apresentarem as mesmas tendências para determinados estados patológicos.
Portanto, pode dizer-se que o resultado das uniões depende, como é óbvio, da escolha dos reprodutores, mas é dominado por uma questão de inteligência da parte do criador. Se este não sabe distinguir se determinados indivíduos estão em condições de ser acasalados e pretende obter descendentes de progenitores, aparentados ou não, mas física e moralmente muito semelhantes, linfáticos, de faro rudimentar, com tendência para a adiposidade ou as doenças de pele, etc., os produtos de semelhantes uniões serão simplesmente deploráveis.
IV. SELECÇÃO
Para a manutenção das suas raças na condição de pureza de sangue, o animalicultor dispõe de dois métodos de reprodução a que já nos referimos: a criação entre reprodutores de raça pura, mais ou menos estreitamente aparentados, ou entre reprodutores de raça pura, mas de famílias diferentes, portanto, sem nenhuns laços de parentesco entre si.
A fixação dos caracteres morfológicos, das qualidades morais e das aptidões e a sua transmissão, tão integralmente quanto possível, de geração para geração, são asseguradas por meio da selecção.
No sentido mais lato da palavra, selecção, (de seligere — escolher significa a escolha dos reprodutores. Portanto, pode dizer-se que há selecção em todas as criações em que os reprodutores não são postos em presença perfeitamente ao acaso.
Dada a diversidade de circunstâncias em que podem fazer-se os acasalamentos e de sentidos em que é possível orientar a escolha dos reprodutores, houve necessidade de restringir o sentido da palavra, de modo que, quando é desacompanhada de objectivo qualificativo que a defina, isso quer dizer que se trata da exclusão das funções de reprodutores dos indivíduos deficientemente caracterizados sob os pontos de vista morfológico e racial, insuficiente ou excessivamente desenvolvidos, portadores de taras hereditárias, de aptidões mal definidas ou, por qualquer outra forma, distantes do tipo ideal da raça, sob os aspectos biológico, fisiológico e utilitário.
Segundo o fim particular que se tem em vista, a selecção pode ser zoológica ou zootécnica. Na primeira, escolhem-se os reprodutores pelos caracteres específicos, enquanto, na segunda, a escolha se faz em vista das aptidões, sem descurar o tipo das raças.
A selecção zoológica visa a conservar a pureza das raças; o fim da solução zootécnica é criar indivíduos que possuam em alto grau as melhores aptidões para os trabalhos ou as produções a que são destinados e pode ser feita em relação a uma função predominante ou com vista a uma produção especial: produção de trabalho motor, nas raças equinas de carne ou leite, nas bovinas e ovinas; de lã ou leite, nas ovinas; de ovos ou carne, nas galináceas e palmípedes; de canto, nos canários, etc.
Nos cães, a selecção pode ter em vista o apuramento da actividade olfactiva, a velocidade da corrida e a resistência à fadiga, a aptidão para a caça ou para a condução e guarda de rebanhos, ou das suas múltiplas aptidões utilitárias.
Em certos ramos da animalicultura o rigor de selecção vai até à castração ou à eliminação pura e simples dos indivíduos defeituosos, únicos meios seguros de se evitar que, por descuido ou, em certos casos, por espírito de ganância de criadores pouco escrupulosos, possam vir a ser aproveitados para reprodutores, visto que não basta escolher em cada geração os melhores indivíduos: é indispensável, também, impedir que os inferiores dêem produtos.
A selecção desempenha um papel importantíssimo na animalicultura: É por seu intermédio que se consegue o aperfeiçoamento das raças primitivas, a purificação das ligeiramente adulteradas e a conservação de sub-raças e variedades.
A conservação das raças no tipo puro exige, apenas, que se excluam de reprodutores os indivíduos em que se manifestem quaisquer desvios do tipo ideal da raça ou sinais de degenerescência, traduzidos em taras, vícios de conformação ou de aptidões.
Quando uma raça se mistura com, outra por virtude de um cruzamento involuntário, a selecção genética permite fazer desaparecer o sinal desse cruzamento indesejável, empregando os reprodutores que mais se aproximem do tipo puro da raça e o mais possível, também semelhantes entre si, fisicamente, e que possuam a maior força de hereditariedade atávica. Deste modo, a hereditariedade directa e o atavismo operam no mesmo sentido e, como são postos de parte os indivíduos que se afastam do tipo a regenerar, opera-se a purificação da raça.
