Um dia ou dois após o Catamaran ter chegado à União Zoófila era domingo. É um dia em que não há tão poucos voluntários no canil como durante a semana. Dá para soltar os meninos nas áreas de recreio lá dentro e levar alguns - os mais complicados, os que não têm padrinhos, aqueles para quem ninguém olha

- à rua. E o Catamaran foi à rua. Todo ele era rastas. Tinha um olho inflamado, quase fechado. Mas o que surpreendia, mas do que o aspecto físico dele, era o comportamento.
O Catamaran queria ir para todo o lado ao mesmo tempo. Um cheirinho à direita. E depois outro à esquerda. E também havia qualquer coisa que cheirava lá atrás. Era claramente o comportamento de alguém que vivera enclausurado e não só redescobria o espaço como temia que de repente esse espaço desaparecesse e por isso queria aproveitá-lo todo ao mesmo tempo. A voluntária que o levou compreendeu isso muito bem e não o refreou. Correu atrás dele, e depois para trás, em ziguezague, à esquerda e à direita, para norte, sul, este, oeste ao mesmo tempo.
O Catamaran revelava ainda outro comportamento que, do meu ponto de vista, se relaciona com a privação de contacto durante os dois anos que passou no cml. Basicamente, 'atirava-se' para cima de quem lhe passava a mão pela cabeça. Era uma experiência semelhante à do espaço. Para o Catamaran, o afecto só podia ser ou coisa de sonho - e nós, que os temos em casa e lidamos com muitos outros, sabemos que os cães sonham - ou, então, muito muito breve e por isso ele precisava de aproveitar cada migalha.
O comportamento errático na rua e esta sofregidão no contacto com as pessoas levava a pensar em loucura. O Catamaran podia ter enlouquecido. Mas não. O Catamaran é um animal perfeitamente são. Precisava apenas de não duvidar da existência do espaço e do afecto. Haviam de vê-lo agora. Já não se 'atira' aos seres humanos. Sabe que eles voltam. E corre a direito na zona de recreio. E tem uma companheira com a qual se dá muito bem.
Só precisa de um dono que o faça esquecer de vez o que passou.