Diffloth aconselha que se faça a selecção progressivamente, por eliminações sucessivas, apertando cada vez mais o critério da escolha, fazendo-se a primeira escolha parcial no fim do período da amamentação, a segunda a fim de completado o desenvolvimento físico dos produtos e a terceira uns seis meses depois, quando o tipo dos indivíduos já está confirmado.
Só poderá desempenhar cabalmente as funções de bom seleccionador quem tiver perfeito conhecimento dos caracteres físicos e morais da raça a seleccionar, porque só assim poderá fazer o conveniente emparelhamento da conformação e das aptidões dos reprodutores escolhidos; e quem, ao mesmo tempo, conhecer o respectivo grau de pureza de sangue, podendo assim verificar se na ascendência de um ou outro existe algum parente que não seja da mesma raça.
Não se pense, porém, que a selecção, só por si, possa criar novos caracteres ou promover o aperfeiçoamento das aptidões: a sua acção limita-se a transmitir os caracteres e aptidões já criados e fixados, tornando tão certa e infalível, quando o pode ser, a sua transmissibilidade.
Fique isto assente: os melhoramentos e a modificação dos caracteres são consequência dos métodos de reprodução; a sua fixação e perpetuação indefinida, pelas gerações futuras, são obra da selecção.
Os melhores auxiliares são os «livros de origem», em que se encontra, acerca de cada indivíduo inscrito, tudo quanto relativamente à sua ascendência, importa conhecer.
V. A DEGENERESCÊNCIA
INIMIGO N.° 1 DA PUREZA DA RAÇA
Nos cães do tipo que pode chamar-se normal, que é o predominante no conjunto das muitas dezenas de raças existentes e reconhecidas como tal, são sempre desejáveis, como já tivemos ocasião de dizer aos nossos leitores, umas certas particularidades anatómicas e morfológicas, comuns a todas as raças, a que os respectivos «standards», em geral, especificadamente se referem, e que definem o valor fisiológico, o valor de utilização prática de cada indivíduo. De maneira geral, as características fundamentais, apreciáveis nos cães de tipo normal, são em resumo: crânio com boa capacidade cerebral, quer seja braquicéfalo (curto e redondo),: quer dolicocéfalo (comprido e estreito); maxilares iguais; peito largo e profundo, assegurando alojamento confortável ao coração e aos pulmões; olhos escuros, vivos, inteligentes; nariz húmido, de pele uniformemente escura e com as ventas bem abertas; corpo harmonioso, com as diferentes dimensões bem proporcionadas; rins sólidos; membros bem musculados; pés compactos, quer sejam arredondados ou compridos; aprumos direitos e correctos; pêlo abundante, lustroso, bem pigmentado.
Há raças em que as citadas características anatómicas e morfológicas se afastam das que se observam nos cães de tipo normal, mas em geral, tais desvios constituem, por sua vez, características próprias, que os «standards» não deixam, também, de mencionar e que importa igualmente conhecer para poder verificar-se até que ponto, num indivíduo dessas raças, tais particularidades correspondem à exigências pelos respectivos «standards», ou desde quando, pelo seu exagero, terão que ser considerados defeitos constitucionais.
A falta de selecção ou o seu mau uso, considerada como tal a preocupação do aperfeiçoamento de uma só qualidade ou aptidão, com evidente menosprezo, quando não com deliberado sacrifício, de outras características e qualidades primordiais nos cães de qualquer tipo, são, no campo da zootécnica, procedimentos igualmente insensatos, uma vez que um e outro permitem que se instalem, transmitam e eternizem taras consideradas de importância secundária, mas que, assim mesmo, conduzam inevitavelmente à degenerescência das raças.
A degenerescência é uma diminuição geral da vitalidade de que resulta a alteração dos caracteres, não só das raças, como da própria espécie.
Quaisquer que sejam as raças de que se trate, estas deverão apresentar sempre, bem evidentes, as características fundamentais da respectiva espécie, com as pequenas modificações particulares que constituem as características das raças e não implicam com a natureza e o agrupamento do organismo, pois apenas dizem respeito às suas formas e dimensões.
A única selecção aconselhável e verdadeiramente racional é a que visa ao aperfeiçoamento das boas qualidades, mantendo intacta a beleza natural do animal, isto é, a que procura a melhoria das aptidões, mantendo inalterável o tipo ideal da raça.
O esforço consciente de todo o animalicultor, seja qual for a espécie a cuja exploração se designe, deve ser orientado no sentido de evitar tudo o que possa conduzir à degenerescência das suas raças.
Isto não é tão difícil, nem tão inacessível, que os verdadeiros amigos do cão possam encaminhar os seus esforços nesse sentido, bastando-lhe seguir à risca o exemplo dos seus confrades ingleses que, assim, têm conservado e melhorado as suas excelentes raças, não só de cães, como de todos os outros animais, mantendo em toda a superior beleza original.
A degenerescência dos cães manifesta-se por diversos sinais, que todos os criadores devem estar habituados a conhecer para poderem às primeiras manifestações, intervir com a prontidão e a energia que o caso reclama.
Um daqueles sinais é o definhamento de todo o organismo, resultante da diminuição do esqueleto e do adelgaçamento das suas peças, que são a base da estrutura íntima.
A redução dá capacidade torácica, consequência do adelgaçamento do peito pela diminuição do esqueleto, favorece e intensifica a degenerescência pela atrofia do coração e dos pulmões e o efeito por estes factos exercido sobre a oxigenação do sangue e a sua circulação.
O alargamento dos membros, que pode ser absoluto, ou relativo pela retracção do peito e do abdómen, é uma tara de degenerescência que também se observa na espécie humana, em relação à qual se lhe dá o nome de gigantismo, por dar origem a indivíduos de estatura bastante superior à normal, devido ao desproporcional desenvolvimento das pernas e dos braços, em relação ao tronco, que pouco ultrapassa as suas dimensões médias.
Os cães portadores desta tara, além do seu aspecto chocante, têm maus aprumos, andamentos incertos, mal equilibrados, fraca resistência.
A tendência para a redução do volume da cabeça e o achatamento do focinho, de que resulta a diminuição da capacidade cerebral, é uma das mais greves taras de degenerescência dos cães. Os que a apresentam denotam sensível embotamento da inteligência, mostram-se teimosos, refractários ao ensino e não raro revelam-se mal intencionados e agressivos até para as próprias pessoas.
Quando, ao contrário do que é próprio da espécie, o pêlo se apresenta seco, quebradiço e pouco abundante, o facto denota o desenvolvimento insuficiente do sistema piloso, que acompanha de perto o desenvolvimento geral, sinal evidente de que este está a decorrer anormalmente e, portanto, de degenerescência, em particular nas raças de pêlo comprido.
Todas as deficiências de pigmentação, traduzidas na descoloração do pêlo, nos casos de albinismo, da pele e das mucosas e nos olhos claros são outras tantas provas indiscutíveis de incompleto e imperfeito desenvolvimento e sinais, portanto, de degenerescência.
O mais discutido dos sinais portanto, de degenerescência é o da deficiência da pigmentação.
Para uns, que nós acompanhamos, a despigmentação é uma das mais graves taras depreciativas do valor fisiológico de qualquer cão, pois denota, sem contestação possível, que houve uma paragem ou grande irregularidade no seu desenvolvimento. Para outros é tida como mero acidente de pequena monta, talvez por lhe desconhecerem a origem e o verdadeiro significado.
A descoloração da íris, das mucosas, da pele e do seu revestimento piloso — simples formas diferenciadas do mesmo tecido primitivo — não é sintoma específico de qualquer determinada forma de degenerescência; é, simplesmente e sempre iniludível sinal de um estado geral de degenerescência, qualquer que seja a sua causa, que tanto pode ser um estado mórbido ainda mal definido de um ou de mal definido de um ou de ambos os reprodutores, como consequência de alimentação deficiente
ou imprópria, falta de cuidados de higiene ou estado de depressão passageira de um dos reprodutores, quer do macho, no momento do acasalamento, por excesso de trabalho a que recentemente tenha sido submetido, quer da fêmea, durante o período da gestação, por faltar dos cuidados especiais que então precisa.
Os «livros de origem» em que se encontra tudo o que importa conhecer quanto à ascendência de qualquer indivíduo, são os melhores auxiliares da selecção.
Nunca é demais repetir que ao «Livro Português de Origem», modelarmente organizado pelo prestigioso Clube dos Caçadores Portugueses se deve a recuperação de algumas das belas raças nacionais de cães ameaçados de abastardamento, e o encontrar-se hoje o nosso país em perfeito pé de igualdade com os mais adiantados em canicultura.